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Mães indígenas fogem da Venezuela em busca de futuro melhor para filhos no AM

G1- http://g1.globo.com
Autor: Ive Rylo
14 de Mai de 2017

É em uma bacia de plástico com o auxílio de uma caneca que Elle Gonzalez, de 27 anos, banha a caçula de apenas 5 meses, a pequena Mariene. A bacia foi preenchida com água da chuva e, por mais que a mãe se esforce, a experiência nem de longe lembra os asseios recebidos às margens do rio Orinoco, a nordeste da Venezuela.

No colo quentinho da mãe, Mariene atravessou 1.379 km do delta do Orinoco, na cidade venezuelana de Tucupita, até Manaus. Foi a primeira vez que Elle, Mariene e os outros dois filhos - Fabiana de 2 anos e César de 4 anos - saíram das fronteiras do Estado de Delta Amacuro para desbravar terras brasileiras. Para fugir da fome, a mãe e mais 369 indígenas da etnia Warao deixaram a terra natal assolada pela crise e resolveram apostar em futuro melhor, longe de casa.

"Em Tucupita não tinha comida, não tinha dinheiro. Ninguém mais comprava artesanato. Aqui está melhor", disse Elle Gonzalez.

Reservada, a jovem observa a conversa, mas tem a maior parte da atenção voltada para os cuidados com as crianças. Se preocupa que todas estejam vestidas na frente de estranhos. Entende pouco de espanhol e se comunica a todo instante com o marido, Alfredo Zambrano, de 28 anos, na língua nativa, o warao.

A família da jovem chegou a Manaus há cerca de dois meses após longa jornada de canoa e ônibus. Às vezes, pôde arcar com a passagem, mas também precisou contar somente com a solidariedade do acaso. Antes de desembarcar no Amazonas, eles passaram por Pacaraima e deram uma 'paradinha' em Boa Vista, no Estado de Roraima.

Elle e mais sete familiares dividem dois cômodos de pouco mais de 10 metros quadrados em um prédio no Centro de Manaus. Cada pessoa da família paga R$ 10 pela diária.

"Manaus é boa cidade. Conseguimos comer e pagar aluguel. É melhor que a Venezuela, mas ainda não tem sido fácil. Como tem que pagar aluguel, sobra pouco para comer e vestir", disse Alfredo.

Espalhadas pelo chão dos dois pequenos cômodos estão sacolas com poucas roupas e os pertences da família. Redes coloridas tecidas pelos próprios indígenas dividem o espaço que é "refrigerado" por apenas um ventilador.

O prédio em que Elle mora é inteiramente ocupados por indígenas da etnia Warao. Há mais quatro prédios no centro da cidade, nas mesmas condições.

De acordo com informações repassadas pela Caritas são 212 indígenas morando em espaços alugados no centro de Manaus, sendo 69 homens, 64 mulheres e 79 crianças. Há também 15 indígenas em outro prédio no bairro Cidade Nova, na Zona Norte.

Para ajudar a pagar o aluguel e comprar alimentos, Elle vai com as crianças para as ruas pedir dinheiro, enquanto o marido tenta vender as peças de artesanto confeccionadas pelo povo da tribo.

Contando as moedas que ganhou nas ruas, Elle tenta fazer uma conta que nunca fecha. "Precisa de fralda, roupa, sapato, rede, comida. Mas quero mesmo é que eles estudem e sejam felizes", disse.

E, sobre o futuro, a guerreira Warao cultiva doces sonhos para os pequenos. Afinal, é como dizem, sonhar não custa nada. "Mariene e Fabiana vão ser professoras de Warao e César, médico. Falta médico em Tucupita, muita dificuldade", relata.

Coração de mãe

A porta aberta de um dos cômodos, no mesmo prédio de Elle, deixou escapar gargalhadas que se espalhavam pelo corredor. No pequeno espaço, cinco indiozinhos Warao se divertiam ao assitir televisão. A mãe, Maria Rates, de 19 anos, dividia a atenção entre o filme exibido e a missão de alimentar toda a turma com arroz e ensopado frango, às 14h.

Ela tinha acabado de chegar da rua com o marido Rafael Ratea de 22 anos, e os dois filhos, de 1 mês e 4 anos.

"Ele foi vender artesanto, chapéu e rede. Eu pedi dinheiro na rua. Só com o aretsanato, o dinheiro é pouco", disse, em uma mistura de espanhol com Warao.

Com o que a família ganhou, comprou comida para os filhos e sobrinhos. "Na Venezuela não tem comida, nem dinheiro e nada. Aqui comemos 3 vezes por dia. Lá, comia no máximo 2 vezes e tinha pouco", lembra.

A família paga R$ 30 por dia de aluguel. O banheiro é compartilhado com os demais moradores. No quarto há apenas uma rede em que Maria dorme com os dois filhos e o marido dorme no chão. A televisão é o único eletrodoméstico da família.

Bem humorada, Maria vestiu o pequeno bebê com a fralda que ganhou, tamanha extra grande. "A fralda é muito grande (risos), encosta no chão. Penso neles, quero que vivam bem e tenho saúde. Não quero que nada de ruim aconteça. E se tornem homens certos", afirmou.

Ajuda humanitária

A previsão é que, até o final de maio, cerca de 250 indígenas cheguem em Manaus. Hoje, mais de 300, há pouco mais dois meses, escolheram o Amazonas para tecer uma nova história. Na capital, eles tentam ganhar a vida com a venda de artesanato e a caridade do povo amazonense. "Eles trazem o artesanto, vendem e quando acaba eles voltam para buscar mais", disse a representantes da pastoral do imigrante, a freira Valdiza Carvalho.

Além do abrigamento, uma das grandes preocupações da pastoral do imigrante, é a exposição das mulheres e das crianças nas ruas da capital.

"O maior problema são as mulheres que estão na rua com crianças pedindo. Elas vão pedir para pagar o aluguel. Por que não tem homem indigena pedindo? Porque não ganham", justificou a freira Valdiza Carvalho.

Ela salientou que é preciso criar alternativas que não firam nem os direitos indígenas - que preconiza que a criança não pode ser retirada da mãe - e nem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que não permite que as crianças sejam expostas.

"Primeiro é preciso (que as autoridades) deem atençao a esta questão do abrigamento e segundo, à promoção humana. É importante trabalhar com essas mulheres para que possam fazer artesanato, ficar com as crianças em um espaço, para não estarem nas ruas. Elas vão com crianças, porque sabem que ganham", apontou.

Ela explicou que o povo Warao fugiu da crise da Venezuela."Eles são indígenas, não são população de rua. Estão na rua porque estão tentando sobreviver", disse.

Ela acredita que as autoridades das três esferas devem se mobilizar para ajudar as famílias.

"A pastoral, junto com o Cáritas, está acompanhando, levando mantimentos, comida, roupas, tentando dar apoio. Mas é o mínimo. A prefeitura já decretou emergência, pediu dinheiro para governo e eles têm que fazer alguma coisa. Nós somos o apoio", lamentou.

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