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Mãe de Apoena perdoa mas não aceita o caso encerrado

Estadão do Norte-Boa Vista-RR
Autor: Nelson Townes de Castro
22 de Out de 2004

"Tenho pena do menino, mas embaixo dessa farinha tem caroço". Com essas palavras, a mãe do sertanista Apoena Meireles, dona Abigail Meireles, de 85 anos, disse ontem de manhã ao diretor da Polícia Civil de Rondônia, Carlos Eduardo Ferreira, que não aceitava o encerramento das investigações sobre o assassinato de seu filho.
Apoena, morto a tiros de revólver na noite do dia 9 na sala de caixas eletrônicos da agência do Banco do Brasil na rua Dom Pedro 2o, foi vítima de um estudante de 17 anos que assaltava para roubar - diz a Polícia Civil de Rondônia, encerrando o caso.
"Ficou tudo bem apurado, investigamos com o maior critério" - disse o delegado Carlos Eduardo para a mãe do sertanista, a quem recebeu em seu gabinete na Secretaria de Segurançca, Defesa e Cidadania. "Não sei, não - replicou a anciã - os índios estão falando muito."
"Foi uma fatalidade" - insistiu o delegado. Então dona Abigail pediu aos jornalistas que se retirassem para poder falar em segredo com o diretor da Polícia Civil. Ficaram na sala somente o delegado, ela, uma filha e um amigo que as acompanham desde Brasília.
Antes do encontro à portas fechadas, a mãe de Apoena agradeceu o trabalho feito pela Polícia para esclarecer o crime e disse que a violência urbana é um problema nacional. "No Rio acontece o mesmo, agora vivemos enclausurados em nossas cidades."
A filha de dona Abigail e irmã de Apoena, Lídice, que a acompanha na viagem, disse que o objetivo da família é de trazer perdão e promover paz: "Meu pai (Francisco Meireles) era um pacificador e minha mãe vem a Porto Velho com esse objetivo."

PERDÃO E PAZ
"Minha mãe e eu viemos em missão de paz e de resgate da história da minha família para que os valores morais que nosso pai nos passou sejam mantidos " - disse Lídice ao "Estadão".
"Queremos abraçar os pais do rapaz (o estudante que confessou ter baleado Apoena para roubar dinheiro); não podemos permitir que a sociedade produza cidadãos que tenham que enfrentar esse tipo de problema; estamos falando de seres humanos, sem diferença de cor e etnias" - acrescentou a irmã de Apoena Meireles.
Esmeralda Karitiana, uma índia que abraçava Lídice enquanto ela falava com o repórter, disse com raiva: "Queremos ir junto ver esse criminoso."
Lídice Meireles rebateu: "Ele não é criminoso. Vejo-o espiritualmente como um veículo e socialmente como uma pessoa que precisa de proteção e ajuda, muito amor e compreensão."

"FIQUE NA ALDEIA"
Antes de ir ao gabinete do diretor da Polícia Civil, Abigail Meireles esteve na sede da Funai em Porto Velho onde foi recebida pelo coordenador Osman Brasil, por todos os funcionários e por todos os índios - crianças, jovens e adultos - que se encontravam na Casa do Índio, que funciona ao lado da autarquia.
Os índios invadiram e ocuparam a sala da direção da Funai imediatamente após saberem que dona Abigail havia chegado. As crianças, os jovens e os adultos choravam enquanto a mãe de Apoena beijava e abraçava todos, um por um.
"Ah, mãezinha, tu apareceu" - disse uma índia de meia idade assim que Abigail Meireles entrou na repartição.
"A gente vai levar a senhora para a aldeia" - disse outra.
"Senta aqui, mãezinha" - aproximou-se um rapaz índio abrindo espaço para ela perto da mesa do coordenador da Funai.
No meio da sala, Abigail Meireles deu um enorme grito e bateu no peito várias vezes, num ritual religioso.
Ela falou para os índios e para os jornalistas: "Eu quero a Justiça dos homens e de Deus. Perdi meu varão, meu ente querido que sempre trabalhou para o Brasil."
Depois, abraçando as crianças que as famílias dos índios colocavam em seus braços, disse: "Eu criei 18 desses menininhos. Deviam ter-me dado o direito de ficar na aldeia. O Apoena era doido por vocês."
Os índios colocaram um cocar e adereços Karipunas na anciã. Abigail Meireles disse: "Meu filho foi embora, mas eu estou alegre por estar aqui com a minha família. Ninguém vai me tirar esse direito.

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