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Luta pela Amazônia ganha prêmio

OESP, Vida, p. A17
27 de Abr de 2006

Luta pela Amazônia ganha prêmio
Paraense Tarcísio Feitosa da Silva foi homenageado pelo combate à destruição da floresta e defesa dos índios

Herton Escobar

Foram três anos como professor de matemática. Quando chegou a hora de decidir por um projeto de vida, entretanto, Tarcísio Feitosa da Silva não teve dúvidas: optou pela floresta. A vocação de adolescência, cultivada desde os 15 anos, virou profissão em tempo integral, de luta pela conservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas que vivem nela. Hoje, aos 35, Feitosa é reconhecido internacionalmente como um dos principais nomes do socioambientalismo amazônico.
O paraense de Altamira, no cruzamento do Rio Xingu com a Rodovia Transamazônica, é o vencedor neste ano do Prêmio Goldman de Meio Ambiente para a América do Sul e Central, um dos maiores reconhecimentos do ambientalismo mundial. Apenas dois outros brasileiros já foram agraciados com o prêmio, de US$ 125 mil: a ex-seringueira e atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em 1996, e Carlos Alberto Ricardo, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), em 1992.
Atuando junto às comunidades locais, Feitosa foi um dos principais atores sociais no processo de criação de milhares de quilômetros quadrados de áreas protegidas às margens da BR-163 (Cuiabá-Santarém) e nas regiões do Xingu e da Terra do Meio, uma das mais conflituosas da Amazônia. Teve participação decisiva na demarcação de terras indígenas e por muitos anos atuou em parceria com a freira ambientalista Dorothy Stang, assassinada por pistoleiros em fevereiro de 2005.
"Não foram dois ou três que a mataram, foi um consórcio mortal de fazendeiros, madeireiros e grileiros que está instalado naquela região", disse Feitosa ao Estado por telefone, dos Estados Unidos, onde recebeu o prêmio. Ele também já foi ameaçado de morte, mais de uma vez. "Claro que tem riscos, mas se eu não fizer, quem vai fazer? Não quero deixar uma Amazônia dessas para os meus filhos", diz.
Suas denúncias sobre o corte ilegal de mogno da floresta resultaram na apreensão de 6 mil toras da madeira nobre pelo Ibama, avaliadas em R$ 7,5 milhões. O valor foi revertido para um fundo especial, o Dema, que hoje financia projetos de desenvolvimento sustentável na região.
"Dá para imaginar que é preciso uma coragem muito grande para fazer isso, enfrentar a ilegalidade que impera naquela região", diz a secretária de Coordenação de Políticas para a Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Muriel Saragoussi, pesquisadora amazonense e também ativista socioambiental por muitos anos.
Segundo ela, Feitosa atua como um "porta-voz" dos direitos humanos e da conservação na Amazônia. "É, sem dúvida, uma pessoa muito corajosa e muito comprometida com a região."
PARAENSE LEGÍTIMO
Filho de seringueira e de um ex-catador de caranguejo, Feitosa nasceu, foi criado e vive até hoje em Altamira. "Nunca saí de lá, nem para estudar", conta. Religioso, entrou para o socioambientalismo por meio da Igreja, atuando pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Até 2000, quando começou a denunciar a exploração ilegal de mogno, trabalhou principalmente com a demarcação de terras indígenas.
No início da década de 90, formou-se professor em ciências exatas e naturais pela Universidade Federal do Pará, que abrira um campus na cidade poucos anos antes. Ensinou matemática numa escola pública, mas acabou largando a sala de aula para se dedicar em tempo integral à questão indígena.
Casado e pai de dois filhos, define sua profissão da seguinte forma: "Trabalho por um mundo melhor". Se um dia virasse ministro, como ocorreu com a premiada Marina Silva, diz que sua primeira política seria "convencer seus colegas ministros a conhecer a Amazônia".
Segundo ele, não só os políticos, mas grande parte da sociedade, tem uma visão equivocada da floresta. Um dos erros mais comuns é pensar na Amazônia apenas como um tapete verde, homogêneo e desabitado, e não como um mosaico altamente diversificado de ecossistemas, povos, culturas e cidades. "Só por foto de satélite não dá para conhecer a Amazônia."
A região, segundo ele, precisa de uma agenda política diferenciada, adaptada às realidades locais e voltada para o uso sustentável dos recursos florestais.

OESP, 27/04/2006, Vida, p. A17

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