VOLTAR

Lula se diz "indignado"

CB, Brasil, p. 16
09 de Mai de 2008

Lula se diz "indignado"
Presidente diz que absolvição de fazendeiro apontado como mandante da morte da freira "depõe contra a imagem do Brasil"

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Dois dias depois da absolvição do fazendeiro Valdomiro Bastos, o Bida, acusado de mandar matar a freira Dorothy Stang em Anapu (PA), em fevereiro de 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que, "como brasileiro e cidadão comum", está "indignado com o resultado". "Mas como presidente da República não dou palpite na decisão de uma instância do Judiciário", ponderou. Lula destacou, no entanto, que deve haver recurso contra a decisão. "Vamos ver o que vai acontecer. Eu acho que depõe um pouco contra a imagem do Brasil no exterior", ressaltou.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) estuda a possibilidade de ingressar com uma denúncia contra o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA), caso a Justiça do Pará não reanalise a decisão. "Em 800 assassinatos nos últimos 35 anos por conflito de terra no Pará, o Vitalmiro era o único mandante preso", lamentou José Batista Afonso, coordenador nacional da CPT. Para Afonso, a absolvição do fazendeiro é uma incitação à violência no campo no Brasil. "Traz a sensação de insegurança para quem está ameaçado no Norte", disse. David Stang, irmão de Dorothy que veio acompanhar o julgamento, disse estar desapontado e surpreso com o resultado, mas que "vai continuar lutando por justiça".

O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, se disse "estupefato" com a absolvição de Bida pelo júri popular, em segundo julgamento. Chinaglia afirmou que vai pedir uma análise técnica aos assessores da Câmara para verificar a questão. O direito ao segundo julgamento está previsto no Código de Processo Penal quando o réu é condenado a pena superior a 20 anos. "Fica a sensação de que não se fez justiça, fica uma desconfiança em relação ao que o Judiciário decide. Pode haver uma falha na legislação", afirmou Chinaglia. Um projeto para revisar esse dispositivo tramita no Congresso há sete anos.

Pedido protocolado
O promotor Edson Cardoso ingressou ontem com um pedido de anulação da sentença. "A decisão dos jurados contrariou a prova dos autos no caso do Bida. Além disso, o Conselho de Sentença não reconheceu um item importante do julgamento, que foi a qualificadora de promessa de recompensa pela morte da freira, quando julgou e condenou a 28 anos o Rayfran das Neves, o pistoleiro", explicou Cardoso.

De acordo com o Ministério Público Federal no Pará, o promotor tinha 15 dias, contados a partir de terça-feira, para apelar da decisão e pedir novo julgamento. "A sentença contraria a prova dos autos", ressaltou o procurador da República em Belém, Felício Pontes Júnior, repetindo a avaliação do promotor. O procurador lembra que o pistoleiro Rayfran das Neves Sales, réu confesso, mudou várias vezes sua versão sobre o crime. Amigo pessoal de Dorothy, Pontes teme o aumento dos conflitos agrários contra os povos da floresta. "Fazendeiros e madeireiros podem tomar a absolvição como um prêmio à impunidade e começar a cumprir ameaças na região", afirmou.

Bida foi absolvido na 2ª Vara do Júri de Belém por cinco votos a dois. No primeiro julgamento, o fazendeiro havia sido condenado a 30 anos de prisão. A missionária Dorothy Stang foi morta com seis tiros. Ela trabalhava com a CPT e comandava o programa em uma área autorizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Jobim diz não se surpreender

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem não ter ficado surpreso com a absolvição do fazendeiro Bastos de Moura, o Bida. Acusado de ser o mandante do assassinato da freira Dorothy Stang em fevereiro de 2005, Bastos foi absolvido na última terça-feira pelo Tribunal do Júri em Belém (PA). Para Jobim, decisões da Justiça são para serem respeitadas. "Tive longa experiência no Tribunal de Júri e sei perfeitamente que essas coisas acontecem. Faz parte das instituições democráticas", ressaltou.

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Jobim ressaltou que as decisões são tomadas pelos tribunais "com base nos processos" e que cabe ao sistema judiciário brasileiro decidir. A declaração do ministro vai de encontro a críticas de ministros do STF e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, que na quarta-feira haviam criticado a decisão da justiça paraense.

Reações

"Como brasileiro, como cidadão comum, eu obviamente que estou indignado com o resultado, mas como presidente da República não dou palpite na decisão de uma instância do Judiciário. (A decisão) Faz com que uma parte da sociedade comece a ter dúvida sobre o julgamento, mas de qualquer forma é uma decisão, é um fórum legitimamente reconhecido e temos que esperar que os advogados façam recursos para que a gente possa então saber se o mandante vai ser punido ou não"
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

"Tive longa experiência no Tribunal de Júri e sei perfeitamente que essas coisas acontecem. Faz parte das instituições democráticas"
Nelson Jobim, ministro da Defesa

"Fica a sensação de que não se fez justiça, fica uma desconfiança em relação ao que o Judiciário decide. Pode haver uma falha na legislação"
Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara dos Deputados

"Estamos estudando a possibilidade de ingressar com uma denúncia contra o governo brasileiro na OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 800 assassinatos nos últimos 35 anos por conflitos de terra no Pará, o Vitalmiro era o único mandante preso"
José Batista Afonso, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra

CB, 09/05/2008, Brasil, p. 16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.