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Lula, Obama, floresta e clima

Valor Econômico, Opinão, p. A11
Autor: SANTILLI, Márcio; MOUTINHO, Paulo; SCHWARTZMAN, Steve
23 de Abr de 2009

Lula, Obama, floresta e clima
As metas de Kyoto têm de ser 15 vezes maiores.

Por Márcio Santilli, Paulo Moutinho e Steve Schwartzman

Viramos o ano com avanços de posição dos EUA e do Brasil em relação à mudança climática. Em dezembro de 2008, o Brasil anunciou na Conferência da ONU sobre clima, na Polônia, um regime voluntário de metas para reduzir o desmatamento e as emissões de gases estufa daí decorrentes. Após três anos consecutivos com queda significativa nas taxas de desmatamento na Amazônia apuradas pelo Inpe, e um quarto ano com ligeiro aumento, nossos representantes oficiais criaram coragem e puseram sobre a mesa uma meta: reduzir em 70%, até 2017, a taxa de derrubada da floresta amazônica em relação à média histórica dessas emissões (19.000 Km2).
Em janeiro último, antes de sua posse como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama fez um pronunciamento sobre a questão climática. Bom sinal, considerando anos de omissão deliberada por parte do governo Bush. O foco do discurso foi a descarbonização da economia americana, relacionando-a à própria soberania nacional devido à crescente dependência de seu país em relação aos combustíveis fósseis do Oriente Médio. Anunciou investimentos de peso em energias alternativas e tecnologias limpas e ainda estabeleceu como meta reduzir as emissões aos patamares de 1990 até 2020. Claro sinal de que os EUA não acatarão as metas do Protocolo de Kyoto, de redução média de 5,2% em relação aos níveis de 1990, o equivalente a uma redução de 2 bilhões de toneladas de carbono entre 2008 e 2012. E, ao que parece, menos ainda em relação ao que vier a ser estabelecido no âmbito da ONU, na Conferência de Copenhagen, na Dinamarca, no final do ano, que traçará condições para o próximo período de compromisso a partir de 2012.
Todos sabem que os governos devem ser cautelosos ao anunciar metas, mesmo voluntárias, no plano internacional. Porém, a crise climática vem dando exemplos constantes de que veio para ficar. As metas de Kyoto têm de ser, pelo menos, 15 vezes maiores para que o quadro de ameaças climáticas não se agrave.
Descontando as conveniências diplomáticas, é desejável e necessário que povos e países, inclusive EUA e Brasil, que estão entre os quatro maiores emissores atuais de gases estufa, criem condições para fazer algo a mais e rápido. Havendo fontes estáveis e significativas de financiamento, que não se esgotem na provisão de medidas de controle e possam bancar matrizes mais sustentáveis de produção florestal e agropecuária na Amazônia, assim como outras alternativas, o Brasil certamente poderá ir além da meta de redução de desmatamento anunciada pelo governo. Apesar das dificuldades, é mais fácil e barato reduzir desmatamento, dando tempo e escala para que a matriz energética seja limpa.
É bom lembrar que as emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis continuam a crescer, embora bem menos se comparadas àquelas oriundas do desmatamento na Amazônia. A política do governo deveria, portanto, ir além do incentivo a doações compensatórias de reduções passadas na taxa de desmatamento, que já alimentam o Fundo Amazônia do BNDES, mas deveriam também considerar o ascendente mercado de créditos de carbono.
A alegação oficial de que a opção pelo mercado não apresenta contribuição adicional para a redução de emissões, pois a diminuição de desmatamento estaria apenas autorizando emissões pela queima de combustíveis fósseis em países do Norte, é uma meia verdade. Se a compensação não trouxesse vantagem para o clima, não haveria como sustentar a pertinência do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e outros. Eles existem para viabilizar o cumprimento de metas com menor custo, favorecendo o esforço internacional pela redução de emissões. Assim, qualquer sistema proposto pela ONU para reduzir as emissões de gases poluentes no período pós-Kyoto que admita hipóteses de compensação que incluam mecanismos de mercado (crédito de carbono), deve estar fortemente ligado ao aumento das metas obrigatórias para os países desenvolvidos.
Este raciocínio se aplica ao futuro mercado de carbono que está surgindo nos EUA. Se for possível aos americanos utilizar créditos gerados pela redução de emissões por desmatamento, será possível viabilizar compromisso interno de redução mais significativo e trazer os EUA de volta à mesa de negociação da ONU.
Já há modelos econômicos que apontam grandes benefícios para o clima sob um possível acordo bilateral Brasil-EUA que considere as metas anunciadas. Existindo a opção de compra de créditos de reduções do desmatamento, os EUA poderiam reduzir de 4% a 10% acima da meta anunciada e, atenção, sem custo adicional. Poderiam, assim, aportar recursos técnicos e financeiros e garantir efetividade e velocidade na redução do desmatamento no Brasil, gerando uma dinâmica cujo resultado seria um real benefício para o clima.

Márcio Santilli é diretor do Instituto Socioambiental (ISA).
Paulo Moutinho é diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Steve Schwartzman é diretor do Environmental Defense Fund (ED).

Valor Econômico, 23/04/2009, Opinão, p. A11

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