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Lula falha como FH na segurança

OESP, Nacional, p. A6
Autor: KRAMER, Dora
15 de Fev de 2005

Lula falha como FH na segurança

Dora Kramer

Dorothy Stang não foi a primeira nem será a última vítima da leniência governamental que cultiva territórios sem-lei na Amazônia, no Rio de Janeiro, na periferia de São Paulo, em toda parte deste país onde o combate à violência não está no topo da agenda do poder público, não obstante a criminalidade esteja no centro dos acontecimentos cotidianos da população brasileira.
A missionária norte-americana naturalizada brasileira foi assassinada pela incapacidade do Estado de proteger seus cidadãos.

Há seis meses vinha sendo ameaçada - não fica bem claro se por proprietários rurais ou por exploradores de madeira na área paraense das terras ao longo da Rodovia Transamazônica. Pelas reações ante o assassinato parece que todas as autoridades, locais, regionais e federais, já tinham conhecimento disso, mas ficou tudo por isso mesmo.

De resto como deverá continuar tudo na mesma assim que passar o impacto da repercussão interna e externa de mais um desses crimes típicos de regiões onde ninguém tem medo de infringir a lei e de situações em que a comunidade - incluídos cidadãos ditos comuns e autoridades - age como que anestesiada pelo efeito da brutalidade continuada.

As ocorrências nefastas provocam espasmos de horror, providências de emergência, a reunião ministerial regulamentar, talvez o anúncio de um rol de medidas para compor um plano de ações integradas entre Estados, União e municípios, e ficamos por aí conversados até que um novo episódio de selvageria rural ou urbana belisque por um certo período as consciências.

Passada a dor aguda, voltamos a dormir. Vejamos a trajetória do entusiasmo do presidente Luiz Inácio da Silva com o assunto, do início do governo para cá. No discurso de posse declarou-se convicto de que uma das mudanças que a sociedade esperava dele era a ação firme contra a "precariedade avassaladora" da segurança pública no País.

No discurso Lula não se referiu específica nem diretamente ao antecessor Fernando Henrique Cardoso. Mas tão óbvio foi o fracasso do tucano nessa área - só de ministros da Justiça foram nove -, que o próprio FH deixou de lado a vaidade e mais de uma vez já reconheceu de público o fiasco de seu governo na segurança pública.

No embalo da posse, Lula entusiasmou-se ainda mais com o tema, em função de uma crise que se abateu sobre o Rio de Janeiro naquele início de 2003, com rebeliões violentíssimas em presídios ditos de segurança máxima. O presidente e seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, empenharam palavras e gestos numa atuação prioritária e persistente à garantia da segurança pública.

Foram tão convincentes que deu até a impressão de que Lula havia percebido a importância do assunto e decidira tomar o problema como o principal de seu governo. A segurança pública seria para ele algo assim como foi para seu antecessor o combate à inflação e a consolidação da estabilidade econômica.

Logo, no entanto, o atual governo voltou aos mesmos equívocos do passado: ficou refém dos debates sobre verbas, atribuições constitucionais, querelas regionais, grupos de trabalho, forças-tarefa, planos emergenciais e, no caso mais agudo do Rio de Janeiro, brigas, muitas brigas com o casal de governadores adversários.

Isso no tocante ao cartão-postal do Brasil, a mais visível terra sem-lei do País. Em relação aos conflitos dos fundões, no dia-a-dia nem sabemos o que se passa. Quando uma missionária é trucidada por facínoras tão conhecidos que logo no dia seguinte puderam ser presos, ficamos sabendo que o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, há pouco ouvira dela o aviso sobre o risco.

A própria freira entrara no clima de letargia, não acreditava que o inimigo ousasse concretizar as ameaças. "Eles não teriam coragem de matar uma mulher velha como eu", disse ela ao Estado de S. Paulo dez dias antes de morrer.

A subestimação do crime admite-se que esteja em cada um de nós, até como forma de defesa para sobreviver sem sucumbir ao pânico. Mas ao poder público e suas áreas de notória especialização cabe outro tipo de atitude: o alerta e a prevenção, no mínimo.

Mas com todos os relatos, casos anteriores e a sabida truculência com que se resolvem questões nessas terras de ninguém, nem um sinal de interesse objetivo se viu por parte do Estado. Outro dia mesmo o secretário Nilmário Miranda irritou-se quando cobrado sobre uma viagem à China para conhecer ações de direitos humanos num país sem liberdade.

Nilmário disse que atendia a um convite protocolar. Se achou por bem sair daqui até a China para protocolarmente tratar do inexistente, talvez fosse o caso de rever o uso de seu tempo, aplicando-o, senão na resolução, pelo menos da dedicação a problemas reais que ofendem nossos humanos aqui mesmo, onde há direitos a preservar.

Agir ideologicamente em relação à violência também não ajuda a arrefecê-la. São bandidos os assassinos da missionária, mas o são também os índios que mataram garimpeiros o ano passado em Rondônia e tiveram seu direito ao crime defendido pelo presidente da Funai.

Sinais dúbios quanto à obrigatoriedade do cumprimento da lei complicam o cenário, desmoralizam a autoridade e criam a sensação de que vale arriscar porque sempre se pode alegar que a alguns é permitida a afronta impune.

OESP, 15/02/05, Nacional, p.A6

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