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Lula afirma que Brasil é "república branca"

FSP, Brasil, p. A10
21 de Nov de 2003

Lula afirma que Brasil é "república branca"
No Dia da Consciência Negra, presidente visita serra onde foi construído o Quilombo dos Palmares

Gabriela Athias
Enviada especial a União dos Palmares e Delmiro Gouveia (AL)

Na cerimônia em comemoração do Dia da Consciência Negra, ontem, em União dos Palmares (AL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil é uma "república branca". Ele creditou a condição de pobreza da maioria dos negros brasileiros à "inércia branca que sempre comandou a vida política nacional".

O presidente discursou no alto da serra da Barriga, o antigo centro de resistência do Quilombo dos Palmares, destruído em 1694. Cerca de 2.000 pessoas ouviram o discurso, incluindo o governador Ronaldo Lessa (PSB) e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Para o presidente, a condição desfavorável dos negros brasileiros faz com que o Brasil de hoje guardasse semelhanças com o país do período colonial, quando imperava o sistema escravocrata.

"No Brasil colonial, havia escravidão porque havia desigualdade: os homens não eram iguais perante a lei", disse o presidente.

Depois, completou: "No Brasil do século 21, há exclusão porque continua a haver desigualdade. Os homens são iguais perante a lei, mas não têm oportunidades iguais. Os direitos republicanos são monopólio de uma parte da população como se o Brasil fosse uma república branca, ainda que 46% do seu povo seja negro".

Quilombos
Lula prometeu regularizar a posse de terra das comunidades quilombolas. Há 743 cadastradas, mas apenas 36 já estão com a titularidade em dia.

"O fato de os quilombos ainda não terem sido regularizados, 115 anos depois da abolição, diz muito sobre a inércia branca que sempre comandou a vida política nacional", afirmou o presidente.

Lula reconheceu mais uma vez a existência de racismo no Brasil. "Está na hora de este país encarar uma verdade disfarçada há quatro séculos: quem paga a principal conta da desigualdade neste país são os negros."

Para Lula, uma das evidências do racismo é o fato de negros não se reconhecerem como tal.

"Sessenta e cinco por cento dos brasileiros não se reconhecem como negros. Não há sintoma mais dramático de racismo numa sociedade do que induzir um homem e uma mulher a negarem a própria identidade", disse o presidente, durante o discurso.

No Censo, as pessoas têm direito de declarar sua raça aos pesquisadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dessa forma, ainda que um cidadão tenha características físicas compatíveis com as da raça negra, pode se declarar pardo.

Citando dados do IBGE, Lula afirmou que 1,7 milhão de pessoas da parcela mais rica da população tem renda equivalente à dos 85 milhões de pobres. Ele disse ainda que, em cada dez pobres, seis são negros.

Direitos
Depois de convocar os brasileiros a tomarem consciência do racismo e da desigualdade, o presidente disse que ele mesmo passou por uma fase de descoberta dos seus direitos.

"Costumo dizer que tenho duas datas de aniversário, mas, pensando bem, são três: o dia em que eu nasci, o dia em que fui registrado e o dia em que tomei consciência dos meus direitos e da necessidade de lutar por eles."

Para Lula, vencer a desigualdade racial em todo o mundo é defender uma "globalização humanitária". E vencer o preconceito racial é questão de soberania.

"Não uma soberania baseada na dominação de um povo sobre outro. Mas aquela baseada no estreitamento de relações comerciais, políticas e culturais com aqueles povos e continentes que aspiram, assim como nós, a um futuro de independência e dignidade."

Para marcar a data, Lula assinou três decretos: um normatiza a regularização fundiária dos quilombos, outro cria o Conselho Nacional de Igualdade Racial e, o terceiro, a política de igualdade racial.

Multidão chama Benedita de "neta do Zumbi"

Da enviada especial a União dos Palmares e Delmiro Gouveia (AL)

Quando a comitiva do presidente Lula chegou à serra da Barriga (AL) para a cerimônia do Dia da Consciência Negra, a ministra Benedita da Silva (Assistência Social) foi a primeira a ser notada. Aplaudida, foi chamada de "neta do Zumbi".

O presidente estava acompanhado ainda das ministras Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e Emília Fernandes (Direitos da Mulher). No alto da serra, foram reproduzidas construções que lá existiam na época da "Cerca Real dos Macacos", mais conhecida como Quilombo dos Palmares (leia texto nesta página).

Lula foi condecorado com a Ordem do Mérito dos Palmares e usou o boné oficial do evento. Ganhou ainda um quadro com o rosto do líder negro. Cerca de 2.000 pessoas foram ao evento.

Saiba mais
Data homenageia morte de Zumbi, líder de Palmares

Da redação

Zumbi foi o último líder do Quilombo dos Palmares, que em seu auge, por volta de 1670, chegou a ter de 20 mil a 30 mil habitantes. O quilombo, que ficava na divisa de Pernambuco e Alagoas, surgiu no começo do século 17. O governo colonial lançou 17 expedições para destruí-lo, mas só o fez em 1694.

Zumbi era sobrinho de Ganga Zumba, rei de Palmares. Em 1678, após algumas expedições que quase conseguiram destruir o quilombo, Ganga Zumba fez um acordo com as tropas coloniais que previa a liberdade dos quilombolas em troca do fim das expedições deles para libertar outros negros. Zumbi e outros chefes não aceitaram e continuaram a guerra.
Quando a expedição do bandeirante Domingos Jorge Velho arrasou o quilombo, em 1694, Zumbi conseguiu fugir.

No ano seguinte, foi morto por André Furtado Mendonça. A data da sua morte, 20 de novembro, ficou sendo o Dia da Consciência Negra.

FSP, 21/11/2003, Brasil, p. A10

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