VOLTAR

Loja "expõe" índio guarani em showroom

FSP, Cotidiano, p. C8
21 de Jan de 2006

Loja "expõe" índio guarani em showroom
Para diretor, clientes ficam "chocadas" com indígenas, que vendem peças a R$ 20 ao lado de blusas de até R$ 6.000

Laura Capriglione

Quatro autênticos índios guaranis estão em exibição até o próximo dia 31 em um dos templos da chiqueria paulistana, a loja Clube Chocolate, sucedâneo moderno da butique Daslu. Shortinho, rosto sério, sem conversar com ninguém, eles posam ao lado de uma maloca, rede esticada, confeccionando artesanato. Servem de ornamento no ambiente conhecido como "prainha" do clube, uma faixa de areia com coqueiros, localizada no mesmo piso do restaurante da loja.
"Ele é de verdade?", perguntou à Folha a turista italiana Maria Castelani, que ontem almoçava no clube sem conseguir despregar os olhos do chefe guarani Timóteo, que, no entanto, não olhava para ela, braços cruzados sobre o peito nu, jeitão de cacique de desenho animado.
O diretor da Clube Chocolate, José Xavier de Britto Neto, um expert em consumo de alto luxo, que morou seis anos em Hong Kong e se habituou à ponte aérea Ásia-Brasil, com escalas em Paris, Milão, Londres e Nova York, confirma: as clientes da loja ficam "chocadas", sim, (a palavra "chocada" é dele) com a cenografia de índios autênticos. Mas ele explica assim a fusão do mundo dos endinheirados com a maloquinha fashion de Timóteo: "É para a gente aprender a valorizar o que é simples, lindo, e que, na maior parte das vezes, passa despercebido".
Uma mulher indígena alterna-se com Timóteo na prainha. Ocupa o tempo confeccionando cestas. Na loja, informam que ela, que nada diz, não fala português.
O salário dos índios cenográficos, garante o diretor da loja, é zero. "Não é exploração, Xavier?", pergunta a reportagem. "Olha, imagina quanto vale um córner no clube", diz ele, referindo-se aos pontos-de-venda que as lojas multimarcas mais prestigiadas cedem para as grifes estreladas. "Pois bem, é como se tivéssemos cedido um supercórner para os guaranis apresentarem e venderem seu artesanato."
As cestas, colarzinhos e pulseiras dos índios são vendidas a R$ 20 no setor do clube destinado às mulheres românticas. Dividem o espaço com blusinhas de até R$ 6.000, produzidas por nativos de tribos como Balenciaga e Azzedine Alaïa, localizadas em praias bem distantes da aldeia de Timóteo, que fica na zona sul da cidade.
"Estamos homenageando o folclore, as lendas e mitos, a arte, a língua do Brasil", afirma Xavier. As estampas da coleção de jeans, por exemplo, vêm com desenhos usados na pintura corporal de índios do Xingu; os botões são fabricados em cerâmica, com motivos de tribos da Amazônia.
"Ritmo de índio, sabe?"
A "prainha" foi planejada pelo arquiteto paulistano Isay Weinfelf. Foi nela que se instalou a maloca construída em quatro "longos" dias. "É aquele ritmo de índio, sabe?", explicou Xavier.
Os guaranis recrutados pelo Clube Chocolate são parte dos 2.716 que ainda sobrevivem no Estado de São Paulo, e que, na capital, moram em três aldeias conhecidas por Krukutu, Barragem e Jaraguá.
Segundo Luiz Fernando Villares e Silva, procurador-geral da Funai, órgão federal de proteção aos índios, a etnologia chique do clube onde se enfiou o cacique Timóteo é uma espécie de avesso da vida simples que existe nas tribos guaranis. "Eles não são miseráveis, mas prezam a simplicidade. São tímidos e têm uma dificuldade imensa para aprender o português, apesar de manterem contato com o mundo branco há centenas de anos."
A decoração "brasileirinha" do clube incorpora ainda uma cacatua e outros primos dos papagaios, além de uma dezena de galinhas d'angola, que ficam defronte a uma casa dos anos 40, localizada nos fundos do clube, agora maquiada de modo a parecer feita de pau-a-pique.
No restaurante, em que se usa um sal marinho cotado em R$ 120 o quilo, e cujo chefe de cozinha já preparou banquetes no Plaza Athennée de Paris (diárias de até 6.300), agora se servem inesperados croquetes de feijoada. Nesse Brasil diferente, quem quiser ver os índios do cenário tem de chegar até o começo da tarde -eles só permanecem até que o último cliente do almoço levante-se da mesa. Aí, só se encontram na tribo real, perto da represa Billings, onde não tem celular, internet nem roupinhas fashion -só os indefectíveis shorts e havaianas.

FSP, 21/01/2006, Cotidiano, p. C8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.