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Lixo atômico vai para depósito provisório

FSP, Dinheiro, p. B4
02 de Jul de 2007

Lixo atômico vai para depósito provisório
Sem definição sobre o número de usinas nucleares a serem erguidas no país, construção de local definitivo fica para 2012
À espera de solução, central nuclear amplia os galpões onde ficam os rejeitos, que trazem riscos, por até cem anos, de contaminação

Janaina Lage
Da enviada especial a Angra dos Reis

Sem contar com uma solução definitiva, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, que abriga as usinas de Angra 1 e Angra 2, no Estado do Rio de Janeiro, está expandindo os depósitos onde guarda inicialmente os rejeitos de baixa e média intensidade radioativa -que podem provocar contaminação por quase um século.
A construção do depósito definitivo para esse tipo de material -roupas, luvas, ferramentas e filtros de ar- deve ficar somente para 2012.
Na semana em que o governo federal decidiu retomar a construção da usina nuclear de Angra 3, volta à tona a discussão sobre o que fazer com os rejeitos. As usinas nucleares produzem rejeitos de baixa, média e alta atividade. O principal fator de diferenciação é o tempo em que eles continuam a emitir radiação. No caso dos de baixa e média, eles podem perder o caráter radioativo em até cem anos. Os de alta radioatividade podem permanecer radioativos por milhares de anos.
Os depósitos iniciais têm como abrigar o material durante a vida útil da usina, de 40 a 60 anos. Atualmente, eles acumulam 5.815 tambores ou 2.150 metros cúbicos. O local é monitorado 24 horas por dia.
O Brasil não tem depósito definitivo para rejeitos de usinas nucleares. A responsabilidade sobre a implantação do depósito permanente é da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear). Segundo Odair Gonçalves, presidente da Cnen, a incerteza sobre o número de usinas que o governo deseja construir nos próximos anos trava a definição do local.
"Precisamos pensar na política para o setor, e não em uma solução imediata. Os rejeitos estão guardados de forma segura durante o tempo de vida útil da usina", disse.
Segundo Gonçalves, o depósito definitivo exige estudos sísmicos, área isolada e guarda armada, entre outros aspectos. O custo seria da ordem de US$ 20 milhões. Em 2002, a Cnen firmou convênio com a Eletronuclear para construir o depósito até 2007, mas o prazo em vista agora é 2012.
Inicialmente, pensava-se em construir o depósito num raio de 30 quilômetros da usina para facilitar o transporte. Poderia ficar em Angra dos Reis, Rio Claro ou Paraty. A escolha do local se mostrou mais complicada do que se previa.
A prefeitura de Angra quer contrapartidas para abrigar Angra 3, e a instalação de um depósito definitivo é vista com reserva pela comunidade.

Questão política
Segundo Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear, trata-se mais de uma questão política, já que não haveria urgência em definir o local. Ele diz que o convênio foi firmado diante de restrições orçamentárias da Cnen. Com isso, está sendo construído um terceiro depósito para abrigar resíduos de Angra 1, 2 e 3, que só deve entrar em operação em 2013, além da ampliação do segundo galpão a partir desta semana.
A localização no Sudeste é devido à maior produção de rejeitos radioativos na região, já que receberia também resíduos radioativos hospitalares.
Segundo a Eletronuclear, há 15 depósitos definitivos de rejeitos de baixa e média intensidade no mundo. A indefinição sobre o local no Brasil motivou o Ministério Público Federal a entrar com ação contra a União, a Cnen e a Eletronuclear pedindo instalação em até dois anos do depósito definitivo.
Pede ainda que a União seja obrigada a incluir no orçamento de 2008 as dotações de recursos para o projeto.

Alta radioatividade
Se o problema dos depósitos definitivos de baixa radioatividade está restrito ao Brasil, a questão dos depósitos de alta radioatividade é mundial. Poucos países encontraram uma solução para o caso. A Finlândia optou por enterrar os elementos combustíveis usados 500 metros abaixo do solo, em envoltórios especiais.
A questão envolve estratégia de governo. Atualmente os elementos combustíveis de alta radioatividade de Angra 1 e 2 são guardados em piscinas com resfriamento dentro dos prédios das usinas, em locais de acesso extremamente restrito. Esse tipo de depósito é válido durante a vida útil da usina.
O problema é que o elemento combustível é formado por urânio, uma fonte de energia finita. Quando sai do reator, o elemento combustível teve menos de 50% de sua capacidade utilizada. Se o país optar por construir um depósito definitivo, não terá chance de reprocessar esse material.

Desde a década de 70, só 22% do programa nuclear saiu do papel

Da enviada especial a Angra dos Reis

Se o acordo nuclear Brasil-Alemanha tivesse sido cumprido integralmente, o país teria hoje nove usinas nucleares em funcionamento. Quando o acordo foi assinado, o Brasil já havia comprado da Westinghouse o reator de Angra 1, em um contrato fechado que não envolveu transferência de tecnologia. O acordo previa a construção de até oito usinas nucleares, exatamente o mesmo número máximo de novas usinas com que o setor trabalha hoje, mais de 30 anos depois.
Se no passado a motivação era estratégica e incluía a redução da dependência de petróleo dos Estados Unidos, em um ambiente de grandes projetos de infra-estrutura e de perspectivas de crescimento em ritmo acelerado nos próximos anos, o teor do debate neste momento é focado mais na demanda energética. Agora, as mesmas oito usinas podem, segundo defendem os agentes do setor, evitar o risco de falta de energia no futuro.

Planos frustrados
Na década de 1980, a recessão atingiu a economia brasileira e jogou por terra os planos do país de se tornar um dos grandes agentes do setor no mundo. Foi no meio desse cenário que as obras de Angra 3 foram interrompidas.
Atualmente, Angra 1 e 2 geram energia suficiente para atender 50% da demanda do Estado do Rio. "Com a entrada de Angra 3, vão atender 80%", afirma o diretor de Operações da central, Pedro Figueiredo.
A visita ao local da futura usina mostra que nesses canteiros é como se o tempo não tivesse passado. As rochas onde ficarão as fundações da usina indicam pela diferença de nível no solo onde será localizado o reator. Nada mais além disso foi feito porque a licença ambiental ainda não saiu.
O país gastou US$ 750 milhões na compra de equipamentos que estão guardados em nove galpões, há mais de 20 anos, no terreno das usinas de Angra e também em Itaguaí, na Nuclep. O custo de manutenção é de US$ 20 milhões por ano. Uma equipe de 35 pessoas se dedica a cuidar de canos, tubulações e outros equipamentos similares nesse período.
É o caso de Dirceu Miglioli, 56, que cuida do material há 22 anos, passando cera, controlando a umidade e envolvendo equipamentos em plásticos. Uma seguradora faz vistoria de seis em seis meses em nome dos fabricantes, e um relatório é apresentado.
Com as freqüentes visitas da imprensa após a aprovação da construção de Angra 3, Miglioni desembrulha pela centésima vez os equipamentos. "Vou sentir saudade, mas tomara que desta vez a gente esteja desembrulhando de vez", afirma.
É provável que, depois de montada a usina, o funcionário tenha poucas chances de ver de novo o equipamento. O acesso a qualquer edifício é extremamente controlado, e a visita pode ser até mesmo frustrante.
Salas e mais salas de equipamentos ficam inteiramente vazias durante a operação da usina de Angra. O centro nervoso é a sala de controle, onde são tomadas decisões comparáveis às de um piloto na cabine do avião, de acordo com um dos funcionários.
O imaginário comum de pessoas com roupas de cor laranja trabalhando em meio a elementos brilhantes ocorre apenas em áreas de acesso bastante restrito, próximas ao reator.
(JL)

Município quer contrapartidas para compensar impacto ambiental e social

Da enviada especial a Angra dos Reis

Depois de 25 anos de convivência com uma central nuclear, os moradores de Angra (RJ) estão mais dispostos a exigir contrapartidas do que a manifestar resistência em relação à construção de Angra 3.
O prefeito da cidade, Fernando Jordão (PMDB), já manifestou publicamente o apoio ao empreendimento, mas quer apresentar a fatura do crescimento populacional de Angra motivado em parte pelo fluxo migratório no período de obras de construção de Angra 1 e 2.
Estimativas da Eletronuclear indicam que no pico das obras até 9.000 pessoas poderão trabalhar na construção de Angra 3. Além disso, operação da usina requer mão-de-obra especializada, com geração de cerca de 400 vagas. Para o prefeito, o governo federal tem uma dívida social com o município. Ele quer também cobrar do Ibama que a contrapartida ambiental equivalente a 2% do valor da obra seja aplicada na região.
Para o pescador Claudemiro Raimundo Cipriano, 67, pouca coisa mudou com a chegada da usina. "O perigo está em todo lugar. Acho bom ter Angra 3. Pelo menos vai trazer mais emprego. Mas a gente não precisava ter que pagar uma luz tão cara com a usina aqui do lado."
O vereador Odir Duarte, fundador da Associação dos Movimentos Ambientalistas de Angra dos Reis, afirma que mais uma vez o governo está "enfiando goela abaixo" da população uma nova usina. Além do impacto ambiental, ele cobra a construção de um ginásio e o pagamento do IPTU da usina.
Duarte afirma ter reunido mais de 4.000 assinaturas de pessoas contrárias à criação de outro depósito de lixo. Segundo ele, na Espanha paga-se até US$ 4 milhões por ano para abrigar rejeitos radioativos, enquanto em Angra estima que o município só receba R$ 60 mil.

FSP, 02/07/2007, Dinheiro, p. B4

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