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Livro apresenta a cultura nambiquara para os jovens

Gazeta de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Luiz Fernando Vieira
22 de Ago de 2005

Ricamente ilustrado, ele aborda a história dos artefatos produzidos por este povo que vive no cerrado mato-grossense

Anna e a filha Loyuá fizeram o livro para mostrar às crianças a cultura nambiquara: "nós temos vizinhos que vivem de uma maneira muito particular"

Existe um povo indígena que vive em Mato Grosso cujos artefatos produzidos transcendem o aspecto utilitário, seja ele qual for, para revelar sua história e forma de encarar a vida: os nambiquara. Essa característica é revelada pela historiadora Anna Ribeiro da Costa em seu livro Hatisu Nambiquara - Lembranças que Viraram Histórias (Tanta Tinta Editora), feito praticamente a quatro mãos com a ajuda da filha Loyuá Costa. Além de fazer os desenhos que ilustram o livro, ela ajudou a mãe a adequar o texto para seu público alvo: crianças e jovens.

Anna explica que a idéia do livro é bastante antiga. Na realidade, sempre quis escrever algo direcionado às crianças. Conta que, inclusive como professora prefere estar em sala de aula com crianças, porque percebe nelas uma curiosidade bastante aguçada. E isso leva a um maior questionamento, o que "alimenta" o professor, analisa.

Muito envolvida com a questão indígena, em especial a dos nambiquara, Anna pensou que seria interessante mostrar para elas quem é esse povo. "Eles precisam saber que nós temos vizinhos, vamos dizer, que vivem de uma maneira muito particular, muito diferente". Achava que os não-índios tinham muita coisa para aprender com os nambiquara, assim como os índios também têm muitas coisas que precisam aprender conosco.

A historiadora havia feito um trabalho de campo, com os índios, período em que morou com eles entre 1982 e 1988, especificamente com os grupos nambiquara que moram na Chapada dos Parecis. Fez um levantamento do que eles produziam, de seus artefatos. Para sua surpresa, catalogou quase cem peças, entre cerâmicas, trançados, armas, instrumentos musicais, colares (adornos em geral). Levantou até mesmo as peças que estavam em desuso em seu cotidiano e que eles fizeram só para a pesquisadora conhecer.

Foi um trabalho que levou anos para ficar pronto, onde analisou o papel de cada uma no dia-a-dia dos índios, suas características e a história. Anna percebeu que, com o que eles contaram, era possível ter uma ampla visão da própria sociedade nambiquara partindo dos próprios artefatos.

O livro que traria essas constatações ficou muitos anos engavetado e somente depois de seu Senhores da Memória, da coleção Tibanaré (Cathedral publicações) começou a tomar forma. Mas não como havia planeja de início. Anna queria colocar todas as cem peças na obra, com os desenhos que fez delas em nanquim. Porém, houve um corte muito grande no projeto apresentado através da lei estadual e incentivo à cultura, que acabou sendo benéfico. "Pensei: não, vamos transformar o Hatisu numa história para criança e vamos selecionar algumas peças e torná-lo colorido. Daí nasceu essa versão infanto-juvenil da pesquisa", explica.

Anna contou com a ajuda da filha Loyuá. Como era um livro para o público infanto juvenil, a historiadora acreditou que ela indicaria melhor os instrumentos. "Foi a primeira tarefa dela, depois foi na própria escolha da peça que a gente mais gosta, que é o hatisu".

O cesto, trançado com lasca de taboca, é um trabalho masculino. Carrega os bens pessoais de uma pessoa, serve para colocar o caldeirão dentro dele, a caça, a pesca, a lenha. "É um artefato muito presente na aldeia, e esse foi um dos motivos da escolha", frisa.

Elas também escolheram o hatisu porque ele tem uma simbologia muito interessante. Os nambiquara têm uma espécie de lema: só podem ter de bens materiais o que couber dentro do cesto. A riqueza está em outras coisas.

Como houve a mudança de público alvo, Anna resolveu explorar a questão das cores e aproveitou a já consistente experiência de Loyuá para isso. A garota de 15 anos já tem na prática o desenho. Ela já ilustrou uma cartilha do que o governo destinou às populações indígenas. O resultado foi uma obra que, além de instrutiva, é muito agradável de olhar.

As autoras - Anna Maria é graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com especialização e mestrado na mesma área pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente, é doutoranda em História na Universidade Federal de Pernambuco e professora no Univag. Como professora, trabalhou com os grupos nambiquara do cerrado de 1982 a 1988. Na Fundação Nacional do Índio, em Cuiabá, trabalha em pesquisas etno-histórica e no inventário do conjunto documental da instituição. Entre os estudos mais recentes sobre os nambiquara encontram-se Senhores da Memória: uma história do Nambiquara do cerrado (2002); Eutímio Kithaulhu: um fragmento da trajetória biográfica de um nambiquara da Chapada dos Parecis (2002) e Os índios nambiquara do cerrado: trabalho, aprendizagem e saber (2004).

Loyuá tem 14 anos e aos cinco, junto com seu irmão, Theo Eduardo, ilustrou a capa da cartilha Programa de Apoio Direto às Iniciativas Comunitárias (Padic), destinada aos povos indígenas interessados em elaborar projetos para melhorar a qualidade de vida. Desde 2000, como assistente de pesquisa, acompanha sua mãe durante os trabalhos de campo realizados junto aos nambiquara, fotografando e coletando informações.

Serviço - O livro Hatisu Nambiquara - Lembranças que Viraram Histórias será lançado hoje, às 17 horas, na sala de estudos e pesquisas da cultura indígena do Palácio da Instrução (ao lado da Matriz). A entrada é franca.

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