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Limpeza tambem no Incra

O Globo, O Pais, p.3
08 de Dez de 2004

Limpeza também no Incra
Ismael Machado
Belém e Fortaleza
A Polícia Federal prendeu ontem o superintendente do Incra no Pará, José Roberto de Oliveira Faro, outros oito funcionários do instituto e mais nove pessoas, todos acusados de integrar uma quadrilha de grilagem de terra que atuava no oeste do estado. O esquema envolvia um ex-servidor do Ministério Público Federal, advogados e empresários. O grupo teria facilitado a liberação de documentos para a concessão de terras da União. Ao todo, 500 mil hectares — área quase igual à do Distrito Federal — foram negociados fraudulentamente, segundo a PF.
Batizada de Faroeste — referência ao nome do superintendente do Incra e à região do Pará onde a maior parte das fraudes foi realizada — foi mais uma operação da PF que atingiu servidores. Já foram desmontados esquemas de corrupção que funcionavam no Ministério da Saúde (Operação Vampiro), no Tribunal de Contas da União (Sentinela), no Judiciário (Anaconda), no INSS, na Receita e em estados como a Rondônia, Roraima e Amapá.
Dos 18 presos ontem, 12 foram detidos em Santarém (PA), três em Belém, dois em Manaus e um em Fortaleza. O superintendente de Gestão do Incra, Marcelo Rocha, acompanhou a operação em Belém e exonerou Faro e os demais funcionários envolvidos no esquema. Foi determinada a intervenção na superintendência, que passa a ser gerenciada pelo diretor nacional do Incra, Roberto Fiel.
A prisão foi decretada em Santarém pelo juiz federal Fabiano Verli. A PF ainda procura outros três acusados, também servidores do Incra. Os presos vão responder pelos crimes de formação de quadrilha, grilagem de terra, crime contra a ordem tributária e corrupção ativa e passiva.
Propina teria sido de R$ 300 mil
Os acusados foram transferidos para Santarém, onde funcionava a base de operações da quadrilha. Há um ano o esquema era investigado pela Polícia Federal. Faro é acusado de receber R$ 300 mil de propina para liberação de títulos de terra da União. Ele foi preso de manhã num hotel de Manaus, onde participaria de um encontro de superintendentes do Incra.
— Existiam intermediários entre ele e os beneficiários do esquema, mas é praticamente certa a participação dele no esquema — disse o delegado da Polícia Federal em Belém, José Salles.
Em Santarém, a Polícia Federal prendeu o empresário Clóvis Casagrande, acusado de ser o principal financiador do esquema que fraudava terras públicas e um dos grandes incentivadores do avanço da soja na região oeste do Pará. Também será indiciado o ex-funcionário do Ministério Público Federal Edilson José Moura Senna, suspeito de receber propina de plantadores de grãos para facilitar a grilagem. Em agosto de 2004 ele foi o primeiro funcionário da história do Ministério Público Federal no Pará a ser demitido do serviço público, depois de processo disciplinar que apontou improbidade administrativa e outros crimes.
Dois funcionários do Incra presos — Pedro Paulo Pelluso e Osmando Figueiredo — eram cotados para futuros secretários na administração da prefeita eleita de Santarém, Maria do Carmo, do PT.
Os primeiros presos foram o funcionário do setor de cartografia do Incra de Belém Angelo de Souza Marques e a filha dele, Andreza Acácia Martins Marques. Em Fortaleza, foi preso o empresário paraense Moacir Ciesca, do ramo de madeiras.
Segundo a PF, o bando agia em diversas frentes. O primeiro passo era identificar as áreas. Então entravam em cena intermediários que fraudavam informações a respeito dessas áreas, com a conivência de funcionários do Incra. Toda a documentação era fornecida por servidores, que aceleravam a liberação de documentos de terras que pertenciam à União.
Faro comandou atos de sem-terra
José Roberto Faro foi presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) no Pará. Antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele era mais conhecido como Beto da Fetagri”, um intransigente defensor da reforma agrária e organizador de diversas manifestações feitas por agricultores pela posse da terra no Pará.
Em 1999, por exemplo, Faro comandou cerca de três mil pessoas, na maioria pequenos agricultores, no bloqueio da rodovia PA-252, na bifurcação com a PA-140, em Concórdia do Pará, a cerca de 140 quilômetros de Belém. Na ocasião, Faro ameaçava marchar até Belém para protestar contra o que considerava descaso do governo e suspeitas de irregularidades em órgãos como o Incra na liberação de terras.
A nomeação de Faro para a Superintendência do Incra foi comemorada pelas entidades ligadas aos trabalhadores rurais. Seria a primeira vez no Pará que o órgão passaria a ser comandado por alguém saído diretamente de movimentos de briga pela terra.
Superintendente foi alvo de críticas e manifestações
O encanto durou pouco. Apesar de afirmar que em 2003 já haviam sido assentadas 3.842 famílias — das quais 135 eram do MST — e que a meta para este ano seria de assentar 6.400 famílias, Faro teve que enfrentar diversas manifestações dos agricultores sem-terra, que o acusavam de descaso. A principal manifestação foi a interdição de estradas e a intensificação das marchas de trabalhadores rurais há menos de dois meses em Belém e em outros municípios paraenses.
Acuado pela acusação de fraude, Faro constrangeu velhos companheiros de movimento social. As assessorias do superintendente do Ibama no Pará, Marcílio Monteiro, e do presidente do PT no Pará, Paulo Rocha, informaram que não há muito o que comentar” em relação ao assunto.
Os funcionários do Incra comandados por Faro e que foram presos identificavam, segundo a PF, as áreas devolutas da União e obtinham documentos fraudulentos dando posse dessas áreas para particulares. Os empresários participavam como financiadores e beneficiários do esquema. Essas terras passavam então às mãos dos plantadores de grãos, a preços muito abaixo dos de mercado e em áreas privilegiadas. Faro recebia a propina pela transação ilegal e repassava para os demais funcionários da superintendência, segundo a PF.
Cresce número de invasões de terras
Depois do recuo no período eleitoral, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) retomou as invasões em novembro, mas num ritmo mais lento se comparado a outros meses. Relatório da Ouvidoria Agrária divulgado ontem revela que ocorreram 27 ocupações no mês passado. Foi o maior volume desde maio, quando foram invadidas 48 propriedades rurais. Das 27 ocupações de novembro, o MST foi responsável por 19.
A ouvidoria registrou 316 invasões de janeiro a novembro. É o quinto maior registro anual desde 1995, quando o governo federal passou a contabilizar essas ações. Esse total já é 50% superior às 209 invasões ocorridas em 2003, no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em outubro, mês eleitoral, ocorreu o menor registro de invasões de terra neste ano. Foram apenas sete. À época, o MST alegou que, em época de campanha, até mesmo o ritmo das invasões de terra é menor.
Nos primeiros onze meses de 2004, a Ouvidoria registrou 16 mortes decorrentes de conflitos agrários. Desse total, cinco ocorreram em Minas no mês passado, durante uma ação de um fazendeiro contra um acampamento do MST, em Felisburgo. Em 2003, ocorreram 42 assassinatos no campo, contra 20 em 2002.
O relatório revela ainda que há oscilações nas ocupações de terra ao longo dos anos. Mas os piores índices foram registrados no primeiro mandato Fernando Henrique: 397 invasões, em 1996; 455 em 1997; 446 em 1998 e 502 ocupações em 1999. As 316 invasões registradas em 2004 são o quinto maior volume de invasões ocorridas nos últimos nove anos.

Rossetto evita comentar e solta nota anunciando exoneração de envolvidos
Em nota divulgada ontem, o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou a exoneração do superintendente do Incra no Pará, José Roberto Faro, e o afastamento dos outros servidores da autarquia acusados de envolvimento no esquema de grilagem de terra no Pará. O Incra abriu inquérito administrativo contra os envolvidos que fazem parte do quadro da instituição e determinou a intervenção na superintendência.
Na nota, o ministério afirma que a ação da Polícia Federal dá seqüência a um conjunto de medidas do governo federal. O ministério e o Incra continuam a coibir todas as irregularidades para deter a ocupação desordenada da Amazônia Legal”, diz a nota.
Faro foi indicado para o cargo por movimentos sociais. Ele foi ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e presidiu a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetagri) no Pará, entidade vinculada à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, não quis dar entrevistas. O presidente interino do Incra, Roberto Kiel, disse que o processo de escolhas dos superintendentes do Incra nos estados não foi unificado.
— Em cada região foram mobilizadas forças políticas que indicaram os superintendentes. Cada nome indicado passou por uma rigorosa pesquisa de segurança no governo — disse Kiel.
O dirigente do Incra disse que ficou surpreso com o envolvimento de servidores do instituto no escândalo. Kiel classificou de grande infelicidade” a participação de tantos funcionários da autarquia. Ele negou que movimentos sociais como MST e entidades como a Contag tenham indicado dirigentes para o Incra. Mas vários superintendentes foram indicados pelas direções dos movimentos e houve até disputa nos estados.
Produtores acham que governo está contra eles
Em Minas, a Federação da Agricultura de Minas Gerais (Faemg) divulgou pesquisa informando que quase 60% dos produtores mineiros entendem que o governo está mal intencionado, age contra o grupo e em favor dos invasores. Para o presidente da Faemg, Gilman Viana, algumas ações do governo motivam esta queixa do setor, como, por exemplo, dar dinheiro às cooperativas do MST.
— Os assentados nos acampamentos do MST são obrigados a repassar parte do que recebem do governo federal para investir nos assentamentos para o MST, isto é ilegal, por se tratar de dinheiro público — disse Gilman Viana.
Além disto, 87,86% dos produtores entrevistados consideram que o governo é tolerante e estimula os invasores e acreditam que os conflitos de terra vão aumentar e provocar a radicalização nos dois lados.

Incra foi loteado
No governo Lula, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi ocupado nos estados por pessoas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), à Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e à Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em março de 2003, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, havia nomeado 19 dos 29 superintendentes do Incra. Dos nomes escolhidos, muitos tinham ligações históricas com o MST, a CPT e a Contag. João Farias de Paula (PE) e Raimundo Pires da Silva (SP) eram considerados quadros do MST. Outros como Celso Lacerda (PA) e Padre Ladislau da Silva (PI) são da CPT. O principal dirigente do MST, João Pedro Stédile, havia indicado o superintendente do Incra no Rio Grande do Sul, César Aldrighi. Rossetto também nomeou como presidente do Incra o geógrafo Marcelo Resende, que teve sua indicação para o cargo atribuída ao MST. Em setembro de 2003, Resende foi substituído por Rolf Hackbart, que recentemente criticou o agronegócio.

O Globo, 08/12/2004, p.3-4

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