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Líderes insistem em supergasoduto

OESP, Economia, p. B1, B3
27 de Abr de 2006

Líderes insistem em supergasoduto
Presidentes de Brasil, Argentina e Venezuela consideram projeto 'fundamental e prioritário'. E convidam a Bolívia

Ana Paula Scinocca

Numa semana que começou com forte tensão entre os países da região, os governos do Brasil, da Argentina e da Venezuela reafirmaram ontem, depois de mais de três horas de reunião, disposição em levar adiante o supergasoduto, que prevê ligar as reservas venezuelanas até a Argentina. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, porém, reconheceu que a participação da Bolívia - que vem se posicionando contrária ao projeto - é "fundamental e prioritária". "A incorporação da Bolívia é superimportante e prioritária. Juntas, as reservas da Venezuela e da Bolívia (a segunda maior reserva de gás da América do Sul, atrás apenas da Venezuela) tornam o projeto sustentável", afirmou Chávez, após encontro, em São Paulo, com os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner.
O assessor especial do Planalto para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, afirmou que a Bolívia será convidada pelo Brasil a participar do projeto. "O projeto é consistente e justifica os investimentos previstos." Os recursos estimados para a criação do supergasoduto giram em torno de US$ 25 bilhões. A construção pode demorar seis anos.
Segundo Garcia, os investimentos seriam divididos entre os países e, pela viabilidade e resultados previstos para curto e médio prazo, a obra deverá atrair também organismos internacionais de financiamento.
Chávez seguiu a mesma linha de Garcia ao enfatizar que já existem investidores privados, inclusive fora do continente, interessados em participar do empreendimento. "O investimento se pagará em pouco tempo. Creio que vão sobrar recursos", destacou.
O presidente venezuelano prometeu ofertar "gás muito barato", embora não tenha fixado o valor. "Se vendêssemos este gás para os Estados Unidos, poderíamos cobrar algo, como hoje está em US$ 11 a US$ 12 por btu, podendo chegar até US$ 15/btu. Esse preço de US$ 12/btu nunca chegará aqui no Brasil, apesar de ainda não termos fixado o preço."
Como justificativa, Chávez afirmou que a Venezuela está mais preocupada com o desenvolvimento econômico e social sul-americano do que com a parte financeira do projeto. "Se fosse só interesse financeiro, não estaríamos aqui (em São Paulo), mas em Washington. Se estivéssemos pensando na ganância econômica, estaríamos fazendo acordo com os Estados Unidos", alfinetou.
Segundo Chávez, as reservas de gás natural comprovadas em seu país chegam a 150 trilhões de metros cúbicos.
Dos três presidentes, apenas o venezuelano falou com a imprensa. Enquanto Chávez, Lula e Kirchner ainda estavam reunidos, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, insistiu que o supergasoduto "é viável". O chanceler brasileiro informou que os presidentes acordaram que o cronograma sofrerá um pequeno atraso e a conclusão das discussões técnicas, prevista para julho, deverá ocorrer em agosto. Após a conclusão dos estudos de viabilidade do projeto, afirmou o chanceler, o Brasil deverá sediar, em setembro, um grande encontro de todos os países da América do Sul para discutir o projeto.
Chávez também confirmou o desligamento da Venezuela da Comunidade Andina de Nações (CAN). Segundo ele, o processo é como "um divórcio". "As duas figuras são incompatíveis. Ou se está em um (CAN) ou no outro (Tratado de Livre Comércio assinado por Peru e Colômbia com os Estados Unidos). É como água e azeite." A Bolívia, que expulsou a siderúrgica brasileira EBX do país e anunciou a nacionalização da produção de petróleo, atingindo diretamente a Petrobrás, também ameaça deixar a CAN.

'Projeto de Chávez é maluquice'
Ministro boliviano diz que gasoduto 'não tem pé nem cabeça' por causa da extensão e das dificuldades técnicas

O vice-ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Julio Gómez, disse ser uma "maluquice" o gasoduto gigante que o governo da Venezuela pretende construir para abastecer Brasil e Argentina. Gómez falou ontem a um programa de rádio. Disse que o projeto "não tem pé nem cabeça" porque implica manter conexões de extensão continental - cerca de 9.200 quilômetros -, atravessando inclusive a região amazônica. As declarações de Gómez foram feitas ao mesmo tempo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, reunido em São Paulo com seus colegas do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, dizia que a participação da Bolívia no projeto era fundamental. Mas Gómez assegurou que a Bolívia, "como um dos principais produtores de gás do continente, não deixará de participar de projetos energéticos regionais". Acrescentou que a incorporação do país ao projeto já foi analisada durante encontro com os presidentes da Venezuela, do Paraguai e do Uruguai, realizado em Assunção, no dia 19. Nessa oportunidade, disse, foi analisado um plano e integração energética entre os países. "A Bolívia continua sendo a principal ligação gasífera na região, porque o projeto da Venezuela só poderia ser concretizado em, no mínimo, 10 anos. Isso, se não houver oposição de grupos ambientalistas." A versão brasileira de que a Venezuela venderia gás ao preço de US$ 1 por mil pés cúbicos também foi recebida com estranheza. "Trata-se de um projeto de longa maturação, mas oferecer preços de US$ 1 por mil pés cúbicos para um gasoduto que custará mais de US$ 20 bilhões é uma loucura que nem a PDVSA (a estatal venezuelana do petróleo) e nem a própria Venezuela permitiriam." Segundo Gómez, essa versão foi divulgada pela Petrobrás, no momento em que a Bolívia comunicou ao Brasil um aumento no preço do combustível, atualmente na faixa de US$ 3,24 por mil pés cúbicos. O vice-ministro anunciou ainda que o presidente Evo Morales falará sobre a participação boliviana em projetos energéticos regionais nos próximos dias, quando será divulgado o decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos. A Bolívia tem a segunda reserva de gás do continente, depois da Venezuela, e tem Brasil e Argentina como os únicos mercados.

OESP, 27/04/2006, Economia, p. B1, B3

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