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Lideres indigenas vao a Lula para protestar contra o governo

JB, Pais, p.A2
11 de Mai de 2004

Líderes indígenas vão a Lula para protestar contra o governo
Manifesto lido para o presidente revela retrocesso na regularização das terras
Romoaldo de Souza
BRASÍLIA - Ao pôr na cabeça um cocar do povo xavante, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ignorou ontem uma tradicional superstição de que políticos não devem usar cocar porque traz má sorte. No primeiro momento, no entanto, o azar ficou para os índios. A comitiva representando 25 etnias saiu do Palácio do Planalto ''de mãos abanando'', conforme a expressão do cacique Marquinhos Xurucu.
Luiz recebeu uma pauta com reivindicações que vão desde a homologação em área contínua da Terra Raposa Serra do Sol, em Roraima, até a simples extinção da Funai, o principal órgão do governo encarregado de cuidar das questões indígenas.
O encontro também foi marcado por protestos. Na avaliação do diretor da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia, Jecinaldo Satere-Mauwe, a eleição de Lula foi ''um marco de esperança'', mas até hoje os índios têm assistido a um ''desrespeito aos seus direitos''.
- Houve retrocesso nas regularizações das terras, a saúde dos índios é uma calamidade e o cerco e as invasões às terras indígenas aumentaram. Como maior conseqüência, 31 índios foram assassinados no ano passado - protestou
Lula ouviu calado a leitura do manifesto dos índios.
- O presidente foi muito simpático, usou o cocar do parente Dourado Tapeba. Mas a verdade é que o governo não está sabendo lidar com a gente - disse o cacique Marquinhos Xurucu, que teve o pai, Chicão, assassinado em 1998.
Os índios pediram urgência para a homologação da Raposa Serra do Sol, em área contínua. O decreto, assinado em 1998, estipula a cessão de 1,7 milhão de hectares para 12 mil índios, de várias etnias, mas o governo alega ''questões jurídicas'' para justificar a demora.
Segundo o presidente da Funai, Mércio Gomes, como a liminar concedida pelo juiz federal Helder Girão, da 1ª Vara Federal de Roraima, suspendeu os efeitos da demarcação, ''não cabe ao presidente Lula enfrentar o Judiciário'', neste momento.
- A liminar exclui da homologação as estradas, a cidade de Uiramutã, as vilas e algumas áreas produtivas. Isso inviabiliza a ação do governo. Como é uma decisão judicial, o Executivo vai aguardar o julgamento do mérito - disse Gomes.
A explicação deixou Satere-Mauwe decepcionado.
- Isso mostra que não querem enfrentar o problema. Entra governo, sai governo e a resposta é sempre a mesma. Só promessa.
A assessoria do presidente Lula distribuiu uma nota, afirmando que ''o diálogo cotidiano na Funai e no Ministério da Justiça proporcionou grandes avanços''. A nota diz, ainda, que ''as questões apresentadas pelos dirigentes serão examinadas pelos vários ministérios''.
Planalto Barra a Cacique
Índia não tinha CPF

BRASÍLIA - Valdelice Tupinambá, uma das raras mulheres caciques do país, não conseguiu dormir de sábado para domingo, de tão ''ansiosa para abraçar o presidente''. Viajou três léguas (18km) a pé de sua aldeia até Olivença, a cidade mais próxima, no Extremo Sul da Bahia. Lá, embarcou num Gol, modelo 81, e suportou, durante 23 horas, ''a estrada cheia de buracos'' dos 1.366km até Brasília.
Ontem, Valdelice acordou bem cedo. Vestiu uma tanga nova de embira e uma blusa de linha, feita à mão ''especialmente pra ver Lula de perto''. Pendurou colares de semente de ''tim-tim'', de fruta de santa-maria, e de bambu, misturando cuidadosamente vermelho, branco e preto.
Pôs na cabeça um cocar preto e branco, de penas de gavião. Pintou os braços de urucum e jenipapo e fez as unhas com esmalte ''de mulher branca''.
Debaixo do braço, a cacique trazia uma surrada câmara fotográfica e um presente para o presidente: um colar de sementes de bambu. Era aniversário da cacique, que comemorava 36 anos, mas Lula é quem ganharia a lembrança.
O sonho de Valdelice não se realizou: ela foi barrada na porta do Palácio do Planalto.
- Disseram que a caravana não tinha fornecido o número do meu CPF. Vou pra aldeia sem levar a foto ao lado de Lula e sem dar o presente que fiz com tanto carinho - lamentou a cacique. (R.S.)

JB, 11/05/2004, p. A2

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