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Lideranças do Amazonas rejeitam modelo de administração da saúde indígena

Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas - http://www.aleam.gov.br/
06 de Out de 2011

A rejeição do modelo de administração terceirizada para gerir a saúde indígena foi tema do pronunciamento realizado nesta quarta-feira (5) pelo deputado estadual Sidney Leite (DEM). O parlamentar divulgou na tribuna da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM) os relatos das lideranças que participaram da audiência pública sobre saúde indígena, da última terça-feira (4).

Lideranças indígenas do Amazonas estão insatisfeitas com o modelo de gestão implementado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada em outubro de 2010 pelo Governo Federal e com sede em Brasília.

Segundo representantes das etnias Marubo, Miranha, Kambeba, Tukano e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a contratação de Organizações Não Governamentais (Ongs) para gerir a saúde, que já era praticada quando a administração da área estava sob a responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), favorece o desvio de recursos destinados ao setor.

Relatos apontam que as Ongs contratadas pela Funasa cooptavam indígenas, que acabavam envolvidos em desvio de combustíveis, alimentos e outros recursos. "A saúde indígena está na UTI. A representante da Sesai em Manaus admitiu que atualmente não há médicos nas aldeias nem uma política de fornecimento de remédios para áreas indígenas. A Sesai está sendo irresponsável ao reproduzir o modelo de contratação de Ongs, que já não dava certo. Enquanto isso, 90% dos índios do Vale do Javari estão com hepatite B ou C e muitos estão com o vírus HIV", denunciou Sidney Leite, membro da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Assuntos Indígenas da ALEAM.

Na opinião do antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, que participou da audiência, a omissão do governo brasileiro quanto à saúde dos índios, acelera o processo de morte desses povos, contribuindo para que seja feita uma limpeza étnica no território nacional. "O genocídio é, na verdade, um crime histórico, devendo o Brasil, por meio de seus governantes, ser julgado no Fórum das Nações", destacou.

Para Darci Marubo, uma das lideranças do Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, "a contratação de Ongs é um absurdo". Ele conta que as Ongs contratadas pela Funasa nos últimos anos cooptavam indígenas da região, que acabavam entrando em esquemas de desvio de combustíveis, alimentos e outros recursos.

Outro problema, segundo Darci, é a contratação de médicos, enfermeiros e técnicos que não conhecem a realidade e a cultura dos povos indígenas. "Precisamos de profissionais comprometidos, que cuidem da gente e não façam só a remoção de mortos e doentes, mas façam a prevenção. Pensávamos que, com a Sesai, as coisas iriam melhorar, mas as mesmas pessoas continuam na administração. São funcionários do Ministério que não vão sair do cargo porque já sabem manobrar direitinho o Governo Federal. Eles fazem de tudo para se livrar dos índios", afirmou.

A seleção das entidades privadas que vão executar ações complementares de atenção à saúde indígena no Amazonas foi divulgada pelo Ministério da Saúde no fim de setembro. As duas organizações que passaram nos critérios para atuar no Estado foram a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), sediada em São Paulo, que atenderá aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) do Alto Rio Juruá e do Alto Rio Purus, e a Missão Evangélica Caiuá, com sede em Dourados (Mato Grosso do Sul). A Missão Caiuá será responsável pelo Vale do Javari, Alto Rio Negro, Alto Solimões, Médio Solimões, Manaus, Médio Purus, Parintins e Dsei Yanomami - AM/RR.

As entidades terão que apresentar plano de trabalho para atuar no Dsei escolhido no ato da inscrição. O plano deverá detalhar ações para atenção integral à saúde da mulher indígena, da criança e do adolescente, saúde bucal, apoio ao funcionamento das Casas de Saúde do Índio (Casais) e outros campos de atuação.

Segundo dados do Ministério da Saúde, existem 4,9 mil índios de sete etnias que habitam 105 aldeias no Vale do Javari, sendo a etnia Marubo a mais populosa (24,7% da população total). No entanto, Darci Marubo questiona a previsão de escassa contratação de profissionais de saúde para a região. "Serão contratados dois médicos, 33 técnicos de enfermagem e três enfermeiros para o Dsei do Vale do Javari, que tem 8 milhões de hectares", lamentou.

Falta de gestão é consenso entre etnias

Para o presidente da Organização Indígena de Responsabilidade Sustentável da Amazônia, Jair Miranha (município de Uarini), a gestão feita por Ongs não é a melhor alternativa porque já resultou em corrupção. "Está faltando administração na saúde indígena", disse.

Já a coordenadora do Instituto Centro de Referência de Apoio à Saúde Indígena em Manaus, Mara Kambeba, é contrária à contratação de profissionais que não possuem qualificação para atender às especificidades das populações. "Temos odontólogos, enfermeiros e técnicos de enfermagem nas bases, que conhecem a realidade do povo indígena. Por que não contratá-los? Ficamos gastando com a capacitação de profissionais sem compromisso. É dinheiro entrando pelo ralo", frisou.

O coordenador da Coiab, Marcos Apurinã, afirmou que as decisões da Sesai estão frustrando a expectativa que havia sido criada pelas lideranças, durante o processo de construção da secretaria. "Pensávamos que a nossa cultura iria prevalecer. Não imaginávamos que as decisões seriam tomadas de cima para baixo. Estamos indignados com essa gestão que mal começou".

Ele criticou ainda a ausência do titular da Sesai, Antônio Alves de Souza, que não compareceu à audiência pública. "Essa transição entre a Funasa e a Sesai vai completar um ano e não termina. Será que cada um está querendo pegar sua canoa e remar sozinho?", questionou.

Grupo de Trabalho

Como resultado da audiência pública promovida na ALEAM, os parlamentares, lideranças indígenas e instituições convidadas para o debate formaram um Grupo de Trabalho (GT), que será coordenado pela Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind), para adotar ações imediatas neste processo de transição e discutir diretrizes estratégicas para um novo modelo de gestão da saúde indígena no Estado.

De acordo com Sidney Leite, o GT será formado pela Secretaria de Estado da Saúde (Susam), Funasa, Sesai, Fundação Nacional do Índio (Funai), Comissões de Saúde e de Direitos Humanos da ALEAM, universidades e lideranças indígenas. "Precisamos ampliar a discussão porque as dificuldades não estão restritas à assistência à saúde. Há falta de peixe em alguns rios, há consumo de drogas lícitas e ilícitas nas aldeias e aumento da violência", explicou o parlamentar.

http://www.aleam.gov.br/ANMateria.asp?id=7578

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