VOLTAR

líder da aldeia Jaraguá do Alto

www.nominimo.com.br
25 de Jan de 2004

Esse tipo de contato com a cidade normalmente se restringe ao transporte, a pequenas compras e à venda de artesanato, cada vez mais decadente. "Acho que com tanto tempo de contato, as pessoas já perderam a curiosidade pela nossa cultura", lamenta Alízio Tupã Mirin, do Jaraguá. Sem terra para plantar nem brancos interessados em artesanato, os índios vivem do pouco que plantam, da ajuda de programas sociais, de doações e presentes. Empregos no mundo juruá (branco) são ainda mais difíceis para eles. Todos os guaranis paulistanos têm uma história de discriminação para contar. "Para índio ninguém dá emprego, dizem que índio é preguiçoso", diz Moacir Venício, 44, filho de Jandira e diretor da escola indígena do Jaraguá. "Para nós, tem que comer quando tem fome, não na hora que está marcada pelo chefe. Ninguém respeita nosso jeito de ser", afirma.

Um povo implícito

O sotaque da maioria deles - só 10% dos homens e 5% por cento das mulheres falam português fluente - reforça o preconceito. "Muita gente acha que eu sou boliviano", afirma Sebastião, que, conforme a tradição do seu povo, está de mudança para o Paraná. Há quem diga que a visão de um índio em São Paulo chega a provocar medo. "Uma vez, um velho me viu na praça da Sé e fez o sinal-da-cruz", conta Timóteo Verá. "Com as guaranis mais velhas, então, isso é muito comum."

Por causa disso, os guaranis se acostumaram durante séculos a disfarçar sua condição o quanto fosse possível. Vestiram roupas, aprenderam o português e guardaram para si os costumes religiosos. "Até 1997, ninguém aqui na Barragem receberia um jornalista", diz Timóteo. "Como cacique, decidi divulgar nossa cultura, mostrar que a gente existe. O sertanista [Orlando] Villas-Bôas dizia que nós somos um povo que renasceu das cinzas, mas nós nunca acabamos, nos escondemos."

Para provar que essa cultura existe, os guaranis de todo o Estado (22 aldeias) lançaram em 1999 um disco de cantores-mirins. O segundo volume está previsto para abril. O cacique Timóteo também planeja criar um centro turístico, com atrações como caminhadas por trilhas, exibições de arco e flecha e narração de lendas. Esse contato com os brancos não assusta os guaranis.

"Há pelo menos 150 anos os guaranis fazem a ponte entre as duas culturas", diz Antonio Carlos Karaí Mirin, 40 anos, um filho de mãe guarani e pai puri (uma nação de Minas Gerais). Ele fala com conhecimento de causa: mantém uma ONG dedicada à cultura indígena e é professor de história em uma escola estadual no Jardim Mirna, zona sul da cidade, onde já enfrentou reclamações de pais brancos por ensinar a versão "errada" sobre a colonização. Karaí Mirin cria suas próprias apostilas e às vezes leva os textos preparados para índios. "Há alunos que não querem aprender a história indígena, mas já ficou provado que 86 por cento da população tem o DNA-mãe indígena", ensina. "O índio de Rousseau, o bom selvagem, caiu por terra. Se hoje você vê índio bêbado ou mendigando, a culpa é da conquista."

Transitar entre os textos de Rousseau e as orações na casa de rezas da aldeia do Jaraguá, como faz Karaí Mirin, é um exemplo das características que, segundo a antropóloga Maria Inês, permitiram a sobrevivência da cultura guarani: discrição, tolerância e diplomacia com outras culturas. Foi isso que a fez encontrar seu objeto de estudo tão perto da sua casa, e não depois de extenuantes viagens pela Amazônia ou o Xingu, como tantos colegas seus. "O guarani é um povo implícito, e eu acho o implícito mais belo."

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.