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A lição da civilização maia

O Globo, Ciência, p. 30
24 de Fev de 2012

A lição da civilização maia
Mudanças climáticas destruíram império em seu apogeu; um alerta para atual aquecimento

Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br

Secas prolongadas por diversos anos, repetidas seguidas vezes por cerca de um século, empurraram a civilização maia para o colapso por volta do ano 940. A mudança climática teria relação com o fim ou enfraquecimento repentino das tempestades de verão, até então comuns na Península de Yucatán, no México, onde o império estabeleceu suas bases. A causa mortis daquela sociedade, um dos maiores mistérios da arqueologia das Américas, é tema de um estudo, publicado na edição de hoje da "Science". E seus autores alertam: os fenômenos naturais que provocaram a escassez de água àquela época podem se repetir nas próximas décadas.
Autor principal do estudo, Eelco Rohling acredita que o volume de chuvas, em 120 anos, teria sido reduzido em até 40%. Índice suficiente para secar os cenotes, poços naturais da península, além dos reservatórios criados pela civilização. Rohling, porém, ainda procura uma explicação para esta mudança súbita na pluviosidade.
O pesquisador quer comparar seus cálculos aos modelos traçados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que preveem novas estiagens para Yucatán, com o aumento das emissões de carbono para a atmosfera.
- Vamos pensar agora que fenômeno desencadeou as reduções das chuvas - anuncia Rohling, da Escola de Oceano e Ciências da Terra da Universidade de Southampton, no Reino Unido. - Como uma seca similar está prevista para a região, vamos estudar se este modelo climático pode ser aplicado à civilização maia, à época de seu colapso.
O solo de Yucatán é majoritariamente composto por pedra calcária, com muitas cavidades por onde escoa a água da chuva. Sobra pouco para a superfície, e o estoque montado pelo homem não deu vazão às estiagens que se arrastaram por anos. A população ficou mais suscetível a doenças. E, num contexto maior, houve grande pressão sobre as estruturas políticosociais do império, o que provavelmente resultou em conflitos.
A tensão relacionada à escassez de água gerou marcas já decifradas pelos cientistas. Do nascimento da civilização maia, por volta de 2 mil a.C., até sua morte definitiva, em 1519, em nenhum período foram construídas tantas estátuas de louvor a Chac, o deus da chuva, como nos 120 anos que provocaram o colapso da era clássica - alvo da maioria dos estudos, inclusive o da "Science".
- Os monumentos em homenagem a Chac, muito comuns principalmente durante o colapso, de 820 a 940, eram um apelo aos céus - explica Alexandre Navarro, doutor em Arqueologia pela Universidade Nacional Autônoma do México. - Como acreditava-se que o deus vivia nos poços, em muitos deles eram jogadas crianças vivas como oferendas.
Desmatamento agravou a seca
Os corpos encontrados no período do colapso também costumam ser menores, prova de que teriam passado fome. A convulsão social foi tamanha que as cidades pararam de deixar registros escritos - só retomados no período pós-clássico, iniciado por volta de 940, após estiagens e revoluções dizimarem milhares de pessoas.
- Temos uma visão irreal de que os índios não destroem o meio ambiente - alerta. - As cidades maias chegaram a atingir 100 mil habitantes, eram maiores que Londres à época, e a península tem um espaço limitado. Como não havia para onde crescer, cada vez mais árvores eram cortadas, algo que pode ter contribuído para os eventos climáticos extremos.
Segundo Navarro, o novo estudo da "Science" ressuscita uma vertente deixada de lado desde os anos 1950. Em meados do século passado, acreditava-se que o colapso da civilização maia devia-se a eventos ambientais, como tempestades e furacões. Nas décadas seguintes, porém, atribuiu-se a queda do império a guerras e disputas políticas entre governantes. Hoje, os arqueólogos reavaliam a teoria original.
Rohling e sua equipe estudaram sedimentos dos lagos maias, em busca de sementes. Quanto mais encontrassem, mais árvores haveria no entorno.
Os resultados foram irrisórios, prova de que o desmatamento estava em voga naquela civilização. Também analisaram isótopos na mesma localidade, e viram que sua composição química mudara, algo que só ocorre com temperaturas muito altas.
Além da maior demanda por água e do desmatamento, as cidades extremamente populosas também provocaram impactos na agricultura, já que os cultivos constantes não davam tempo para que o solo recuperasse seus nutrientes.
- O que aconteceria a uma sociedade moderna se sua disponibilidade de água fosse reduzida um terço e não houvesse o sistema atual de represamento? Creio que passaria pelos mesmos apuros - avalia Rohling. - Yucatán já registrara períodos de estiagem, mas não como neste período do colapso. Há muitos lugares do mundo em que a evaporação é alta como lá e há uma grande dependência das chuvas, como em volta do Mar Mediterrâneo.
Se as previsões do IPCC estiverem certas, então é necessário planejamento e ação para que evitem algo semelhante ao que ocorreu com os maias.

Outros grupos também sucumbiram ao clima
Superpopulação e erosão entre causas

Roberta Jansen
roberta.jansen@oglobo.com.br

Professor de geologia da Universidade da Califórnia, Los Angeles, Jared Diamond defende a tese de que não apenas os maias, mas também outros grupos, teriam no desequilíbrio ambiental a melhor explicação para o seu declínio. A ideia é desenvolvida no livro "Colapso" (ed. Record), em que o cientista detalha como desmatamento, crescimento populacional exagerado e exaustão de recursos naturais estariam por trás da derrocada de civilizações importantes.
Danos ambientais isoladamente, explicou, em entrevista ao GLOBO na época do lançamento, não necessariamente condenam uma comunidade ao fracasso.
Mas, ao lado de outros fatores, podem ser determinantes.
No caso específico dos maias - para os quais Diamond dedica um capítulo inteiro de seu livro - fatores ambientais conjugados teriam sido cruciais na derrocada da civilização, até hoje considerada um dos maiores mistérios da arqueologia. Segundo o cientista, nas primeiras secas prolongadas, as pessoas simplesmente se mudavam para regiões onde havia mais água disponível. Ocorre que houve um aumento exponencial da população - que teria chegado a dezenas de milhares e começou a se registrar uma escassez de recursos alimentares. Desmatamento e erosão de encostas também aumentaram por conta da ampliação cada vez maior do uso de terras para a agricultura.
Por fim, as guerras entre reinos e mesmo entre pessoas pelos recursos cada vez mais escassos também cresceram, levando ao colapso.
Entre as civilizações do passado, Diamond destaca também o colapso da Ilha de Páscoa diretamente relacionado ao desmatamento desenfreado.

O Globo, 24/02/2012, Ciência, p. 30

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