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Liberação de verba emperra estatuto

CB, Brasil, p. 19
21 de Mar de 2004

Liberação de verba emperra estatuto
Projeto que prevê ações de igualdade racial será discutido quinta-feira por representantes do Executivo e parlamentares. Criação de um fundo para financiamento de políticas públicas desagrada a Casa Civil

ERIKA KLINGL
DA EQUIPE DO CORREIO

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, representantes do governo e do Congresso Nacional farão uma reunião crucial para que o Estatuto da Igualdade Racial saia da gaveta. A Casa Civil quer tirar do texto o artigo que cria um fundo específico para financiamento de políticas nessa área. Para o órgão, a existência da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) seria suficiente para o tratamento das questões raciais no país.
A reunião entre representantes da Casa Civil, Seppir e alguns parlamentares, com o autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), acontece nesta quinta-feira e promete gerar um longo debate. A questão está longe de ser um consenso. A Casa Civil não quer criar mais despesas para o governo. Mas a própria ministra Matilde Ribeiro, da Seppir, acredita que o fundo seria bem-vindo. "O fundo é importante porque as novas normas e leis precisam de recursos para que saiam do papel", afirma a ministra.
Paim concorda que o ideal seria que o fundo fosse financiado com previsão orçamentária. Precavido, tem na ponta da língua argumentos para derrubar a má vontade da Casa Civil. "Podemos conseguir dinheiro com recursos das loterias federais ou ajuda internacional", explica.
Outro ponto abordado no Estatuto da Igualdade Racial é a qualificação como crime de qualquer discriminação salarial ou hierárquica no ambiente de trabalho. Se uma pessoa deixar de ser promovida por ser negra, por exemplo, poderá processar criminalmente o chefe ou a empresa onde trabalha.
Além disso, com a aprovação da lei, os órgãos federais terão que criar linhas de pesquisa e programas de estudo sobre a saúde da população afro-brasileira. Escolas de ensino superior, concursos públicos e os contratos de financiamento estudantil terão que destinar um cota de pelo menos 20% para negros.
0 projeto do estatuto foi apresentado na Câmara dos Deputados em 2000 e, depois de ser aprovado por unanimidade por uma comissão especial, teve a tramitação paralisada. Depois da reunião de quinta-feira, Paim espera que a proposta volte à pauta.
Avanços
Hoje, quando se comemora o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, a Seppir completa o primeiro ano de existência. A ministra garante que existem motivos de festa no combate à discriminação racial dentro do governo Luiz Inácio Lula da Silva. "A própria criação da secretaria é a prova de que o governo teve coragem de admitir que o racismo existe. Esse é o primeiro passo para o seu combate", explica Matilde Ribeiro.
A principal medida feita pelo órgão desde sua criação, segunda a ministra, foi a assinatura do decreto que regulamenta o procedimento de identificação, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes de quilombos. Depois de Palmares, em Alagoas, e dos Kalungas, em Goiás, outros quilombos devem ser atendidos com o decreto. Existem hoje 742 quilombos catalogados no Brasil. "O número deve ser bem maior", afirma a ministra. Segunda ela, é difícil chegar à quantidade exata de quilombos existentes no país porque apenas 36 comunidades estão instaladas em terras tituladas pelo governo.
Ajuda contra o preconceito
A discriminação racial existe no Brasil e não dentro do movimento negro quem negue essa realidade. "Se tiver um negro nesse país que garanta nunca ter sido vítima de preconceito racial estará mentindo", afirma o primeiro vice-presidente do Senado, senador Paulo Paim (PT-SP). Aos 54 anos, o político gaúcho conta que seus irmãos e familiares têm uma grande quantidade de episódios de humilhação e maus-tratos para contar.
A presidente do Conselho de Defesa do Direito do Negro em Brasília, Tereza Ferreira da Silva, 53, diz que já se acostumou a dar explicações às visitas. "Sou casada com um paulista bem branco e meu filho puxou ao pai. Quando recebo alguém em casa, é comum ser questionada sobre onde está a patroa", afirma. Quando o filho era a criança, a mãe negra era confundida com a babá. " Eu ficava muito brava. Será que não tinha direito de ser mãe?", questiona.
A discriminação sofrida por Tereza e Paim se repete com outros afro-brasileiros, que estão longe de ser minoria no país: representam quase 50% da população brasileira. Para proteger as vítimas do desrespeito, o conselho presidido por Tereza criou um serviço de assistência jurídica e ajuda psicológica. 0 serviço é oferecido pelo telefone do Disque-Racismo, no 225-3898.

CB, 21/03/2004, Brasil, p. 19

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