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Lento aquecimento

FSP, Opinião, p. A2
07 de Dez de 2009

Lento aquecimento
Reunião de Copenhague, que começa hoje, tem potencial para dar partida num bom acordo, mas é preciso dosar o otimismo

A conferência sobre mudança do clima começa hoje em Copenhague sob uma incógnita. Até havia poucas semanas, a expectativa era de fracasso. O pêndulo moveu-se para o quadrante do otimismo, mas a prudência recomenda dosá-lo, pois o resultado dificilmente será tão ambicioso quanto a maioria dos cientistas sugere ser necessário.
Existe já algum acordo quanto ao máximo aceitável de aumento na temperatura ao longo deste século 21: 2C. Para ficar aquém dessa barreira, acima da qual haveria risco excessivo de alterações desastrosas, impõe-se reduzir a emissão de gases do efeito estufa, até 2020, de 25% a 40% (em relação aos níveis de 1990, ano-base do Protocolo de Kyoto). As metas já anunciadas garantem algo entre 10% e 20% de redução -as contas nessa área são sempre muito imprecisas.
Há muito chão para percorrer em Copenhague, portanto. À primeira vista não faltaria tempo, pois a conferência dura 12 dias. Mas nesse tipo de reunião multilateral, em que as decisões exigem consenso, ao menos a primeira semana é consumida pelo segundo escalão em tediosas negociações sobre vírgulas e colchetes nos textos oficiais.
A fase decisória se concentra nos últimos dias. A má notícia é que Barack Obama, embora vá a Copenhague, comparecerá na fase inconclusiva. Sua delegação, com as mãos atadas por legislação ainda em debate no Congresso americano, não irá além dos já prometidos 17% de corte sobre o nível de emissões em 2005 (ou 4% sobre 1990).
Nem a aceitação inédita de algum compromisso por parte de gigantes emergentes como China e Índia deve suscitar maior expectativa. Não deixa de ser um avanço, para nações até então refratárias a quaisquer metas de redução, mas são ainda irrisórias as cifras oferecidas -cortes máximos de 45% e 25%, respectivamente, na quantidade de carbono emitida por unidade de PIB (ou "intensidade carbônica").
No caso da China, já a maior emissora do planeta, significa pelo menos dobrar as emissões até 2020. No caso da Índia, cuja economia cresce a taxas um pouco menores que as chinesas, quase isso. Sem uma redução significativa nesses números, torna-se muito improvável alcançar a meta de limitar o aquecimento a 2C, a despeito do esforço dos demais países.
O Brasil chega a Copenhague numa posição "sui generis". Economia emergente, como China e Índia, adotou meta de país desenvolvido (corte de 25% sobre 2005, similar à europeia). Lula poderá até fazer boa figura na capital dinamarquesa, mas beira a megalomania acreditar que isso baste para intermediar um acordo entre emergentes e ricos.
Os primeiros precisam adotar metas mais ousadas. Os outros, abrir os cofres para financiar fora de suas fronteiras uma reviravolta na dependência de combustíveis fósseis -o preço global, estipulado pela China, está em US$ 400 bilhões por ano.
Copenhague não verá um acordo desses nascer, mas pode ser o início de uma longa, e mais promissora, gestação.

FSP, 07/12/2009, Opinião, p. A2

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