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Lei que libera transgenico avanca no Senado

FSP, Dinheiro, p.B10
16 de Set de 2004

Aprovada por 3 comissões, permissão do uso de sementes geneticamente modificadas pode ser votada hoje no plenário
Lei que libera transgênico avança no Senado
Da sucursal de Brasília
O projeto de Lei de Biossegurança que libera de forma definitiva o cultivo de soja transgênica e, pela primeira vez, autoriza a venda de sementes geneticamente modificadas no país foi aprovado ontem em três comissões do Senado -Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e Assuntos Econômicos (CAE).
Hoje, segundo o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), o projeto será votado no plenário do Senado. "Votaremos o projeto de biossegurança. Essas quatro matérias têm acordo de todos os partidos", disse, numa referência às votações que precisam acontecer para destravar a pauta do Senado. O projeto ainda terá de voltar para a Câmara.
A versão aprovada ontem nas comissões é uma derrota para os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde. A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) terá o poder de decidir se um produto geneticamente modificado precisará ou não do licenciamento ambiental do Ibama, vinculado ao Meio Ambiente, ou de licenças da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Caso o Ibama ou a Anvisa discordem da decisão da CTNBio, poderá apenas recorrer ao CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança), composto por 11 ministros, que arbitrará o conflito.
Apesar do atual projeto não agradar a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), a possibilidade de recorrer ao CNBS é considerada melhor do que a opção anterior, que constava do relatório do senador Osmar Dias (PDT-PR). Na versão aprovada por Dias, que foi substituída ontem por um texto do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), os recursos seriam dirigidos à própria CTNBio.
"Para o Meio Ambiente não é a melhor solução", disse o secretário de Biodiversidade do Ministério, João Paulo Capobianco.
No projeto da Câmara, o Ibama e a Anvisa tinham o poder de vetar a liberação comercial de um produto.
Ao contrário das versões anteriores, que liberavam o cultivo da soja transgênica para a safra (2004/2005), Suassuna optou por liberar o cultivo de forma definitiva. Para ele, com a nova redação, o governo não precisará se preocupar com o tema todos os anos.
O projeto aprovado ontem também é mais flexível que as duas medidas provisórias de Lula sobre o assunto, pois permite a comercialização das sementes de soja transgênica da Monsanto. Na safra passada (2003/2004), o agricultor só podia usar sementes guardadas por ele mesmo.
Para 2005, o projeto proíbe, inclusive, o uso das sementes reservadas pelo próprio agricultor. Caso faltem sementes transgênicas, o projeto autoriza o Executivo a liberar o uso das sementes colhidas pelos produtores.

Ministros tentam convencer Lula a assinar MP
Julia Duailibi
Da sucursal de Brasília
Com o impasse do Congresso em torno da aprovação da Lei de Biossegurança, os ministros Roberto Rodrigues (Agricultura) e Aldo Rebelo (Coordenação Política) tentam convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a única saída no momento é a assinatura de uma medida provisória.
O objetivo é fazer com que a MP seja assinada apenas depois de o Senado aprovar o projeto em plenário, o que está previsto para ocorrer ainda hoje. Assim, a medida provisória viria para sanar uma lacuna formal, já que o plantio começa em outubro e, até lá, não há tempo hábil de a Câmara dos Deputados votar o projeto.
Assessores da Presidência avaliam que o desgaste político de editar uma nova medida provisória sobre o tema (já foram assinadas outras duas para liberar safras anteriores) não ficaria com o presidente, uma vez que, com a aprovação no Senado, já existiria uma posição formal do Congresso sobre a matéria. A intervenção do Planalto serviria para evitar prejuízos aos agricultores.
"Não podemos deixar que um aspecto formal impeça que uma vontade política seja efetivada", declarou ontem o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ao deixar a reunião com Rebelo e entidades representantes de agricultores do Rio Grande do Sul.
De acordo com Ezídio Pinheiro, presidente da Fetag (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) do Rio Grande do Sul, Rebelo não garantiu aos presentes que haveria uma medida provisória, mas teria pedido que pressionassem para que haja "unanimidade" no Congresso sobre o tema.
"Façam uma coisa concreta para o presidente anunciar. É bom que seja um pedido de vocês", teria dito o ministro aos presentes.
A assessoria de imprensa da Coordenação Política informou ontem que não é intenção do presidente Lula assinar a medida provisória para liberar o plantio da safra de soja transgênica de 2005.
Nos bastidores, no entanto, a avaliação é que uma medida provisória seria, no momento, a única saída para o impasse.

Empresa vê embalagens sem aviso
Marta Salomon
Da sucursal de Brasília
A SGS (Société Générale de Surveillance), empresa suíça contratada pelo Ministério da Justiça para os primeiros testes oficiais destinados a checar a presença de organismos geneticamente modificados em produtos disponíveis no comércio, já detectou transgênicos em percentual que exigiria aviso nas embalagens.
A informação é do diretor agrícola da empresa, Marcos Zwir. "Já detectamos percentual acima de 1% em produtos acabados e comercializados no país", disse.
Depois de quase seis meses de vencido o prazo dado pelo governo à indústria para adaptar as embalagens de alimentos que contêm mais de 1% de organismos geneticamente modificados, o triângulo de fundo amarelo com a letra T é um símbolo jamais visto nas prateleiras. Segundo a Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), nenhum produto contém o rótulo por ora.
Os nomes dos produtos e das marcas cuja composição contém mais de 1% de soja, milho ou algodão transgênico não foram divulgados pela SGS por conta de cláusulas de confidencialidade nos contratos com seus clientes.
Os testes encomendados pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão da Secretaria de Direito Econômico vinculado ao Ministério da Justiça, deverão apresentar resultados até o início de outubro, informou o ministério.
Com o resultado nas mãos, o governo poderá fazer valer o decreto presidencial que garantiu teoricamente ao consumidor o direito à informação sobre a incidência de transgênicos no que come e bebe. A multa para quem desrespeitar o decreto da rotulagem pode passar de R$ 3 milhões.
Para esses primeiros testes oficiais, foram colhidas amostras de 45 produtos em nove Estados. As amostras foram encaminhadas anteontem para os exames. Entre essas amostras, há marcas de biscoitos, torradas, salgadinhos, sopas e bebidas à base de soja.
O decreto da rotulagem foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2003.
Os produtos que usassem os grãos dessa primeira safra "legalizada" acima de 1% de seus ingredientes deveriam conter avisos nas embalagens.
Em dezembro de 2003, já autorizados não apenas a comercialização, mas o plantio de uma nova safra transgênica no país, uma portaria do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) definiu o símbolo a ser impresso nas embalagens de produtos que usassem grãos transgênicos. O prazo para a indústria se adaptar foi prorrogado até 31 de março. Daqui a duas semanas, a exigência dos rótulos completará seis meses.
A fiscalização feita pelo Ministério da Agricultura detectou grãos geneticamente modificados em 324 de mais de 7.800 amostras colhidas em 14 Estados produtores de soja. Entre as amostras com resultado positivo, apenas 104 eram de produtores que haviam assumido oficialmente plantar sementes transgênicas.
Blitz em caminhões
A Delegacia Regional do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul iniciou ontem uma blitz no próprio Estado, em Santa Catarina e no Paraná, para apurar e deter a venda de sementes transgênicas. A Agência Folha apurou que dois caminhões já foram detidos ontem à tarde na divisa com Santa Catarina.
A fiscalização é reação a denúncias segundo as quais empresas gaúchas estão vendendo sementes de soja transgênica. A legislação prevê multa de R$ 16,11 mil, acrescida de 10% do valor apreendido para quem infringir a lei.
Colaborou Léo Gerchmann, da Agência Folha, em Porto Alegre

Outro lado
Indústria pede "compreensão" da população
Da sucursal de Brasília
Em nota, a Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) pediu a compreensão da população "nesta fase de introdução do novo símbolo dos transgênicos no rótulo das embalagens", apesar de o prazo de adaptação concedido pelo governo ter terminado há quase seis meses.
A nota diz que a Abia concorda que os consumidores brasileiros têm direito à informação sobre a composição dos alimentos industrializados.
Embora grande parte desses alimentos contenha soja em sua composição, a entidade já sugeriu anteriormente que nenhum alcançaria o limite de 1% acima do qual os produtos têm de ser comercializados com avisos aos consumidores -o que não se concretizou.
A nota da Abia cita estudo da Organização Mundial da Saúde e afirma que os alimentos geneticamente modificados não prejudicam a saúde humana.
Durante as negociações com o governo, a entidade se aliou à multinacional Monsanto (dona da patente do gene da soja transgênica) na defesa dos organismos geneticamente modificados.
Reservadamente, representantes da indústria já mostraram preocupação com a possibilidade de o rótulo afugentar consumidores.

A novela dos transgênicos no Brasil
1995
Fernando Henrique Cardoso sanciona em 5 de janeiro a lei de Biossegurança (lei n2 8.974/95), que regulamenta a "a construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte" de OGMs (organismos geneticamente modificados)
1998
Em junho, a Monsanto pede à CTNBio a liberação do cultivo comercial da soja transgênica Roundup Ready. Em setembro, a 11á Vara da Justiça Federal concede liminar proibindo a União de autorizar o plantio comercial de soja transgênica enquanto não regulamentara comercialização de produtos geneticamente modificados e realizar estudo prévio de impacto ambiental. A CTNBio emite parecer favorável à Monsanto. A liminar cai em novembro, mas outra decisão exige segregação dos transgênicos
1999
Subsidiária da Monsanto pede registro de cinco variedades de soja. 0 Idec e o Greenpeace entram com pedido para impedir o régistro. Decisão judicial susta o plantio da soja transgênica até que seja feito Estudo de Impacto Ambiental
2002
0 Conselho Nacional do Meio Ambiente aprova a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para o plantio comercial de transgênicos
Fev/03
Para evitar o prejuízo com a grande safra de soja transgênica colhida, o governo edita medida provisória permitindo a venda desses produtos até 31 de janeiro de 2004 -e depois prorroga o prazo por 60 dias
Set/03
Por meio de medida provisória, o governo libera o plantio de soja geneticamente modificada para a safra 2003/04, sob a condição de rotular os produtos que contivessem mais de 1 % de transgenia e de que os agricultores assinassem um termo de compromisso no caso de o produto causar algum problema
Out/03
0 governador do Paraná, Roberto Requião, proíbe o tráfego de caminhões com soja geneticamente modificada e barra o embarque do produto no porto de Paranaguá, dando início a uma reação de vários Estados produtores de soja. 0 porto de Rio Grande (RS) passa a ser opção para alguns produtores
Ago/04
Setores do governo avaliam a possibilidade de votar o artigo que libera o plantio de soja transgênica da lei de Biossegurança, em tramitação no Congresso. Há a possibilidade de nova MP para autorizar o cultivo
Set/04
Governo fecha acordo para tentar aprovar a Lei de Biossegurança permitindo que se plante soja transgênica antes do início da safra 2004/05
O que é um organismo geneticamente modificado
Um produto cujo código genético é alterado por meio de manipulações para lhe dar novas características
Numa planta, por exemplo, é possível fazer mudanças para que ela fique resistente a um tipo de inseto ou a um herbicida, como no caso da soja plantada no Brasil
Numa bactéria é possível inserir um gene para que ela produza insulina

FSP, 16/09/2004, p. B10

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