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A lei do desastre

O Globo, Ciência, p. 28
03 de Abr de 2009

A lei do desastre
Código ambiental de Santa Catarina causará novas tragédias, alertam cientistas

Carlos Albuquerque

O novo código ambiental de Santa Catarina fará com que o estado seja vítima de mais inundações, alertam cientistas e ambientalistas. Ignorando o parecer contrário de especialistas, a Assembleia Legislativa catarinense aprovou na terça-feira um projeto de lei - a ser encaminhado para a sanção do governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira - que reduz o tamanho das florestas que devem ser preservadas nas margens dos rios. É justamente a vegetação que retém a água das chuvas e ajuda a evitar enchentes e deslizamentos como os que, no fim do ano passado e início deste ano, castigaram áreas como o Vale do Itajaí, matando mais de cem pessoas e causando prejuízos superiores a R$ 230 milhões.

O código - aprovado por 31 votos a favor e sete abstenções - também difere da legislação federal, o que, segundo seus críticos, seria inconstitucional. De acordo com o Código Florestal Brasileiro, uma faixa de 30 metros de mata ciliar nas margens de córregos e rios deve ser preservada.
Deslizamentos em áreas alteradas
Santa Catarina é o estado que mais derruba a Mata Atlântica, mas ainda tem 168 mil hectares de matas ciliares. Com o novo código, o limite de 30 metros pode cair para dez metros em propriedades acima de 50 hectares e cinco metros nas com menos de 50 hectares. Em números absolutos, Santa Catarina é o estado que mais destrói a Mata Atlântica. No último levantamento nacional, apresentado em 2008, o estado derrubou 45.530 hectares de floresta atlântica no período de 2000 a 2005.

Segundo a urbanista e arquiteta catarinense Sandra Momm Schult, o novo código ambiental causou "um sentimento de revolta e indignação no estado".

- Trata-se de uma grande irresponsabilidade. Afinal, existem estudos, feitos no próprio estado, que mostram que 85 por cento dos deslizamentos do ano passado aconteceram em áreas que foram alteradas - diz ela, que é professora da Universidade Regional de Blumenau. - Por isso, chamamos o projeto de Código Rural e não de Código Ambiental, já que ele é fruto da pressão do agronegócio.

Defensores do projeto, alegam que ele vai beneficiar 26 mil propriedades rurais de Santa Catarina, que estão irregulares com relação ao código federal. Para Carlos Kreuz, diretor de planejamento da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina (Epagri), o maior mérito do novo código é atender ao que considera peculiaridades do estado.

- Santa Catarina tem uma topografia ondulada e é um estado muito rico em cursos d'água - diz Kreuz. - Essas características fazem com que a aplicação da lei federal no estado causem problemas. O setor produtivo via isso como um obstáculo.

A aprovação do projeto, dizem especialistas, fere a lei federal, já que regras estaduais menos protetoras do meio ambiente não podem se sobrepor às regras previstas no Código Florestal Brasileiro.

- O Código Florestal Brasileiro possibilita a cada estado ter o seu próprio código, mas sempre respeitando os parâmetros da legislação federal. Ele nunca pode ser menos restritivo, só mais amplo -- explica Nicolau Cardoso Neto, advogado, especialista em direito ambiental e mestre em engenharia ambiental.

Mas Kreuz não vê conexão direta entre as medidas previstas pelo novo código - principalmente a redução das áreas de preservação, como as matas ciliares - e a ocorrência de enchentes, como as que afetaram o estado em 2008.

- O que aconteceu foi consequência dos fenômenos climáticos globais. Não há conexão alguma. Chuvas podem ocorrer em qualquer parte -- garante ele, que, reconhece, porém que o projeto pode ter um custo social.

- Claro que em caso de chuvas torrenciais, como essas mais recentes, podemos ter maiores problemas, mas a questão é como um cobertor curto. Há sempre uma parte que fica de fora.

Para Sandra Momm Schult, a diminuição da vegetação próxima dos rios incide, sim, sobre o escoamento da água das chuvas e, consequentemente, sobre as enchentes dos rios.

- Uma diferença de trinta metros para cinco metros é muita coisa. Isso não pode ser ignorado. Esse projeto representa uma desconexão total sobre tudo que se sabe sobre ecologia e meio ambiente, principalmente com a tecnologia disponível. Além do mais, se cada estado for definir, a seu bel prazer, quais os limites de preservação, vamos perder a Amazônia, o Pantanal até acabar o patrimônio natural brasileiro.

Biodiversidade sob risco de degradação

Uma das responsáveis por um recente inventário florestal de Santa Catarina, a pesquisadora Lúcia Sevegnani, da Universidade Regional de Blumenau, afirma que o novo código ambiental do estado deve afetar a biodiversidade da região.
- Estudamos 796 espécies vegetais numa área de 40 hectares e constatamos que as plantas jovens estão em pequeno número, o que comprova a degradação da mata - diz Lúcia. - Há problemas como corte de árvores jovens e o avanço da área agrícola. O código pode fazer com que só restem espécies adaptadas à degradação.
Segundo ela, as mata ciliares que restam impediram que as enchentes de 2008 fossem ainda piores.
- Sem elas, a tragédia seria maior. É impensável diminuir ainda mais essas áreas.

O Globo, 03/04/2009, Ciência, p. 28

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