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Lei de transgenico atende a ambientalista

FSP, Dinheiro, p.B10-B11
24 de Nov de 2005

Sai decreto que regula biossegurança, e Lula arquiva pedido de uso de organismos modificados que não passem na CTNBio
Lei de transgênico atende a ambientalista
Marta Salomon
Depois de oito meses de debate no governo, o presidente Lula atendeu a apelos de ambientalistas ao baixar decreto que regulamenta a Lei de Biossegurança.
Publicado na edição de ontem do "Diário Oficial" da União, o decreto determina o arquivamento de pedidos de uso comercial de organismos geneticamente modificados que não obtenham os votos favoráveis de ao menos dois terços dos integrantes da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança).
As autorizações para pesquisas e comercialização de transgênicos no país estão suspensas desde maio, à espera da regulamentação da lei sancionada em março.
No conjunto, as regras são mais favoráveis aos defensores dos transgênicos, sobretudo pelos poderes dados à CTNBio para liberar atividades de pesquisa e uso comercial de organismos geneticamente modificados.
A comissão terá 27 membros, 12 deles especialistas com "notório saber científico e técnico". Só casos mais polêmicos serão encaminhados à decisão de um conselho de ministros.
Embora a proposta de decreto tenha sido discutida por oito meses, chegou sem acordo a Lula num de seus principais dispositivos. A minuta do decreto apresentada ao presidente dava uma segunda chance de análise a pedidos de autorização de uso comercial que não obtivessem apoio de dois terços dos membros da CTNBio. Em vez de rejeitado, o pedido seria submetido a novo parecer. Os ambientalistas reagiram, e Lula lhes deu razão. Sem dois terços dos votos favoráveis, os pedidos serão arquivados.
O quórum para as decisões da CTNBio ficou em aberto na lei por conta de veto de Lula. "Não há razoabilidade para que questões polêmicas e complexas que afetam a saúde pública e o ambiente possam ser decididas por apenas oito brasileiros", dizia a justificativa do veto, considerando a hipótese de uma decisão tomada pela maioria entre 14 membros -o número mínimo de presentes para o início das sessões.
Na edição do decreto, Lula não acatou outros pedidos dos ambientalistas, como o critério de escolha dos 12 membros especialistas da comissão. Esses especialistas serão escolhidos a partir de lista tríplice elaborada pela ABC (Academia Brasileira de Ciências), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e outras sociedades científicas.
O detalhamento da lei dividiu o governo entre os defensores da biotecnologia (presentes na Casa Civil e nos ministérios da Agricultura e de Ciência e Tecnologia) e os ambientalistas (comandados pelo Ministério do Meio Ambiente e com apoio na Saúde).
A polêmica se arrasta há anos, e a falta de regras claras permitiu o plantio clandestino de soja transgênica contrabandeada da Argentina a partir do final dos anos 90. A soja geneticamente modificada para resistir a um herbicida produzido pela Monsanto foi liberada no país no início do governo Lula, sem estudos prévios dos impactos sobre o ambiente e a saúde.
Pelo decreto publicado ontem, quem contrariar as novas regras de Biossegurança poderá ter de pagar multa de até R$ 1,5 milhão, dobrada em caso de reincidência.
A lei e o decreto prevêem que só casos mais polêmicos serão encaminhados ao Conselho Nacional de Biossegurança, integrado por 11 ministros. Segundo o decreto objeto de acordo, o conselho terá 60 dias para decidir, e esse prazo poderá ser interrompido para a confecção de pareceres.

Funcionário da Casa Civil prestou serviços por cinco anos para a Monsanto, companhia interessada nos transgênicos
Ex-advogado de múlti trabalhou no decreto
Beto Ferreira Martins Vasconcelos -funcionário da Casa Civil encarregado de preparar o decreto que regulamentou a Lei de Biossegurança, publicado ontem no "Diário Oficial" da União- trabalhou por cinco anos como advogado da Monsanto, uma das principais interessadas na abertura do país aos transgênicos.
A Folha teve acesso à procuração por meio da qual o atual subchefe-adjunto para assuntos jurídicos da Casa Civil representou a Monsanto e uma de suas subsidiárias, a Monsoy. Segundo a Casa Civil e a assessoria da empresa, a procuração valeu de 1998 a 2002 e se estendeu a outros advogados de grande escritório paulista.
Vasconcelos integrou o grupo de trabalho formado por representantes de outras nove pastas e coordenado pela Casa Civil. Apesar de oito meses de debate, a minuta de decreto produzida pelo grupo chegou sem consenso às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que arbitrou favoravelmente aos ambientalistas.
Apesar de o debate sobre conflito de interesses estar presente na elaboração do decreto, a Casa Civil e a Monsanto avaliam que a presença do ex-advogado da multinacional na coordenação do grupo de trabalho encarregado de regulamentar a Lei de Biossegurança não compromete o trabalho (leia texto abaixo).
O decreto obriga os membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) a assinar uma "declaração de conduta", documento que explicitará eventuais conflitos de interesse.
Ainda de acordo com o decreto, os integrantes da comissão -a quem cabe liberar pesquisas e a comercialização de transgênicos- ficam proibidos de julgar questões com as quais "tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato". É um instrumento usado em outros países na busca de decisões imparciais.
O Meio Ambiente defendia proposta mais radical: ficariam barrados de participar de determinado julgamento os membros da CTNBio que "tenham ou tenham tido" envolvimento com as questões em análise.
A Monsanto é uma das principais personagens do debate sobre a liberação dos transgênicos do país. Esse debate ganhou fôlego no governo Lula, com a autorização presidencial para a venda da primeira safra de soja transgênica no país, obtida a partir de sementes contrabandeadas da Argentina, menos de quatro meses depois do início do mandato.
Em abril de 2004, a multinacional começou a cobrar royalties dos produtores que usavam as sementes contrabandeadas. A Monsanto é dona do direito de propriedade intelectual sobre o gene de soja transgênica. Os produtores que usam sementes de origem contrabandeada têm de pagar uma indenização de 2% do valor do grão no momento da venda; já os produtores licenciados de semente pagam R$ 0,88 por quilo de soja transgênica. O preço vale para a safra deste ano e a de 2006. (MARTA SALOMON)

OUTRO LADO
Monsanto e governo negam que haja conflito de interesse
Sem revelar quanto já lucrou ou pretende lucrar com a liberação dos transgênicos no país, a Monsanto avalia que não há conflito de interesses na presença de um ex-advogado da multinacional no grupo de trabalho que elaborou o decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança.
Segundo Cristina Rappa, gerente de Comunicação da empresa, Beto Vasconcelos "não tem vínculo com a empresa e é ó parte do grupo responsável por elabora o decreto".
A Monsanto é dona da patente da soja RR, resistente ao herbicida Roundup, produzido pela empresa, e faturou, no ano passado, US$ 890 milhões no país. A empresa não revela dados sobre faturamento com os direitos de propriedade intelectual, os royalties.
A Casa Civil, que coordena o debate do decreto de biossegurança, reagiu de forma semelhante à multinacional. Por meio de nota, a assessoria da ministra Dilma Rousseff disse que o advogado "possui competência e formação acadêmica inquestionável para desenvolver qualquer trabalho jurídico imparcial acerca do assunto".
Procurado pela Folha na semana passada, Vasconcelos não quis se manifestar. (MS)

FSP, 24/11/2005, p. B10-B11

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