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Leão-de-chácara

Isto É, Ciência, Tecnologia & Meio Ambiente, p. 100-102
18 de Mai de 2005

Leão-de-chácara
O ambientalista que dedicou a vida a combater o tráfico de animais, a terceira maior atividade ilegal do mundo

Celina Côrtes

O ambientalista carioca Dener Giovanini saiu de um hotel em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, e deparou com um homem que o espreitava. "Sua batata está assando. Você vai parar ou quer que alguém lhe pare?", pressionou o interlocutor, apontando uma arma em sua direção. O ano era 2000 e essa seria a primeira de uma série de ameaças, que levaram Giovanini a seguir o conselho de quem entende do assunto. "Botei a cara de fora. É melhor que toda a sociedade conheça minha luta contra o tráfico de animais", explica, com voz mansa e jeito simples de quem foi criado no interior, em Três Rios (RJ).
A fama de seu trabalho ultrapassou as fronteiras e lhe rendeu o maior dos reconhecimentos. Em 2003, Dener Giovanini recebeu das mãos do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, o Prêmio Unep-Sasakawa, considerado a mais prestigiada distinção ambiental do mundo. Foi a mesma condecoração entregue ao seringueiro Chico Mendes pela luta em defesa da mata e dos povos da floresta.
Aos 36 anos, Giovanini alcançou o tipo de consagração que só costuma premiar veteranos. Nem por isso perdeu a humildade que o acompanha desde a fundação da ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), em 1999. Terceira maior atividade ilegal do mundo, depois do tráfico de armas e de drogas, a venda de animais silvestres movimenta US$ 2 bilhões por ano no Brasil e chega à estonteante cifra global de US$ 20 bilhões.
As entranhas dessa atividade predatória poderão ser conhecidas do grande público no longa-metragem O bicho dá, o bicho toma, o primeiro da jornalista Beatriz Thielmann, 53 anos, seis à frente do Globo repórter. O filme terá pré-estréia no Rio, na segunda-feira 16, e, no dia seguinte, em Brasília. Entra em cartaz nas duas cidades no primeiro semestre. Giovanini diz que o filme vai incomodar, sobretudo por tocar na questão social. Isso porque mostra a cadeia de miseráveis que não têm outra alternativa para pôr comida no prato senão praticar esse comércio ilegal, o primeiro elo de uma cadeia manipulada por traficantes. "É uma realidade muito triste", constata.
A intensa atividade de Giovanini, que há três anos não tira mais do que cinco dias de descanso, fez com que as ameaças cedessem. Acabaram substituídas por convites de viagens internacionais. Ele diz que seu trabalho contribuiu para que os traficantes se intimidassem em expor suas "mercadorias" nas feiras livres do País. "Hoje a grande maioria da sociedade condena essa atividade ilegal", afirma.
Giovanini tem sido solicitado para atender à demanda de governos e instituições internacionais, que querem levar o modelo da Renctas para seus países. Só este ano ele tem 18 viagens agendadas, da Suíça à Tanzânia, na África. No final de 2004, passou 15 dias entre Pequim e Mongólia, a convite do governo chinês, ao lado de prêmios Nobel e ministros de Estado.
Professor no curso de Letras, ele só não levou até o fim a Faculdade de Biologia porque a Renctas foi aos poucos consumindo seu tempo. Hoje, ele vive em Brasília e seu maior prazer - as constantes visitas a reservas ambientais - se mistura com o trabalho. A ingenuidade foi o motor que o levou a seguir em frente, mesmo diante de ameaças. "O melhor é que nessas viagens posso ensinar como dá certo o que o Brasil faz para combater o tráfico de animais", exulta.
Essa história começou aos 16 anos, quando ele esteve no Rio para participar do que seria o embrião do Partido Verde. Em 1989, Giovanini fundou a ONG Mata Viva e, quando foi secretário de Meio Ambiente em Três Rios, em 1997, entrou no universo do tráfico animal, até então desconhecido. "Os policiais chegavam com gaiolas de 40 macacos e ninguém sabia o que fazer com aquilo", lembra. Foi quando começou a reunir as informações que acabaram formando uma rede. Passou a ser procurado por gente de outros Estados e criou a Renctas.
Arara-azul - Talvez uma das modalidades de tráfico de animais mais difíceis de controlar seja a de pesquisas científicas ilegais. O tráfico para colecionadores particulares é outra maneira cruel de exterminar as espécies em extinção. "Quanto mais ameaçada, mais alto seu valor", contabiliza Giovanini. O exemplar da arara-azul-de-lear, da qual não existem mais de 600 exemplares na natureza, é cotado a US$ 60 mil no mercado ilegal. E há ainda as vendas ilegais em pet shops.
Contra todas as modalidades, a Renctas promove um permanente levantamento de dados no País, que publica em livros e divulga em seminários. Em 2001, a organização lançou o Primeiro Relatório Nacional sobre Tráfico de Animais Silvestres, identificando as rotas existentes no Brasil a partir de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das polícias florestais.
A ONG treinou mais de três mil pessoas na capacitação e fiscalização ambiental, lidera uma rede de 13 países sul americanos, treina policiais, agentes ambientais e promove educação ambiental. Recebe 200 e-mails diários com denúncias de tráfico de animais. Numa pesquisa feita em 143 municípios brasileiros, a Renctas constatou que, embora 84% dos brasileiros saibam que manter animais silvestres sem comprovação de origem é crime, um terço já teve um exemplar em casa. "O porcentual indica que 60 milhões de animais silvestres saíram da natureza para alimentar esse comércio", lamenta Giovanini.

Isto É, 18/05/2005, Ciência, Tecnologia & Meio Ambiente, p. 100-102

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