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Lavouras e ação comunitária resgatam a dignidade indígena

GM, Nacional, p.A9
29 de Mar de 2004

Lavouras e ação comunitária resgatam a dignidade indígena

No dia do índio, inaugura-se o 1o- armazém comunitário do povo Krahô. O primeiro armazém comunitário do povo indígena Krahô será inaugurado no dia 19 de abril. A data será marcada com festa e com a realização de ritos tradicionais, como a corrida de tora. A alegria não é à-toa. Os índios estão orgulhosos. "O local será utilizado para o escoamento da produção indígena e também para a compra de alimentos que a comunidade não produz, fazendo com que a circulação de recursos financeiros permaneça dentro do próprio território", disse o indigenista Fernando Schiavini, da Funai.
O armazém é mais um capítulo de uma história que começou ainda na década de 90, quando os Krahôs procuraram a Embrapa e solicitaram amostras do Pôhypey, um milho escuro, acinzentado, doce e muito macio. Esta espécie era peça fundamental na alimentação e tradição da aldeia, mas desapareceu quando a monocultura do arroz tomou conta das roças, na década de 60, induzida pela política indigenista da época.
Os índios Krahô são um grupo Timbira, com cerca de duas mil pessoas, reunidas em 16 aldeias. É uma etnia que tem sido caracterizada por problemas de fome na entressafra e cuja população infantil apresenta taxa histórica de desnutrição de 12%. Eles ocupam uma área de Cerrado com 320 mil hectares, no nordeste de Tocantins, considerado a maior área contínua de preservação do Cerrado.
Do primeiro contato que fizeram com a Embrapa para cá, muita coisa aconteceu. Além da reintrodução da espécie e do resgate de tradições, a parceria entre as partes, que inclui também a Funai, começou a escrever um novo capítulo na história do direito de uso e de propriedade intelectual dos materiais coletados em áreas indígenas.
"Foi um trabalho construído pouco a pouco, pois não havia referência alguma anterior de um contrato como o que viríamos a estabelecer, em 2000, com a comunidade. Foi uma discussão de vanguarda sobre o acesso e repartição de benefícios pelo uso do conhecimento tradicional", disse Teresinha Dias, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Outras unidades começaram a ser procuradas por etnias diferentes para replicar a experiência em diversas partes do Brasil.
A lista de resultados é enorme. Os índios apontaram à Embrapa suas maiores necessidades de recursos genéticos. Baseado neste levantamento, foram reintroduzidas diversas variedades, como batata-doce, inhame, mandioca e cará. A etnia resgatou técnicas de conservação de solos e sementes, controle do fogo, criação de pequenos e grandes animais, plantio de árvores frutíferas e uso e conservação de alimentos. A multiplicação das sementes repassadas pela Embrapa já é de responsabilidade dos índios, que fazem inclusive uma feira anual para troca de material com povos indígenas convidados.
A iniciativa dos Krahôs deu à comunidade, em 2003, o prêmio Slow Food de Defesa da Biodiversidade, concedido pelo instituto italiano Slow Food. O projeto concorreu com mais nove histórias de outras partes do mundo, sendo a mais votada por 400 delegados de 80 países onde o instituto atua.
Em Minas Gerais, a Embrapa Milho e Sorgo, em parceria com a Funai, repassou no final do ano passado cinco variedades de milho indígena para os índios Xavantes, no Mato Grosso. Ao todo foram entregues 350 quilos de sementes para 100 aldeias, com uma população entre 10 mil e 12 mil pessoas.
O pesquisador da Embrapa Ramiro Vilela de Andrade, curador do banco de germoplasma de milho, contou que foram distribuídas as variedades do milho Nodzob - awawi, udzé, pré, a e rãre -, que haviam sido perdidas com o passar dos anos. "São milhos bem diferentes dos convencionais, por serem coloridos e com espigas mais finas e longas", disse ele.

GM, 29/03/2004, p.A9.

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