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Lavoura sofre efeitos do aquecimento

OESP, Vida, p. A26
17 de Set de 2006

Lavoura sofre efeitos do aquecimento
Embrapa e Unicamp mostram que perda do setor cafeeiro, em até duas décadas, pode ser de US$ 375 milhões

Cristina Amorim

Nem um país tropical como o Brasil escapará da agrura do aquecimento global. As principais plantações serão afetadas, com reduções brutais na área cultivada e, por conseqüência, na produção. O cenário negativo tanto vale para commodities tradicionais, como café, como para culturas que recentemente receberam investimentos vultosos, como a mamona para produção de biodiesel. Sem ações de mitigação, milhões de toneladas de produtos agrícolas deixarão de ser produzidos.

O quadro foi desenhado em detalhes por um grupo de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É uma projeção bem distante da futurologia, como percebe-se no campo: cientistas e produtores têm travado diálogos com a mesma regularidade de eventos extremos como secas e tempestades históricas - cada vez mais freqüentes.

O estudo mapeia as mudanças para culturas essenciais para o setor no Brasil contando um acréscimo de 1oC, 3oC e 5,8oC na temperatura e 15% a mais de chuva. Arroz, milho, feijão e café sofreriam uma perda de 23% a 92% da produção porque o ambiente ideal para o plantio encolheria. "No futuro, vamos tomar café argentino", comenta um dos autores do estudo, o meteorologista Hilton Silveira Pinto, da Unicamp.

IMPACTO E RESPOSTA

A perda para a economia seria imensa. A agricultura hoje responde por 21% do Produto Interno Bruto (PIB), ou US$ 153 bilhões. Só o café deixaria de contribuir com cerca de US$ 375 milhões com apenas 1oC a mais - cenário considerado seguro e certo em no máximo duas décadas.

A soja, para não sofrer uma redução de 64% na pior das hipóteses, tomaria a Região Norte - que sofreria um processo violento de savanização com o aquecimento global, segundo modelos de climatologistas, entre eles o brasileiro Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "A mensagem é apavorante. A agricultura tem muito a perder e o setor já tinha de se preocupar."

Mamona e girassol, duas culturas que podem alimentar o crescente mercado internacional de biocombustíveis, também perderiam espaço - a área para o girassol no Rio Grande do Sul diminuiria de metade da área do Estado para pequenos pontos isolados.

A cana-de-açúcar, por outro lado, manteria uma taxa constante de produção, apesar de o mapa de plantio mudar: algumas áreas, especialmente a norte, perderiam produtividade, que seria compensada em regiões mais ao sul.

As três conjunturas são baseadas em fontes comprovadamente confiáveis. Uma é o trabalho de zoneamento agrícola do País, feito pelo mesmo grupo e usado pelo governo federal para gestão e por bancos para liberar financiamento de projetos para o setor. A outra fonte é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão mundial que estuda o impacto do aquecimento.

O IPCC, em seu último relatório, divulgado em 2001, calcula que a Terra vai esquentar de 1,4oC a 5,8oC, em média, nos próximos cem anos por causa do agravamento do efeito estufa. Plantas são muito sensíveis a variações de temperatura. Outro agravante é que o novo relatório, a ser divulgado no ano que vem, coloca o tempo de mudanças mais próximo: 1oC a mais em 15 anos (leia texto ao lado).

Pinto diz que começou o trabalho cético sobre a urgência do problema. Em teoria, um aumento da concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera é benéfico para a planta, uma vez que é parte da fotossíntese. Acontece que CO2 demais no ar significa efeito estufa, que aquece o planeta a níveis mal recebidos pela mesma planta. A flor do café, por exemplo, aborta quando está quente demais e não produz grão. A cana floresce e "seca", o que inviabiliza sua conversão. Quem planta milho, mais resistente ao calor, pode se beneficiar com 1oC a 3oC a mais, pois vai colher antes. Só que este é o teto - mais é perder dinheiro.

"Não acreditava que as mudanças climáticas estavam tão próximas, mas todos os indícios são positivos. O problema é realmente sério", diz Pinto. Algumas variações já são sentidas. Nos últimos 60 anos, a temperatura mínima média em diversas cidades brasileiras só aumentou, mesmo em locais remotos.

INCORPORAÇÃO

O governo, contudo, não parece ter se sensibilizado. "Esses são estudos iniciais, muito incipientes. São um alerta, mas não que se tenha de tomar uma decisão neste momento", diz Ronir Carneiro, que trabalha na coordenação do zoneamento agrícola dentro do Ministério da Agricultura. Mesmo que inserido na pauta agrária, não há políticas públicas para o setor que contem com ações de adaptação e mitigação. "O zoneamento agrícola usa uma série histórica pela observação, não incorpora projeções", diz o secretário de Políticas Públicas do ministério, Edílson Guimarães.

Para Eduardo Assad, da Embrapa, co-autor do estudo, o tema não foi incorporado apesar da gravidade dos cenários. "Não pensamos mais se a temperatura vai ou não subir 1oC. Queremos saber agora é quando atingiremos 3oC a mais."

A solução, dizem os autores, é a pesquisa e o desenvolvimento de variedades geneticamente modificadas adaptadas às novas condições climáticas. Assad acha que a biodiversidade brasileira pode conter a resposta, pois há espécies no País adaptadas ao calor. "Deve haver um gene aí que possa ser trabalhado em variedades novas", diz. Algumas empresas nacionais já buscam alternativas para a cana. Para que o trabalho seja ampliado, faltaria verba. "Não vejo outro jeito. Temos coordenação, capacidade instalada e base de especialistas. Mas, desde a ditadura, falta sensibilidade para o investimento em ciência e tecnologia."

OESP, 17/09/2006, Vida, p. A26

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