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Lançamento ou enterro?

OESP, Vida, p. A19
Autor: SMERALDI, Roberto
09 de Mai de 2008

Lançamento ou enterro?

Roberto Smeraldi

Em 2003 o governo federal cogitou resgatar os conceitos de desenvolvimento regional e planejamento, com foco na Amazônia. Após a antiga Sudam ruir no final governo FHC, pretendia-se inaugurar uma nova política. Escrevemos assim - por iniciativa do governo - a minuta do Plano Amazônia Sustentável (PAS), gerada por meia dúzia de cabeças da academia, da sociedade civil e do próprio governo. Os governadores da região, de todas as cores políticas, aderiram com entusiasmo à nova idéia, que deveria ser amplamente discutida na sociedade.

Ao longo dos anos, o PAS migrou para o fundo das gavetas dos ministérios da Integração e do Meio Ambiente, enquanto sua concepção original vinha sendo diluída por burocratas de plantão. Além disso, neste período se esvaziou qualquer perspectiva de retomada do fomento para a economia regional. Do ponto de vista institucional, a ADA e a nova Sudam nunca decolaram. Do ponto de vista orçamentário, houve a paralisação dos investimentos no desenvolvimento regional. Mais ainda que no passado, paradoxalmente, a Amazônia virou objeto de uma abordagem neocolonial, visando a gerar benefícios para fora da região e eventualmente mitigar impactos locais de grandes projetos à luz de alguma preocupação ambiental: exatamente aquilo que o PAS pretendia reverter. Em 2007, o portfólio do Plano de Aceleração do Crescimento liquidou a perspectiva de nortear o investimento na Amazônia a partir do desenvolvimento regional.

Outra novidade do PAS era uma revolução no financiamento, com objetivos ousados: previa-se para tanto um "comando único" sobre fontes existentes (fundos setoriais, bancos estatais, Pronaf) e novas, entre as quais tributos e royalties sobre atividades que usam direta ou indiretamente recursos naturais da região. As metas eram ambiciosas, com necessidade de investimentos de vulto. Observava-se que "um dos grandes óbices à inversão na Amazônia é a falta de regras claras acerca de que tipo de desenvolvimento regional o País deseja para a região".

Tudo isso sumiu, assim como o desenho inovador do plano, que residia em focar o território, reconhecendo sua diversidade em prol de uma abordagem endógena para as três macrorregiões identificadas pela professora Bertha Becker: a meridional do povoamento adensado, a central de alta vulnerabilidade e a ocidental, de alto potencial para a economia florestal. Beira a ironia o fato que o PAS manteve genéricos objetivos de combate à grilagem, semanas após o governo editar uma MP que amplia de 150 para 1.500 hectares o limite para distribuição de títulos a ocupantes de terras públicas. Também foi esquecido o capital social necessário para a credibilidade do PAS, adotando uma lógica de anúncio sem articulação com os atores socioeconômicos. Neste vazio, o peculiar e extemporâneo lançamento do PAS - com mais circunstância que substância - representa o enterro de seu potencial inovador.

É jornalista e diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia

OESP, 09/05/2008, Vida, p. A19

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