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Lagartos estão fritos

O Globo, Ciência, p. 36
14 de Mai de 2010

Lagartos estão fritos
Aquecimento global já causa extinção de espécies de répteis no Brasil e outros países

Renato Grandelle

Enquanto o homem discute os efeitos das mudanças climáticas nas próximas décadas, os lagartos já sofrem um silencioso processo de extinção. O aquecimento global foi o responsável pelo desaparecimento de 5% das populações desses répteis. O índice pode chegar a 40% em 2080, segundo estudo publicado hoje pela revista "Science".

O levantamento envolveu pesquisadores de 11 países, entre eles o Brasil, onde foi estudado o lagartinho-branco-da-praia, uma espécie só existente nas restingas fluminenses. Das 24 populações do Liolaemus lutzae, sete desapareceram nas últimas duas décadas.

- Imaginávamos inicialmente que esses desaparecimentos, aqui e no exterior, eram provocados por alterações no habitat dessas espécies, mas a maioria dos casos ocorreu em áreas protegidas - destaca Carlos Frederico Rocha, professor do Departamento de Ecologia da Uerj e coautor do estudo. - Comprovamos, agora, que essa diminuição radical das populações devese às alterações de temperatura.
Menos tempo para procurar comida
O estudo nasceu por acaso, quando Barry Sinervo, da Universidade da Califórnia, ao comparar a evolução dos lagartos, reparou que muitas espécies desapareceram desde os anos 80. No México, um dos países em que as baixas foram mais significativas, os pesquisadores criaram um modelo térmico, simulando a tolerância do réptil ao sol.

- Cada espécie de lagarto tem uma temperatura apropriada para seu funcionamento fisiológico - explica Rocha. - Quando está muito quente, ele procura a sombra, e assim regula seu organismo. Usamos o modelo para descobrir quanto tempo o réptil conseguiria suportar ao ar livre.

Com a experiência, os pesquisadores constataram que o tempo dos lagartos sob o sol havia sido reduzido em até nove horas. Mal chegava a hora de buscar alimentos, era necessário voltar para o abrigo.

A pesquisa enterra a crença de que a evolução do lagarto o faria capaz de responder às dificuldades impostas pelas temperaturas crescentes. Na verdade, a arquitetura genética da espécie demora muito mais do que o ideal para se adaptar aos novos tempos.

A ameaça é maior nas zonas tropicais e nas regiões de maior altitude - aquelas que mais sentem o impacto das mudanças climáticas. No Brasil, só lagartinho-branco-da-praia tem merecido monitoramento constante. Rocha espera que, a partir da divulgação do estudo, outras espécies sejam analisadas com frequência.

- Sempre discutimos o aquecimento global pensando no que acontecerá daqui a 30 ou 50 anos. Percebemos, com os lagartos, que se trata de um mal que já está provocando estragos - ressalta o pesquisador. - Um processo semelhante pode estar acometendo agora outros grupos de fauna e flora sem nós termos dado conta.

Para que o desaparecimento dos lagartos não ganhe contornos ainda maiores, a recomendação é a mesma lembrada em todos os debates sobre aquecimento global.

- Este é o momento para promover mudanças que limitem a produção de CO2 - assinala Sinervo, líder do grupo de pesquisas. - Senão, diremos às próximas gerações que poderíamos ter evitado uma extinção em massa dos répteis em 2010, mas que nossa opção foi não agir.

Apesar do apelo, o estudo mantém um tom pessimista. As projeções de redução da população até 2050 são "provavelmente inevitáveis".

As mudanças climáticas fariam mais do que eliminar quase metade das populações de lagarto do planeta. Uma baixa dessa magnitude provocaria transformações profundas em outras espécies. De acordo com o artigo da "Science", "é possível antever o colapso de algumas espécies no extremo superior da cadeia alimentar" - leia-se: aquelas que comem os lagartos, como aves, serpentes e vários grupos de mamíferos. Também ocorreria uma "libertação para as populações de insetos" - aquelas que fazem parte da dieta dos pequenos répteis.

O estudo mapeou regiões dos cinco continentes habitadas por populações de lagartos já extintas. No Brasil, o levantamento foi financiado pelo CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj).

O Globo, 14/05/2010, Ciência, p. 36

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