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Laboratório toma conta de riquezas Economia

Jornal do Commercio-Manaus-AM
Autor: Gabriel Andrade
25 de Ago de 2003

Os grandes laboratórios que transformam essências e extratos de plantas e animais em medicamentos e produtos de alto valor comercial já se apropriaram de quase tudo o que pode interessar à indústria científica na biodiversidade amazônica. A revelação é do botânico Charles Clement, que trabalha para o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), citado em documento do GTAA (Grupo de Trabalho de Assessoria e Articulação) da Assembléia Legislativa do Estado. Clement, que foi ouvido pelo GTAA, revelou que, devido a ação dos biopiratas, a maioria das plantas e animais com potencial econômico já está distribuída por todos os continentes e que agora, o foco da atividade está voltado para os conhecimentos dos indígenas e das comunidades tradicionais.

"É nesse filão que reside o saber hermético de pajés e curandeiros, hoje definido como conhecimento tradicional associado aos recursos biogenéticos", explicou Charles Clement. O botânico define três classes de conhecimento indígena com potencial econômico: as plantas ou animais úteis, não-manejados ou cultivados; animais ou plantas domesticados, sempre manejados ou cultivados e práticas de manipulação de ecossistemas (paisagens domesticadas em vários graus).

Apropriação será reduzida

O GTAA foi criado pelo presidente da ALE, deputado Lino Chíxaro (PPS) para elaborar uma proposta de lei que restrinja a prática da biopirataria no Estado. O grupo que prepara o anteprojeto da Lei da Biodiversidade reúne representantes de dez instituições de ensino, pesquisa, defesa ambiental e indígenas, e tem se reunido com cientistas, pesquisadores e lideranças populares e políticas, buscando informações para subsidiar a proposta.

Ouvido pelo FTAA, o botânico Charles Clement lembrou que o termo biopirataria ganhou destaque a partir da Convenção da Diversidade Biológica, que até então era considerada como patrimônio da humanidade, ou seja, os recursos da biodiversidade pertenciam a todos, países e indivíduos. "Após a convenção, a soberania dos países sobre a sua biodiversidade passou a ser reconhecida internacionalmente", disse.

O Brasil é signatário do documento que considera como ato de biopirataria a prática de bioprospecção sem autorização formal dos governos, da mesma forma que o extrativismo intelectual (apropriação de conhecimentos sem a devida remuneração aos detentores).

A atividade está mais diretamente relacionada à indústria químico-farmacêutica, que movimenta anualmente cerca de US$ 340 bilhões.

Amazônia está na mira

Detentora de um terço da biodiversidade do planeta, a Amazônia é um dos focos mundiais da biopirataria. Na primeira classe apontada por Charles Clement existem entre 500 a 2 mil espécies de plantas e animais. Na segunda classe, esse número é de aproximadamente cem. Nas duas classes estão as plantas medicinais e o conhecimento a elas associado, que são o principal alvo dos biopiratas.

Disfarces e pesquisa

Segundo Clement, os biopiratas são pessoas contratadas por grandes empresas transnacionais ou pequenos grupos especializados em comércio ambiental, que entram nos países como turistas ou pesquisadores. "Os biopiratas estão espalhados por todo o mundo, especialmente nos países detentores de grandes reservas ambientais, e trabalham com o que há de mais moderno em equipamentos de bioprospecção, informática e comunicações", aponta o botânico.

Entretanto, Clement argumenta que a biopirataria não é uma atividade recente, tanto que o descobridor Pedro Álvares Cabral é citado por alguns pesquisadores como o primeiro biopirata a aportar no Brasil, porque, sem autorização dos índios, foi o primeiro a extrair o pau-brasil, uma das maiores riquezas da biodiversidade brasileira.

O roubo dos recursos biogenéticos do país prosseguiu com o Marquês de Pombal e a criação da Companhia das Índias Ocidentais, que iniciou o ciclo das drogas do sertão centrado nas imensas riquezas amazônicas contrabandeadas para a Europa, para abastecer o nascente mercado europeu de medicamentos. Na fase final do extrativismo, o caso mais famoso de biopirataria na Amazônia foi o roubo de sementes de seringueiras, levadas para o Museu Botânico de Londres por Henry Wickham.

Sinésio propõe limite ao acesso a recursos

Para o deputado Sinésio Campos (PT), a frase "moramos em cima da riqueza e vivemos em extrema pobreza", proferida por um cacique de São Gabriel da Cachoeira, expressa o sentimento das comunidades ribeirinhas da Amazônia e a necessidade urgente de o Estado propor um projeto de lei de acesso aos recursos da biodiversidade, de proteção ao saber tradicional e, sobretudo, de combate à biopirataria no Estado.

O parlamentar confirma que o GTAA (Grupo de Trabalho de Assessoria e Articulação) criado pela Assembléia Legislativa do Estado tem realizado estudos, reuniões e debates para subsidiar um projeto socio-econômico para o Amazonas. "A lei deverá proteger os recursos da biodiversidade e colocá-los ao alcance da população, do contrário será mais uma lei inócua", alerta o petista.
Sinésio defende a participação das comunidades interioranas na elaboração do projeto

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