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Karajás em Paris

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Glês Nascimento
21 de Ago de 2005

O encontro de duas culturas

Depois das apresentações no Ano do Brasil na França, eles deixaram sua marca na Europa e voltaram para a Ilha do Bananal com uma nova bagagem cultural e histórica da Cidade Luz

Se para Oswaldo Montenegro se sentir "um americano em Paris" (música Drops de Hortelã) é algo desconcertante, o que seria para um índio da etnia Karajá estar na cidade luz?

Certamente os milhares de quilômetros que separam a América do Norte da França são bem menores do que os que separam a Ilha do Bananal - onde fica a aldeia Fontoura, residência dos Karajá. O idioma também é bem diferente. Na França, além do francês, também se fala o inglês, enquanto que o karajá só se fala nas aldeias dessa etnia indígena.

Mas não é preciso falar francês, nem inglês para contemplar as belezas de Paris e perceber as suas particularidades. "A cidade é boa. É mais friozinho que lá na nossa aldeia". Foi assim, de forma simples, que Isael Kobitihe Karajá sentiu o clima parisiense. Mas a comida não agradou ao paladar tupiniquim. Eles não quiseram nem saber dos pratos franceses refinados e todos os dias almoçavam e jantavam em um restaurante brasileiro. "Tivemos que fazer um contrato com um restaurante brasileiro", afirmou a historiadora Joana Euda Munduruku, da Fundação Cultural do Tocantins, que acompanhou os índios.

Karajá techno
Antes de conhecer a cidade, os índios Karajá foram um espetáculo à parte em Paris. Com vestes coloridas, de penas e flores, e entoando os cantos da Ilha do Bananal, eles causaram frisson nos três dias de apresentação. Bastava subirem no palco para que os flashes disparassem na platéia. "Esse espetáculo foi super, vocês trouxeram pra cá um pedaço da Amazônia", disse Josian Duau, uma francesa aposentada que estava na primeira fila. Ela já esteve na Amazônia, mas não chegou a ver os índios e ficou emocionada de assistir aos rituais sagrados, como o Hetohoky, na Cidade Luz.

No sábado, maior noite de exposição dos índios, os Karajá viraram estrelas pop com a participação deles na apresentação do DJ Zé Pedro, do circuito Rio-São Paulo, que deu uma canja na semana tocantinense, a convite do comissariado francês. Encantado com a apresentação dos índios, ele convidou o grupo para fazer a abertura. "Fiquei louco quando vi o show deles, implorei para que eles subissem comigo. Eles toparam, e eu fiquei muito feliz em mostrar mais esse lado do Brasil", disse, complementando: "o som deles é genuíno, puro, e faz parte da música brasileira que eu toco", comentou.

E foi assim que os Karajá dançaram techno em Paris. O cacique Daniel Coxini disse que achou as batidas techno do DJ parecidas com a música Karajá. "Gostamos da experiência, o som se parece com o nosso", confirmou.

Impressões
Depois do sucesso que os índios fizeram em terras franceses na primeira semana deste mês, com lotação de público no Carreau du Temple, no Espaço Brasil em Paris, pode-se dizer que, além de deixar sua marca na Europa, os índios também voltaram com a bagagem enriquecida de cultura e história mundial. Ficaram encantados com a arquitetura de Paris. "Muito bonita", comentou Weura Karajá ao observar os prédios próximos à Praça da Bastilha, onde a comitiva estava hospedada.

Mas foi em uma visita ao Museu do Louvre (Musée du Louvre), no coração da capital francersa, que o encontro com o passado se deu intimamente. Segundo Joana Euda, no Louvre os índios tiveram a revelação de que eles mesmos fazem parte do processo histórico do mundo. "Para eles foi um aprendizado, e como alguns são professores, a experiência também servirá de suporte para eles em sala de aula", disse Joana.

Em meio às mais de 35 mil obras de arte expostas no local, número que faz do Louvre um dos maiores e mais famosos museus do mundo, os índios observaram que a arte é algo ancestral para a humanidade. "Bem antigo o museu e com obras que a gente só via na TV ou nos livros", recordou o cacique Daniel Coxini Karajá.

Coxini está certo quanto à data do museu. Parte do palácio real do Louvre foi aberta primeiramente ao público como um museu em 8 de novembro de 1793, durante a Revolução Francesa. O seu pátio central, ocupado agora pela pirâmide de vidro do Louvre, encontra-se na linha central dos Champs-Élysées, e dá forma assim ao núcleo onde começa o Axe historique. É lá que se encontra a Mona Lisa (Leonardo da Vinci), a Vitória de Samotrácia (escultura da deusa Atena Niké), a Vénus de Milo (estátua grega de 130 a.C. de Alexandros de Antioquia), enormes coleções de artefatos do Egito antigo, dos artistas clássicos da Europa como Ticiano, Rembrandt, Goya, Rubens ou Renoir, numa das maiores mostras do mundo da arte e cultura humana.

Mesmo sendo a mais famosa obra do Louvre, a Mona Lisa não foi a que mais agradou aos índios. Segundo Joana, eles gostaram mais das exposições egípcias e das obras expressionistas.

Torre Eiffel
Construída por Gustave Eiffel, em 1887 e concluída em 1889, para a data do centenário da Revolução Francesa, a Torre Eiffel foi um dos pontos que os índios mais fizeram fotografias. Deslumbrados com as grades de ferro e a altura da torre - do chão até o topo ela mede 324 metros - eles não perderam a chance de subir até o segundo andar e observar Paris do alto. "Linda vista", surpreendeu-se Coxini Karajá.

Nem o frio, nem a altura intimidaram os visitantes Karajá que, por passarem pelo local engrossaram a estatística de seis milhões de visitantes por ano à Torre Eiffel.

A troca aconteceu. E o que os franceses agradeceram em "merci beaucoup", os Karajás falaram em "tiotoétuke". Em cada língua o mesmo significado: "muito obrigado".

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