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Justiça do Amazonas retoma a audiência do caso de estupros de meninas indígenas de São Gabriel da Cachoeira

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br
Autor: Elaíze Farias
24 de Ago de 2016

Com um ano e dois meses parada, a Justiça do Amazonas Estadual retomou nesta terça-feira (23) a fase de instrução criminal do processo que investiga a violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas de São Gabriel da Cachoeira (a 835 quilômetros de Manaus). Na primeira audiência foram ouvidas no Fórum da cidade quatro das 16 garotas. Elas acusam dez réus, entre eles, comerciantes, servidores públicos e políticos do município, por crimes de estupro e abuso sexual.

A previsão é que as audiências de instrução terminem no final de setembro com a tomada de depoimentos dos réus e das 30 testemunhas de defesa e acusação. Ao todo foram listados pelo juiz Luís Pires Neto depoimentos de 56 nesta fase, que antecede o julgamento do caso.

Em 24 de junho de 2015, a Comarca de São Gabriel da Cachoeira suspendeu a fase de instrução devido à ausência nas audiências de três dos dez acusados, os irmãos Marcelo, Manuel e Arimateia, comerciantes de São Gabriel da Cachoeira. Na ocasião, Marcelo Carneiro fugiu e foi recapturado pela Polícia Federal.

Indagado sobre a paralisação do processo, o Tribunal de Justiça do Amazonas reconheceu que houve demora na retomado desta fase e explicou os motivos. "A Vara de São Gabriel da Cachoeira informou que a magistrada responsável anteriormente [Tânia Granito] pela Comarca, alegou suspeição para referido processo. Outro fator que retardou o início das audiências foi o fato de que alguns réus encontravam-se no período presos em Manaus e a defesa exigia a presença deles nas audiências no município, sem que isso tenha sido viabilizado. O juiz Luís Pires Neto, que passou a responder pela Comarca de São Gabriel da Cachoeira, no final de julho deste ano, providenciou a marcação das audiências, bem como determinou a intimação dos envolvidos para início da instrução processual", disse o tribunal por meio da assessoria de imprensa.

Os crimes contra as meninas indígenas das etnias Tariano, Wanano, Tukano e Baré foram investigados pela Operação Cunhantã da Polícia Federal, que prendeu, em 2013, os dez acusados a pedido do Ministério Público Federal do Amazonas.

Os casos de violência sexual contra as meninas indígenas foram revelados por denúncias da missionária católica Giustina Zanato em 2008, mas só se tornaram públicos em 2013 quando o Ministério Público Federal, em Manaus, passou a investigar os crimes. O processo tramita em segredo de justiça para preservar a integridade física das garotas.

Duas das meninas entraram no Programa de Proteção à Testemunha devido a ameaças de morte dos irmãos Carneiro Pinto. Elas vivem em cidades fora do Amazonas.

Os irmãos Carneiro e mais cinco réus são acusados de comprar a virgindades das meninas em troca de comida, celulares, roupas, frutas e bombons. Duas mulheres são acusadas de aliciamento das garotas com idades de dez a 14 anos. Durante o processo, todos os acusados foram soltos. Os irmãos ganharam a liberdade por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também determinou que o caso passasse da esfera federal para estadual.

Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, o promotor da ação penal, Paulo Alexandre Beriba, que está participando da audiência de instrução no Fórum de São Gabriel da Cachoeira, disse que quatro meninas já prestaram depoimentos, mas sem a presença dos réus. O promotor afirmou que os réus serão interrogados depois que todas as testemunhas forem ouvidas. Posteriormente, ao final do interrogatório, serão chamados os membros do Conselho Tutelar e demais testemunhas.

"Terminados os depoimentos, acontecem as alegações finais das partes e sentença. As oitivas são muito demoradas porque os fatos são complexos e envolvem muitos réus", disse o promotor Alexandre Beriba.

O alerta da impunidade

O município de São Gabriel da Cachoeira tem 43 mil habitantes, sendo que 90% são indígenas de 23 etnias. A morosidade na conclusão do processo penal e possível impunidade nos crimes levou em novembro de 2015, a missionária católica Giustina Zanato, a cobrar celeridade no processo a então presidente do TJAM, desembargadora Graça Figueiredo.

Giustina Zanato, que é ex-presidente Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de São Gabriel da Cachoeira, chegou a receber ameaças de morte, em 2013. Hoje ela vive em Moçambique, na África, por orientação da Igreja Católica, mas nunca deixou de acompanhar o processo.

Para o indígena André Fernando Baniwa, presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana, no Alto Rio Negro (Amazonas), a demora no julgamento dos crimes revela "o descaso, a omissão e a justiça se solidarizando com o que é crime no país."

A Amazônia Real apurou que a Justiça não comunicou a realização da audiência de instrução ao Conselho Tutelar e nem ao Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), as duas principais instituições que denunciaram os casos de exploração sexual das meninas indígenas desde 2008, primeiro para a Polícia Civil, depois para o Ministério Público Federal.

Uma conselheira tutelar ouvida pela reportagem, que refere não ser identificada por temer ameaças, disse que soube a respeito da audiência por terceiros. Ela demonstrou preocupação com as vítimas que participam desta fase do processo.

O conselheiro Renato de Almeida Souto, do Movimento Nacional de Direitos Humanos da Região Norte, também questionou a morosidade da realização da audiência de instrução. Para ele, a demora "fragilizou as vítimas". Ele defendeu que as vítimas sejam ouvidas em vídeos conferências para que sejam protegidas.

"Espero que o juiz leve em conta os testemunhos das vítimas junto com as provas materiais. As circunstâncias e consequências do crime são graves e potencialmente lesivas à paz social da comunidade e das próprias vítimas, considerando os efeitos traumáticos do ato para o resto de sua vida", afirmou Souto.

Renato Souto chegou a defender a federalização do processo criminal, mas reconsiderou em função do risco do caso voltar à estaca zero e demorar mais ainda. "Na época, pedimos a federalização, mas os acusados ganhariam tempo saindo de uma instância para outra. Então, teria muita demora. Esse juiz da Comarca, espero que seja ótimo juiz e cuide logo desse julgamento", afirmou.

Os dez acusados, que serão ouvidos na audiência de instrução na Comarca de São Gabriel da Cachoeira, são Aelson Dantas da Silva, Agenor Lopes de Souza, Artenísio Melgueiro Pereira, Hernanes Cardoso Garrido, Moacy Alves Maia e os irmãos Marcelo, Manuel e Arimateia Carneiro Pinto. Duas mulheres acusados de aliciamentos também prestaram depoimentos; Adriana Lemes de Vasconcelos e Maria Auxiliadora Tenório Sampaio.

Na denúncia, o procurador da República Edmilson Barreiros diz que "laudos dos exames de corpo de delito realizados nas vítimas foram conclusivos, apontando todos positivos para conjunção carnal". Uma das meninas engravidou de um dos acusados.

Dos dez acusados, a reportagem da Amazônia Real conseguiu falar apenas com o advogado Mário Victor Aufiero, que defende o comerciante Manuel Carneiro Pinto. Ele afirmou que estaria na audiência e que será o momento de "esclarecer tudo".

"Não posso lhe dar muitas informações. Porque é em segredo de justiça. Este é o momento de instrução criminal. E é nesse momento que se apura todos os fatos. De ouvir as vítimas, se houver, testemunha de acusação, testemunha de defesa. É o momento de esclarecer tudo", disse Aufiero. Para o advogado, o juiz tem que agir com "com imparcialidade" em um caso descrito por ele como "complexo".

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