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Júri absolve acusado por morte de Dorothy Stang

FSP, Brasil, p. A4
07 de Mai de 2008

Júri absolve acusado por morte de Dorothy Stang
Tribunal considera que o fazendeiro Bida não pode ser considerado mandante do crime
Freira norte-americana, que atuava como agente da Comissão Pastoral da Terra, foi assassinada em 2005 com seis tiros em Anapu (PA)

João Carlos Magalhães
Da agência Folha, em Belém

O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido ontem da acusação de ser o mandante do assassinato, em fevereiro de 2005, da freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang.
Por cinco votos a dois, o Tribunal do Júri de Belém considerou que ele não é culpado do crime de homicídio doloso duplamente qualificado. Bida, que estava preso desde março de 2005, foi libertado por volta das 20h de ontem. O Ministério Público vai recorrer da decisão.
O pistoleiro Rayfran das Neves, o Fogoió, que havia confessado ter atirado em Dorothy, também foi julgado ontem. Ele foi considerado culpado e sentenciado a 28 anos de prisão em regime fechado.
Foi o segundo júri de Bida no caso. O primeiro havia ocorrido em maio de 2007. Daquela vez, ele havia sido condenado a 30 anos de prisão.
Neves foi submetido ontem ao seu terceiro júri. No primeiro, em dezembro de 2005, foi condenado a 27 anos de prisão. Teve direito a novo julgamento, em outubro do ano passado, no qual a condenação foi mantida -e que foi anulado por irregularidades.
"Estou muito desapontado, mas respeito o Estado brasileiro e a opinião [do júri]", afirmou David Stang, irmão de Dorothy, que veio dos EUA.
A morte de sua irmã teve repercussão internacional e se tornou um marco do conflito agrário brasileiro. No momento do anúncio da decisão, David Stang se mostrou apático, diferentemente dos familiares e amigos de Bida.
A uma fileira de distância, eles rezavam e davam as mãos enquanto o juiz falava. Quando o magistrado Raimundo Flexa afirmou que o fazendeiro havia sido considerado inocente, os familiares e parentes se mantiveram em silêncio durante alguns minutos. Em seguida, começaram a se abraçar e se congratular. Todos usavam uma camiseta com uma foto do fazendeiro e os dizeres: "Eu confio na justiça de Deus".

Foto
Antes mesmo de ser oficialmente anunciado o resultado, ainda no banco dos réus, Bida já chorava. No final, sorrindo, posou para os fotógrafos segurando sua sentença e foi abraçado efusivamente por seu advogado. Bida se limitou a dizer que estava "feliz" com a decisão.
Fora do tribunal, cerca de 500 agricultores -que ocupavam uma praça próxima ao tribunal desde segunda-feira com carro de som, barracas e faixas em lembrança da religiosa- preparavam-se para uma celebração, que acabou não sendo realizada.
Ontem, o julgamento abriu espaço para as falas da acusação e para os advogados de defesa. Anteontem, quando começou o júri, os jurados ouviram os acusados e os depoimentos de testemunhas. Bida voltou a negar a culpa. Neves disse que a arma do crime era sua e que não houve mandante. Para a Promotoria, esse depoimento foi essencial para a reviravolta do caso.
A defesa de Bida, durante o julgamento, atuou de maneira agressiva, com gritos estridentes e um discurso segundo o qual o réu estava sendo "perseguido" por causa da pressão da mídia, do governo e de ONGs internacionais.
"Eles querem um culpado de qualquer maneira", disse o advogado Imbiriba durante a argüição, na qual também argumentou que Dorothy incitava a violência na região de Anapu, onde foi assassinada.
Além disso, ele tentou convencer os jurados de que o amadorismo do crime não era compatível com uma morte encomendada, como dizia a acusação. No final do julgamento houve bate-boca entre advogado e acusação.
Em sua fala final, o promotor Edson de Souza, disse que a missionária, "que foi tão perseguida em vida", estava "sendo insultada depois de morta".
Colaborou Sílvia Freire , da Agência Folha

Irmão de missionária diz estar "chocado" com a decisão do júri

Da reportagem local

Irmão da missionária Dorothy Stang, David Stang, 70, afirmou que está "chocado" com o resultado do julgamento.
"Os argumentos do promotor foram excelentes, até mesmo melhores do que no último julgamento. Por isso tínhamos grande esperança e expectativa. Estou profundamente chocado", disse, por telefone.
"Como podemos, em um ano, sair de um placar pela condenação para exatamente o contrário, ele ser libertado? Por favor, me diga", completou.
David vive em Palm Lake (EUA) e chegou ao Brasil no último dia 30. "Sou uma pessoa racional. Como isso pode acontecer? É como se os que foram assassinados continuassem sofrendo", afirmou.
José Batista Afonso, advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e integrante da coordenação nacional do braço agrário da Igreja Católica, afirmou que o resultado comprova as denúncias de impunidade no Estado. "De mais de 800 assassinatos cometidos no campo no Pará nos últimos 35 anos, não há mais nenhum mandante cumprindo pena atrás das grades", afirmou o advogado.

FSP, 07/05/2008, Brasil, p. A4

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