VOLTAR

Juíza manda União indenizar trabalho escravo

FSP, Brasil, p. A9
15 de Fev de 2006

Juíza manda União indenizar trabalho escravo
Decisão inédita determina pagamento de R$ 2,8 milhões para 54 trabalhadores; governo vai recorrer

Em decisão inédita no Brasil, a juíza federal do Trabalho Rosângela Cipriano dos Santos, 45, de Colorado do Oeste (RO), condenou a União a indenizar 54 trabalhadores rurais que, em 2003, foram resgatados da situação análoga à de escravos pela fiscalização do Ministério do Trabalho.
A juíza determinou que a União pague a cada um deles R$ 52 mil, como indenização por danos morais. O governo teme que a sentença desencadeie uma avalanche de ações judiciais semelhantes, o que poderia comprometer o próprio futuro do programa de combate ao trabalho escravo. A Advocacia Geral da União informou que irá recorrer da sentença.
Nos últimos dez anos, segundo dados oficiais, 17.235 pessoas foram resgatadas de situações análogas ao trabalho escravo, sendo cerca de 12 mil no governo Lula. Se todos fossem indenizados no valor estipulado pela juíza, a União teria de desembolsar cerca de R$ 900 milhões.
Precedente
Em julho de 2003, a Presidência pagou indenização especial de R$ 52 mil a José Pereira Ferreira, por ter sido submetido à condição análoga à de escravo e a lesões corporais na Fazenda Espírito Santo, no Sul do Pará, em 1998.
O caso de Pereira foi denunciado à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos) e ganhou repercussão internacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a indenizar o trabalhador.
A juíza estendeu os efeitos da lei 10.076/03, que era específica para indenizar José Pereira, aos 54 trabalhadores que entraram com o pedido de indenização. Em entrevista à Folha, ela disse que a Constituição não permite que uma lei beneficie apenas a uma pessoa.
No entendimento do vice-presidente da OAB nacional, Aristóteles Atheniense, foi criado um precedente, que pode ser evocado pelos demais trabalhadores: ""O governo deveria ter autorizado a indenização por meio de decreto, e não por lei. A Constituição diz que a lei é feita para todos, e que todos são iguais perante a lei".
Segundo a Folha apurou, o Ministério do Trabalho não sabia da tramitação da ação. Existe uma outra, com igual pedido de indenização, envolvendo 31 lavradores resgatados da fazenda Tapyratynga (em Corumbiara, RO).
As duas ações foram iniciativas do advogado Marcelo Azevedo Jorge, de Maringá (PR), que propôs aos trabalhadores que entrassem com a ação de indenização.
O Ministério do Trabalho disse que só irá se manifestar sobre o caso no processo judicial, mas considera que o caso de José Pereira difere dos demais. O argumento é de que houve omissão do Estado, no caso de Pereira, ao passo que, nos demais, foi o próprio governo que resgatou os trabalhadores e obrigou os empregados a pagarem os direitos trabalhistas.
Casa própria
O paranaense Irton Klemann, 35, operador de motosserra, é um dos 54 que ganharam, em primeira instância, o direito à indenização. Desempregado, pai de três filhos, ele diz que planeja comprar uma casa -caso receba a indenização-, e que trabalhou durante três meses na Fazenda São Joaquim, em Rondônia, antes que a fiscalização chegasse ao local, em 2003, e o resgatasse junto com mais cerca de 200 pessoas.
No momento, procura emprego e teme que o fato de ter movido ação contra a União lhe atrapalhe a conseguir um emprego.

FSP, 15/02/2006, Brasil, p. A9

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.