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Juíza avisa que caminhões com madeira ilegal serão leiloados

Carta Maior
Autor: Verena Glas
15 de Fev de 2006

SÃO PAULO - Ariquemes, município de 75 mil habitantes que fica a cerca de 200 km da capital de Rondônia, Porto Velho, vive, desde a última sexta-feira (10), um bloqueio em uma de suas principais rodovias de acesso, promovido por madeireiros e toreiros (extratores de toras de madeira). O protesto tem como alvo a decisão da juíza Duília Reis de que, a partir desta semana, seja cumprida na comarca de Ariquemes a lei federal 9605/98 de Crimes Ambientais.

Segundo moradores locais, o bloqueio dos madeireiros, que está atingindo também Porto Velho, já está deixando a cidade sem combustível e mantimentos. "Na segunda (14), os madeireiros e toreiros fecharam as duas vias de acesso para a cidade, na BR-364, e hoje já estamos sem combustível nos postos. As filas de carros são quilométricas", afirma Eliane Rudey, coordenadora de cultura da Secretaria Municipal de Educação de Ariquemes.

A aplicação da lei 9605/98, que prevê a retenção dos instrumentos da prática de crime ambiental, no caso levará à retenção e ao leilão dos caminhões pegos com madeira ilegal.

"Na verdade não foi uma determinação minha, e aplicações dessa lei não é uma novidade nem em Rondônia nem em outros Estado", explica a Dra. Duília. "Apenas fizemos uma reunião com o setor madeireiro e explicamos que vamos cumprir a lei, que determina a perda do carregamento e do caminhão pego com madeira ilegal. Nos oito anos de sua existência [da lei], procuramos possibilitar a adaptação do setor madeireiro às normas legais, mas 90 entre 100 caminhões autuados são reincidentes. Por isso reunimos o setor na última terça (7) e avisamos que a lei será aplicada. Alguns dias antes, caminhões apreendidos foram soltos em seguida e passaram caçoando na frente do Ibama. O protesto do setor agora pode ser interpretado como uma afirmação do tipo: eu pratico um crime, vou continuar praticando e ninguém vai impedir", diz a juíza.

Segundo Duília, a medida de leiloar os caminhões - que será tomada apenas depois de um processo jurídico com amplo direito de defesa dos réus - deve funcionar mais como uma medida pedagógica, já que, em cada mil carregamentos ilegais, o Ibama só consegue autuar dez. "Acontece que a madeira aqui é muito barata, apenas reter o carregamento não atinge os toreiros e madeireiros. Já a perda do caminhão é um golpe mais duro, pode inibir a atividade", avalia a juíza.

ILEGALIDADE
"Os madeireiros estão acabando com a floresta na região, e do jeito que a madeira está barata não vale a pena trabalhar na legalidade", desabafa o chefe do escritório regional do Ibama em Ariquemes, Evandro Hagemann. O principal motivo do avanço do desmatamento, avalia, é a falta de estrutura do próprio Ibama ("somos 12 em Ariquemes, nenhum de nós é fiscal, não temos nem como ir a campo. Ficamos no escritório cuidando de burocracias') e a não implementação das normas legais pelo Estado.

"Aqui na região temos duas Florestas Nacionais (Flonas) completamente ocupadas e devastadas; na Flona Bom Futuro existem até pequenas vilas com cerca de 10 mil pessoas. Essa invasão vem ocorrendo nos últimos quatro ou cinco anos. As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e reservas legais também são devastadas, dando lugar a campos de pastagem. Aqui a terra só da para pasto porque o solo é muito arenoso", explica o chefe do Ibama.

Segundo Hagemann, existem em Ariquemes cerca de 380 serrarias registradas, mas outras 120 ilegais operam normalmente. São alimentadas pelos toreiros, que retiram a madeira da mata e oferecem nas serrarias pelo melhor preço. É problema do madeireiro 'esquentar' a madeira, o que acontece principalmente através de falsificação de Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs), afirmam Hagemann e a juíza Duília.

Segundo o chefe do Ibama, apesar de não trazer nenhum benefício fiscal para a cidade e o Estado, o desflorestamento ilegal acaba sendo fonte de renda de grande parte da população, sendo que seus promotores recebem o apoio inclusive do próprio governador e de parlamentares federais.
"Já é uma cena deprimente ver toreiros, uma classe explorada de miseráveis que vivem fazendo o serviço sujo para latifundiários e madeireiras clandestinas, defendendo nas ruas o interesse de quem os explora. Mas é compreensível pelo nível de ignorância que os domina. E ainda se juntaram a esses os comerciantes da cidade, fechando o comércio em apoio às reivindicações [dos madeireiros]. Também é lamentável ver os políticos, o governador, deputados, prefeitos e vereadores, declarando abertamente seu apoio a uma reivindicação que só traz destruição e miséria para o povo pobre da Amazônia", indigna-se Eliane Rudey.

NEGOCIAÇÕES
Uma reunião entre a diretoria de florestas do Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, a bancada federal de Rondônia e representantes dos madeireiros de Ariquemes nesta quarta-feira (15), em Brasília, negociou alguns acordos para que os manifestantes suspendessem o protesto e desbloqueassem a cidade.

Segundo Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama, o órgão não pode deixar de cumprir a legislação federal, principalmente porque o Estado já desmatou grande parte de suas florestas. "Existe uma escassez de madeira, a floresta já não atende a demanda", explica.

O que foi acordado são uma série de medidas para facilitar a exploração legal dos recursos florestais, como uma agilização, por parte do Ibama, das vistorias de projetos de manejo apresentados pela Associação de Extratores de Toras e Indústrias Madeireiras de Rondônia (Atimer), o estabelecimento de regras de manejo de baixa intensidade para áreas pequenas e médias, e colaboração da Atimer no combate à ilegalidade no comércio de madeira no Estado, entre outras.

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