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Juiz manda prender tres suspeitos de matar missionaria americana no Para

OESP, Nacional, p.A4
14 de Fev de 2005

Juiz manda prender três suspeitos de matar missionária americana no Pará Corpo de irmã Dorothy, assassinada no sábado em Anapu, chegou a Belém em meio a protestos de entidades ligadas a direitos humanos
Carlos MendesEspecial para o Estado Colaborou: Ana Paula Scinocca
BELÉM A Justiça do Pará decretou ontem a prisão temporária de três suspeitos de participação no assassinato da missionária americana Dorothy Stang, de 73 anos, ocorrido no sábado em Anapu, a 500 quilômetros de Belém. Para não atrapalhar a busca dos foragidos, os nomes não foram divulgados. A morte de irmã Dorothy, que era conhecida internacionalmente, revoltou ambientalistas e entidades de direitos humanos. Apesar de já ter enviado ministros e reforços da Polícia Federal ao Estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou ontem para a Venezuela preocupado com a apuração do caso.
Irmã Dorothy, naturalizada brasileira, trabalhava havia 40 anos no País. Atuava junto aos trabalhadores rurais, defendia o desenvolvimento sustentável de pequenas comunidades da Amazônia e a reforma agrária. Era detestada por fazendeiros e madeireiros e desde 2001 era jurada de morte. Denunciou seguidamente as ameaças às autoridades - até mesmo ao secretário especial de Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda -, mas nunca recebeu proteção policial. Acabou morta numa emboscada, a 50 quilômetros de Anapu.
Para decretar a prisão, o juiz substituto da comarca de Pacajá, Lauro Alexandrino Santos, se baseou no depoimento de duas testemunhas. Sob proteção da PF, eles descreveram os pistoleiros e deram detalhes de como a missionária foi abordada, numa trilha na mata, e atingida com nove tiros.
Uma força-tarefa formada pelas Polícias Civil, Militar e Federal montou barreiras na Rodovia Transamazônica para tentar capturar os criminosos. Segundo informações preliminares, seriam dois pistoleiros - conhecidos como Eduardo e Pogoió - e um intermediário, chamado Tinair.
PROTESTOS
O corpo de irmã Dorothy foi levado ontem de Anapu para Belém, onde chegou no final da tarde. Entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e da reforma agrária protestaram, denunciando mortes de sindicalistas e de sem-terra em várias localidades do Pará. Disseram que a impunidade é marca da região.
Em Altamira, a 150 quilômetros de Anapu, outras entidades e movimentos sociais promoveram um encontro para homenagear a missionária. "Foi um choro só", relatou o coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário. "A morte dela foi anunciada. É uma perda irreparável."
O Greenpeace entregou aos ministros Nilmário e Marina Silva (Meio Ambiente), que estão no Pará, uma carta endereçada a Lula, na qual exige "punição exemplar" para os assassinos de irmã Dorothy.
Governo abre inquérito na PF e põe Abin no caso
Mariângela GalluciTânia MonteiroColaborou: Cida Fontes
BRASÍLIA - Para evitar que a morte da freira Dorothy Stang fique sem solução - e por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -o governo antecipou-se à decisão da Justiça sobre a transferência ou não das investigações para a esfera federal e abriu um inquérito na Polícia Federal (PF) para apurar o assassinato. Dois agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foram enviados especialmente ao local do crime para auxiliar o trabalho dos investigadores e dos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.
Um fato novo surgiu na noite de sábado. Foi encontrado em Anapu o corpo de um homem. Os agentes investigam se há relação entre os dois assassinatos. Além disso, os policiais estão a procura de dois suspeitos de terem executado a freira. "Estão fazendo retratos-falados dos suspeitos e levantamentos de suas identidades", contou Nilmário Miranda, por telefone. "Tem muita testemunha e informação", disse.
Depois de muita dificuldade por causa do mau tempo na região, o corpo de Dorothy chegou ontem à tarde em Belém onde deveria ser realizada uma necrópsia. Após o procedimento, a freira deveria ser velada na capital e hoje deverá ser transportada para Altamira, onde será homenageada. Em seguida, o corpo deverá ser enterrado em Anapu.
Em Brasília, está programada para hoje a criação de uma comissão mista no Congresso para ir ao Pará. Amanhã haverá uma reunião da qual participarão Marina Silva e os ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, e Ciro Gomes, da Integração Nacional.
Associação de madeireiras culpa governo pelo crime
A Associação das Indústrias Madeireiras de Santarém e Região (Asimas) divulgou ontem nota de repúdio ao assassinato da missionária Dorothy Stang, de 73 anos. No texto, a associação afirma que a religiosa foi vítima da "falta de regularização fundiária" e diz que a ausência de estrutura de órgãos responsáveis pelo setor, "incapazes de dizer a quem pertence a terra, juntamente com a ganância de pessoas inescrupulosas, faz explodir constantes conflitos agrários que só prejudicam a imagem do setor produtivo regional, do Estado do Pará e do Brasil".
A associação diz ainda acreditar em "soluções pacíficas" para os graves problemas fundiários. "Precisamos dar um basta nisso, antes que outras vidas ainda venham a perecer."
Segundo a Asimas, o setor de base florestal tem sido alvo constante de críticas quanto a grilagem de terra e destruição de florestas. "Mas é preciso esclarecer que o empresário florestal não quer a posse da terra, apenas a matéria-prima para manter sua indústria", destaca a entidade na nota. "Até agora, infelizmente, o poder público ainda não apresentou uma solução para desvincular essas duas coisas, resolvendo de vez a falta de madeira para a indústria do setor. Nós não desejamos o conflito e nem a devastação ambiental.
Pelo contrário, nós precisamos das árvores em pé. Por isso, defendemos a desburocratização dos projetos de manejo florestal, única forma de garantir a sustentabilidade da floresta." A Asimas ressalta que, assim como Dorothy Stang, também luta pela paz no campo.
'Eles não teriam coragem de me matar' Dez dias antes do crime, freira disse ao 'Estado' que, apesar das ameaças, não fugiria
Carlos Mendes
BELÉM - Ela tinha um idealismo contagiante, raro em uma mulher de 73 anos. Fala mansa, palavras recheadas de esperança em uma vida melhor para os assentados de seu Projeto de Desenvolvimento Sustentado (PDS) em Anapu, a missionária Dorothy Stang parecia não temer as ameaças que a cercavam. "Os pistoleiros não teriam coragem de matar uma mulher velha como eu", disse ela, ao dar sua última entrevista ao Estado, dez dias antes do crime.
Amada pelos lavradores pobres, mas odiada por fazendeiros e madeireiros da região sudoeste do Pará, ela era chamada de "santa" pelas famílias a quem atendia, e de "satanás da Transamazônica" por seus desafetos. "Sei que eles querem me matar, mas não vou fugir. Meu lugar é aqui, ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas por gente que se considera poderosa", afirmou irmã Dorothy, em sua última entrevista a um jornalista do Pará, na quarta-feira, dia 2 de fevereiro. A seguir, os principais trechos da entrevista, que não chegou a ser publicada:
Irmã Dorothy, o projeto em que a sra. trabalha está indo bem?
Não, não está nada bem. Nosso povo anda angustiado com a demora do Incra em fazer a marcação dos lotes. Os fazendeiros e os madeireiros estão com vários pistoleiros espalhados pelo PDS.
O que eles estão fazendo?
Eles invadem os lotes, apontam armas e ameaçam matar o nosso povo, tudo na frente de crianças, doentes e idosos. É um sofrimento muito grand e.
E isso está sendo comunicado às autoridades do Pará e federais?
Já fizemos isso várias vezes, mas eles, a polícia de Anapu e da região, quando aparecem por lá, ao invés de desarmar os pistoleiros, prendem e tomam as espingardas dos trabalhadores. Você sabe, a espingarda é arma para caçar e também para o povo se defender de quem o ameaça.
A senhora não deveria tomar mais cuidado com a sua segurança?
Meu caro, os pistoleiros não teriam coragem de matar uma mulher velha como eu. Eles querem matar os mais novos.
Fala-se que é gente de fora do Pará, muitos até foragidos da polícia e da Justiça de outros Estados ...
Eu acredito em Deus e sei que ele está comigo. Mas prefiro falar de vida, não de morte. O povo tem um projeto de uma vida melhor com o PDS. Não tenho tempo de pensar em coisa ruim. Mas, se eles me matarem, eu gostaria de ser enterrada em Anapu, junto daquele povo humilde. Para mim, nada substitui a alegria de ver o nosso povo feliz. Quero ainda viver muito para ver a alegria completa deles, todos assentados no PDS.
No mesmo dia, colono é morto em Anapu De acordo com a polícia, grupo ligado à missionária poderia estar envolvido
Carlos Mendes
BELÉM - A Polícia Militar do Pará encontrou ontem um colono morto dentro de uma área do Projeto de Desenvolvimento Sustentado (PDS) - do qual participava a missionária Dorothy Stang - em Anapu. A vítima, identificada como Adalberto Xavier Leal, ou Cabeludo, recebeu vários tiros de um grupo armado.
As primeiras informações fornecidas ontem pela polícia indicam que um grupo de pessoas ligado a Irmã Dorothy pode estar envolvido com a morte. O crime seria uma espécie de ajuste de contas na região, onde fazendeiros, madeireiros e agricultores disputam a posse de uma área de mais de 120 mil hectares de terras públicas.
Ainda de acordo com a polícia, Xavier Leal estava trabalhando na instalação de estacas para cercar o terreno de uma gleba, cuja propriedade é questionada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O local é alvo de disputa entre os colonos do assentamento e um fazendeiro, que havia contratado Cabeludo para construir a cerca.
TESTEMUNHAS
A mulher do colono, Ana Maria Rodrigues da Silva, disse À polícia que Xavier Leal aceitou fazer a cerca porque a família está passando necessidade.
No sábado, por volta das 23 horas, os matadores chegaram ao barraco da família perguntando por uma motocicleta. Xavier teria respondido que não sabia de nada a respeito. Aproveitou para afirmar que não tinha nenhuma relação com a morte de irmã Dorothy.
Ainda de acordo com os depoimento da mulher, em seguida houve disparos de revólver.Ela correu para socorrer o companheiro, enquanto os matadores fugiam. A filha da vítima, M. L., garante ter reconhecido entre os oito homens que invadiram o barraco um técnico que trabalha para o Incra no PDS Esperança, conhecido por Geraldo, e outro identificado pelo prenome de Cláudio.
OESP, 14/02/2005, p.A4

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