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Juiz dos EUA condena brasileira a agir de novo no local do crime

OESP, Vida, p. A28
18 de Jun de 2005

Juiz dos EUA condena brasileira a agir de novo no local do crime
Antropóloga foi sentenciada por ter contrabandeado arte indígena e vai prestar serviços em plena Amazônia
Ricardo Westin

A Justiça dos Estados Unidos aceitou fazer um estranho acordo com uma brasileira que tem cidadania americana. A antropóloga Rosita Herédia, de 43 anos, confessou ter cometido naquele país o crime de vender peças de arte indígena feitas com peles, penas, garras, dentes e ossos de animais da Amazônia ameaçados de extinção. Ela, que mora nos EUA desde os anos 80, terá de fazer viagens à Amazônia nos próximos dois anos para prestar serviços em entidades - que ela mesma escolheu - de proteção dos índios e da floresta.
A sentença era tudo o que a antropóloga queria. "Minha cliente ficou encantada", afirmou, de seu escritório na Carolina do Norte, o advogado Lyle Yurko. "Ela temia que fosse obrigada a trabalhar com algo fora de sua área, como levar crianças pobres para a Disney World ou servir sopa a moradores de rua. Ela vai ficar em contato com a natureza."

Para escapar do julgamento, a defesa propôs um acordo, aceito pela Promotoria. O juiz federal Terrence Boyle, porém, ordenou que os trabalhos comunitários fossem feitos não nos EUA, mas na Amazônia. Caso enfrentasse o julgamento, ela poderia ter sido condenada a 6 anos de prisão e ao pagamento de uma multa de US$ 350 mil (cerca de R$ 850 mil).

O crime ocorreu em 1998, quando a antropóloga vendeu 1.000 peças indígenas a um colecionador de Washington D.C. por US$ 400 mil (cerca de R$ 1 milhão). Entre as peças havia máscaras, cocares, brincos, colares, flechas e instrumentos musicais de índios da Amazônia. Segundo a Promotoria, mais de 200 peças da coleção feriam a lei americana de proteção de aves ameaçadas.

A transação foi denunciada à Justiça após uma investigação do Fish & Wildlife Service (o Ibama americano). As peças agora estão sob os cuidados do governo dos EUA. Diante das evidências, como os recibos, Rosita acabou confessando o crime.

A antropóloga é investigada também no Brasil, pela Polícia Federal e pela CPI da Biopirataria. Em fevereiro, como parte da Operação Pindorama (investigação do contrabando de produtos feitos com animais silvestres), a PF apreendeu na casa dos pais de Rosita, no Rio, cerca de 700 peças de artesanato indígena, incluindo um colar de dentes de onça, que, segundo peritos, custou a vida de 11 animais.

"Ela tinha documentos do Ibama e da Funai que autorizavam a saída do material do Brasil. Estamos investigando se esses papéis foram obtidos ilegalmente", disse o delegado Paulo de Tarso Teixeira, da Divisão de Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente.

Em janeiro, deputados e delegados foram a Orlando, na Flórida, interrogar Rosita. Concluído o inquérito da PF, ela deve ser denunciada à Justiça.

DEFESA

Rosita admite que praticou o crime, mas sem intenção. "Cometi uma violação técnica. Não tinha como saber se uma pena é de uma ave ameaçada."

Ela diz que quase todas as peças foram adquiridas em lojas da Funai e que só uma pequena parte foi comprada diretamente dos índios da Amazônia. "Parece que estão querendo desestimular os índios, fazê-los desistir de sua cultura. Para quê? Para que virem plantadores de soja?"

A intenção de Rosita era criar um museu de arte indígena nos EUA e outro no Brasil. Segundo ela, parte da coleção teve de ser vendida em 1998 porque estava se separando do marido e não tinha dinheiro para pagar as despesas do divórcio ou conseguir a guarda da filha. "Foi desesperador ter de me desfazer daqueles objetos."

A Justiça ainda não decidiu quantas vezes Rosita terá de ir à Amazônia nem se a viagem será custeada por ela. "A sentença a põe em contato com o objeto do delito", diz o coordenador da Operação Pindorama, delegado Jorge Pontes. "É como condenar Michael Jackson a cuidar de um colégio de meninos."

OESP, 18/06/2005, Vida, p.A28

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