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'Jucalândia' ajuda até a ex-sogra

OESP, Nacional, p. A10
23 de Nov de 2010

'Jucalândia' ajuda até a ex-sogra
O senador Romero Jucá (PMDB), que sonha em presidir o Congresso e governar o Estado, faz de Roraima um feudo familiar

Andrea Jubé Vianna
Enviada especial/ Boa Vista

Nomeado pelo então presidente da República, José Sarney, para governar o antigo território de Roraima no final dos anos 80, o pernambucano Romero Jucá estabeleceu-se na região e construiu um império inspirado em seu padrinho político. Assim como a família Sarney controla o Maranhão há décadas, Roraima transformou-se num feudo da família Jucá. O poder desmedido do hoje senador e líder do governo Lula permitiu nomear até a ex-sogra, de 78 anos, como "assessora".
A "Jucalândia" - como definem personagens dos meios político e jurídico de Roraima ao falar do poder do clã - inclui o controle, por meio de terceiros, de duas emissoras repetidoras de TV, Record e Bandeirantes, e a rádio Equatorial 93,3 FM. A Band está em 8 dos 15 municípios.
No plano político, o alcance é mais amplo. Num Estado onde vivem 400 mil pessoas e detém o voto mais caro do País, o líder do governo Lula assegurou mais oito anos no Senado, conseguiu eleger a ex-mulher e ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Jucá, deputada federal, e o filho mais velho, Rodrigo Jucá (o "Juquinha"), deputado estadual - o segundo mais votado. Levando-se em conta apenas o dinheiro gasto em campanha, Roraima exigiu um "investimento" de R$ 120 por voto.
Governo 2014. Num cenário esboçado por analistas políticos locais para os próximos anos, a partir do resultado das eleições deste ano, Romero Jucá pode se tornar governador em 2014. O projeto de poder passa, antes, pela recondução de Teresa Jucá à Prefeitura de Boa Vista em 2012 e pela eleição de Rodrigo para a presidência da Assembleia Legislativa.
No plano nacional, Jucá faz movimentos discretos para se candidatar à presidência do Senado, caso Sarney não tente se reeleger. Em 2005, quando assumiu o Ministério da Previdência Social, não completou seis meses na pasta, após a avalanche de denúncias que o tiraram do cargo.
"Com o poderio que eles têm na mão, é possível (a concretização desse cenário)", comenta o atual presidente da Assembleia Legislativa, Mecias de Jesus (PR), uma das poucas vozes de oposição a Jucá no Estado, além do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB). "O governador deu metade do governo pra ele, sendo que na outra metade ele já mandava. Ele virou o rei do Estado", resume Mecias. Para exemplificar, afirma que, na ausência do governador reeleito Anchieta Júnior (PSDB), Jucá até "convoca reuniões do secretariado".
Família empregada. Jucá domina diversos órgãos no Estado, como a Funasa, na área de saúde, e a Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), uma autarquia na área de infraestrutura. Um dos exemplos mais visíveis da influência do senador nesses órgãos é o ex-coordenador regional da Funasa, Ramiro Teixeira, atual presidente da Codesaima.
O senador é "padrinho" da indicação de Teixeira para o comando da Funasa no Estado em 2005. No entanto, ele deixou o cargo após ter sido preso, em 2007, no âmbito da Operação Metástase da Polícia Federal, apontado como líder de um esquema de fraudes em licitações na Funasa. Teixeira acumula a presidência do órgão com o cargo de conselheiro administrativo.
A Codesaima, que obteve poucos meses antes da eleição autorização da Assembleia Legislativa para contrair empréstimo de R$ 140 milhões, é apontada como cabide de empregos do governo local. Somente em abril, 80 pessoas foram nomeadas para cargos em comissão. Entre elas, a ex-sogra de Romero Jucá, dona Aurélia Saenz Surita, mãe de Teresa. Com mais de 78 anos, ela foi empossada como "assessora de diretor".
Além disso, o senador emplacou a enteada Luciana Surita, filha de Teresa, no governo estadual. Há dois anos ela comanda a Fundação Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia de Roraima (Femact).
A nomeação de Luciana só foi possível após a aproximação de Jucá de seu ex-adversário político, José de Anchieta Júnior. Na eleição de 2006, ambos estavam em lados opostos e Jucá perdeu a corrida para o governo do Estado para Ottomar Pinto (PSDB). Na época vice-governador, Anchieta assumiu o comando do Estado após a morte de Ottomar, em 2007.
Gafanhoto. Com uma economia precária, Roraima responde por apenas 0,1% do PIB brasileiro e sobrevive às custas de recursos federais. A penúria é tão patente que as secretarias de Estado funcionam com telefones cortados por falta de pagamento. No entanto, mais da metade da população consta da folha de pagamento do governo estadual, inclusive a primeira-dama, Shéridan Steffany de Oliveira, nomeada pelo marido para a Secretaria Extraordinária de Promoção do Desenvolvimento Humano, com salário de R$ 15 mil.
"O povo tem saudades dos gafanhotos. O gafanhoto é que é bom: come e deixa comer", filosofa o taxista Francisco, que transportou a reportagem em Boa Vista. Ele se referia ao escândalo que estourou em 2003, quando a Polícia Federal descobriu 5 mil funcionários fantasmas, indicados por políticos, na folha de pagamento estadual.
Apontado como um dos mentores do esquema - e recentemente condenado a seis anos de prisão -, o deputado Jalser Renier (DEM) sobrevive na política local. Ele é líder do governo Anchieta Júnior (PSDB) e um dos aliados locais de Jucá.

Riqueza à margem do TSE
Os bens espalhados pelo Estado e fáceis de encontrar na capital, Boa Vista, não batem com as declarações feitas à Justiça Eleitoral

A declaração de bens de Romero Jucá à Justiça Eleitoral não reflete a realidade de seu patrimônio aparente na capital do Estado. Para concorrer à reeleição, ele declarou bens no valor de R$ 607 mil, sendo R$ 545 mil em espécie. O patrimônio declarado da ex-mulher e ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Jucá, é de pouco mais de R$ 300 mil. O único milionário da família é o bacharel em Direito Rodrigo Jucá, que, aos 29 anos, reuniu bens no valor de R$ 3 milhões.
Os moradores de Boa Vista apontam sem dificuldade os endereços comerciais e residenciais da família Jucá. O escritório político do senador, uma espécie de bunker protegido por muros altos, cerca elétrica e seguranças, funciona na Rua Vitor Hugo, no Bairro Canarinho.
O mesmo bairro abriga a sede da TV Imperial, retransmissora da Record, e da TV Caburaí, afiliada da Band - ambas funcionam no número 150 da Alameda Canarinho, antigo endereço residencial do senador.
Quando ainda estavam casados, Romero e Teresa Jucá viviam na Fazenda Santa Tereza, uma propriedade suntuosa localizada nos arredores da capital, às margens do Rio Branco, avaliada em R$ 10 milhões. Com a separação, a propriedade ficou com a ex-mulher. Herdeiro político do senador, o filho Rodrigo Jucá vive hoje no 10. andar do Edifício Varandas do Rio Branco, no Bairro Caçari. O prédio, com apartamentos avaliados em R$ 700 mil, é uma das duas construções com mais de dez andares da capital - a outra é o recém- inaugurado Eco Hotel.
Pacote voador. Foi do bunker onde funciona o escritório político de Jucá e serviu de comitê eleitoral, no Bairro Canarinho, que saiu o veículo abordado por agentes da Polícia Federal, de cuja janela voou um pacote contendo R$ 100 mil em espécie. Surpreendidos pela abordagem, cabos eleitorais que estavam no veículo chegaram a disparar tiros para o alto e tentaram fugir, livrando-se do dinheiro. O pacote endereçado ao deputado Urzeni Rocha (PSDB), da coligação de Jucá, foi apreendido.
O episódio ganhou repercussão nacional e obrigou o senador a prestar esclarecimentos na sede da Superintendência da Polícia Federal em Roraima.
Um procedimento em andamento na instituição investiga se o dinheiro seria de propriedade do senador. O dinheiro foi retido e está depositado em conta judicial, à disposição da Justiça Eleitoral.
Uma fonte com trânsito na Polícia Federal relatou ao Estado que Jucá teria pedido ao superintendente regional da instituição, delegado Herbert Gasparini, que divulgasse uma nota oficial esclarecendo que o dinheiro não pertencia a ele, com receio da repercussão nacional do episódio. Ainda segundo a fonte, diante da negativa, Jucá teria pedido o afastamento do delegado ao ministro da Justiça, Luiz Carlos Barreto, que não o atendeu.
A Polícia Federal em Roraima apreendeu R$ 1,6 milhão em espécie durante a campanha eleitoral diante de indícios de utilização para compra de votos. Desse total, R$ 140 mil pertenciam às campanhas de Romero e Teresa Jucá, segundo apurações.

Procurado, senador não fala sobre bens pessoais e familiares

Procurado pela reportagem, o senador Romero Jucá (PMDB) não quis falar
por telefone e pediu que as perguntas lhe fossem encaminhadas por
e-mail. Depois, sua assessoria de imprensa declarou que ele não se
pronunciaria porque considerou as perguntas genéricas. A assessoria ressaltou, entretanto, que ele não chegou a ver as perguntas - que eram específicas sobre os bens dele e da família.
Ainda por meio de sua assessoria, Jucá atribuiu as declarações de seu adversário político, Mecias de Jesus (PR), às desavenças políticas locais.
Na avaliação do senador, Mecias desejava concorrer a uma vaga para o Senado, mas perdeu o lugar na coligação para a viúva do ex-governador Ottomar Pinto, Marluce Pinto (PSDB), que não se elegeu. Mecias acabou sendo o deputado mais votado no Estado.

OESP, 23/11/2010, Nacional, p. A10

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