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Jirau acusa ANA de favorecimento

Valor Econômico, Política, p. A13
03 de Dez de 2012

Jirau acusa ANA de favorecimento

Por André Borges | De Brasília

O consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), dono da hidrelétrica de Jirau, usina que está em construção no rio Madeira, acusa a Agência Nacional de Águas (ANA) de ter facilitado a liberação de laudos técnicos para autorizar a elevação de cota da usina Santo Antônio, sua vizinha no Madeira, em Porto Velho.

A acusação foi oficializada à ANA no dia 26 de outubro, quase um mês antes de a Polícia Federal deflagrar a Operação Porto Seguro, que levou à prisão do então diretor de hidrologia da agência, Paulo Vieira, apontado como suposto líder de uma organização criminosa que tinha o papel de cooptar servidores públicos para beneficiar empresários e servidores.

Em processo encaminhado à ANA por meio do escritório Edgard Leite Advogados Associados, a ESBR pede ao presidente da agência, Vicente Andreu Guillo, que seja instaurado de um processo administrativo na ANA "para apurar irregularidades e desvios havidos quando da alteração do nível d'água máximo normal a montante da usina Santo Antônio".

Na peça, os donos de Jirau questionam a autorização dada pela ANA, que liberou a altura do espelho d'água de operação de Santo Antônio, passando de 70,5 para 71,3 metros. A ESBR afirma que a decisão teve "vícios no procedimento" usado pela agência, "sobretudo em função de irregularidades e omissões quando da análise das novas condições de inundação a se verificarem no reservatório da usina Santo Antônio".

De acordo com o processo, a ESBR nunca foi consultada nem chamada para se manifestar tecnicamente sobre as questões perante a ANA. O consórcio de Jirau, que é liderado pela francesa GDF Suez, com participação da Chesf e da Eletrosul, alega que a elevação do nível do Madeira entre as duas barragens vai resultar em um aumento significativo da área inundada pelo reservatório, a qual invadiria áreas urbanas no município de Jaci-Paraná, trechos da BR-364 e a ponte da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, entre outros apontamentos. "É de se espantar que a ANA tenha examinado (ainda que superficialmente) as consequências da elevação em apreço à ponte da Rodovia BR-364 sobre o mesmo rio Jaci Paraná, anuindo com a alteração, quando referida ponte ficará - segundo informações apresentadas pela Santo Antônio Energia sem qualquer embasamento técnico - apenas 30 centímetros acima do nível d'água", acusa o relatório, concluindo que, por outro lado, a agência "ignorou completamente a existência da ponte ferroviária que atravessa referido rio", em nível inferior à ponte da estrada.

Segundo o processo, a ANA ainda não consultou autoridades e órgãos competentes que deveriam ter sido ouvidos previamente, como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Capitania do Portos, a Marinha e o Ibama.

A aprovação dada pela agência, segundo o consórcio de Jirau, baseou-se em "uma série de dados contraditórios, passando, porém, a desprezar aqueles que sua própria equipe de campo havia levantado anteriormente para adotar as informações controvertidas fornecidas pela Santo Antônio Energia".

O processo conclui que a agência, ao deliberar sobre a elevação de cota no Madeira, teria ignorado pareceres de órgãos públicos relacionados ao tema, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Antaq e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). "A ausência de manifestação expressa e específica do Dnit e da Antaq acarreta vício de forma e motivação, bem como viola os deveres da ANA", acusa o processo.

A ESBR não quis se manifestar sobre o assunto. O consórcio Santo Antônio Energia, liderado por Furnas e Odebrecht, também informou que não comentaria o caso.

Para diretor da agência, há 'oportunismo'

O diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, reagiu com indignação às acusações feitas pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR). "É totalmente infundado e desairoso esse tipo suspeição que ele [o consórcio] levanta, quando a agência sempre esteve aberta para fazer qualquer tipo de discussão. Uma vez que o consórcio de Jirau não conseguiu convencer com seus argumentos técnicos, ele pediu a instalação de um processo administrativo cuja avaliação técnica nossa é de um processo totalmente descabido", disse ao Valor.

Segundo Guillo, a ESBR está "pegando carona" em um momento em que a agência se vê envolta de uma série de investigações da Polícia Federal. "O que motiva Jirau não está relacionado a nenhuma preocupação de ordem ambiental, social ou de qualquer outra coisa. O que motiva Jirau, evidentemente, é uma questão econômica, de dinheiro. É uma postura oportunista", comentou Guillo.

O diretor-presidente da ANA garantiu que todos os órgãos atrelados à autorização dada à hidrelétrica de Santo Antônio foram devidamente consultados, previamente à sua anuência, e que não houve nenhum tipo de ingerência política no processo de liberação. Guillo também nega que a agência tenha ignorado pareceres de seus próprios técnicos, para se basear em informações do consórcio Santo Antônio Energia. "Do ponto de vista técnico, não há nada a rever. Eu visitei as duas usinas, técnicos nossos fizeram as medições, chamamos as empresas e todos os órgãos para discutir tudo", disse ele. "Embora seja um direito da empresa questionar as informações, não vejo nenhum fundamento nisso. Tudo denota apenas um interesse econômico. Jirau está mal intencionado, porque foi contrariado em seus interesses. Fica agora levantando suspeita, quando na verdade poderia se basear apenas em seus argumentos técnicos."

Segundo Vicente Andreu Guillo, na próxima semana será enviada uma nota informativa à ESBR recusando formalmente seu pedido de processo administrativo. "Essa coisa da pessoa levantar suspeita sobre um critério técnico, quando ela justamente tem espaço para contestar esse critério, e coisa de mau caráter. Pode por isso aí. Esse tipo de colocação é uma coisa perniciosa", disse o presidente da ANA.

O desenho original da usina de Santo Antônio previa 3.150 megawatts (MW) de capacidade e 44 turbinas. Com as mudanças, a hidrelétrica terá 50 turbinas e 3.569 MW de potência. Jirau, que inicialmente previa 3.300 MW de potência, teve autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para ampliar sua capacidade para 3.750 MW. Apesar de as duas usinas terem ampliado a capacidade, segue em disputa quanto à divisão dessas novas parcelas de geração.

Segundo Guillo, a autorização de elevação de cota do rio Madeira não teve nenhuma influência pessoal do ex-diretor de hidrologia da ANA, Paulo Rodrigues Vieira. Cada processo que é apreciado pela diretoria colegiada da agência, disse Guillo, tem sempre como relator um diretor que não é ligado à área originária daquele processo. A elevação de cota do Madeira estaria vinculada à diretoria de regulação, e não de hidrologia, onde Paulo Vieira atuava. "Nada denota, por tudo que temos acompanhado até agora, que o ex-diretor Paulo Vieira utilizou do cargo para ações dentro da ANA. Isso tem sido dito pela própria Polícia Federal." (AB)

Valor Econômico, Política, p. A13

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http://www.valor.com.br/politica/2925668/para-diretor-da-agencia-ha-opo…

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