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Jazida de incertezas no código mineral

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: RITTER, Daniel
25 de Set de 2013

Jazida de incertezas no código mineral

Por Daniel Rittner

Cada dia com sua agonia - a de hoje certamente é ouvir as empreiteiras e fazer os ajustes necessários para destravar o pacote de concessões de infraestrutura -, mas faria bem o governo em aumentar seu estoque de aspirinas. A próxima dor de cabeça deve surgir em outubro, com o projeto de lei do novo código de mineração, lançado pela presidente Dilma Rousseff em meados de junho e tramitando no Congresso Nacional. O projeto até perdeu o regime de urgência, mas ainda é um ponto nervoso com riscos de explodir, assim que posto novamente à luz do sol.
Político jovem e cheio de fôlego, disposto a percorrer uma dúzia de Estados no mesmo mês para colher sugestões e críticas, o relator do código na Câmara dos Deputados, Leonardo Quintão (PMDB-MG), cogita mudanças importantes no texto enviado pelo governo. Ele pretende garantir "algum direito de prioridade" na exploração de minérios por empresas que se dedicaram às atividades prévias de pesquisa e não descarta incorporar, em seu parecer, a fixação de alíquotas para os royalties pagos no setor. É tudo o que o Ministério de Minas e Energia gostaria de evitar.
No texto do governo, um dos pontos mais polêmicos envolve o estabelecimento de uma licença única, por 40 anos (podendo ser renovados), que serve tanto para os trabalhos de pesquisa como para a extração dos minérios. Hoje, essas duas fases são divididas. Centenas de empresas de pequeno ou médio porte se dedicam à pesquisa e na maioria dos casos, quando obtêm sucesso, vendem os direitos de exploração aos pesos-pesados do setor. No novo código, a proposta do governo é instituir um sistema de leilões de áreas e chamadas públicas, o que deixa os menores descontentes. O receio é de que haja predomínio das gigantes nos leilões e uma concentração das atividades de pesquisa nas mãos da estatal CPRM, além da falta de investimentos em trabalhos d riscos. "A tendência é que a gente suma do mapa", reclama o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Elmer Prata Salomão.
Relator prepara mudanças no texto original do governo
Basta ver a pirâmide desenhada por Salomão para entender do que se está fazendo. Analisando a evolução dos títulos minerários no Brasil, entre 2002 e 2011, ele lembra que houve 217 mil requerimentos de pesquisa no período. Eles geraram 146 mil alvarás, que resultaram em 12 mil relatórios de pesquisa aprovados pelo governo, até chegar ao topo da pirâmide: 3.178 portarias de lavra. Ou seja, apenas 1,5% de tudo o que se explora tem chance de ser retirado do subsolo. Sem estímulo à pesquisa, não há produção de minérios.
O relator do novo código se diz "sensível" ao diagnóstico. "O sistema de licitações, puro e simples, pode levar à evasão dos investimentos em pesquisa mineral", opina Quintão, já convencido. Em seu parecer, ele pretende garantir a essas empresas um prazo específico para a exploração de potenciais jazidas, com direito de prioridade caso queiram participar das concorrências públicas para a fase de produção.
Quintão também sofre pressões para incluir, no relatório, alíquotas já definidas para a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). "É uma demanda dos Estados, dos municípios e das empresas", afirma o deputado. O projeto enviado ao Congresso eleva o teto da Cfem de 2% para 4%, mas sem definir alíquotas específicas para cada um dos minérios. "O grande debate é se colocamos isso no texto da lei ou fica para o decreto de regulamentação. Esse é o ponto mais delicado", admite o deputado, sem ter firmado ainda convicção sobre o tema.
Na avaliação do governo, o assunto só deve ser tratado por decreto. "Isso dá maior flexibilidade para mudanças que forem necessárias por causa da variação de preços no mercado internacional", defende o secretário de geologia e mineração do Ministério de Minas e Energia, Carlos Nogueira. Se as alíquotas estiverem fixadas em lei, seria preciso submeter ao Congresso qualquer nova calibragem nos royalties, alega o secretário.
As empresas argumentam que isso gera imprevisibilidade nos negócios. Para prefeitos de municípios onde há grandes jazidas, aumenta a dificuldade estimar a arrecadação com os royalties e planejar gastos. Nas mãos do relator, que pretende apresentar seu texto à comissão especial do código de mineração na primeira quinzena de outubro, estão decisões que inegavelmente vão desagradar muita gente.
Há uma solução à vista para levar adiante o programa de concessões de estradas federais. Depois do fracasso no leilão da BR-262, entre Minas Gerais e o Espírito Santo, grandes empresas avisam que há problemas graves a resolver em pelo menos outros três trechos: a BR-101 (Bahia), a BR-163 (Mato Grosso) e a BR-153 (Goiás e Tocantins). Os problemas vão de subestimativa do volume de investimentos necessários nas obras a projeções exageradamente otimistas do fluxo de veículos. Para consertá-los, seria preciso aumentar a previsão de gastos e diminuir o cálculo de receitas das futuras concessionárias, o que joga para cima as tarifas máximas de pedágio nos leilões.
Como fazer, então, para garantir a atratividade das concessões sem extrapolar a capacidade dos usuários em pagar pedágio? No caso de rodovias onde a tarifa já parte de um patamar relativamente alto, como na BR-262 e na BR-101, cogita-se a possibilidade de uma espécie de subsídio direto aos vencedores dos leilões. O governo bancaria parte das obras necessárias, deixando a execução sob responsabilidade das próprias concessionárias. Evita-se, assim, dar mais atribuições ao Dnit e enfrentar a lentidão da autarquia federal para duplicar rodovias. Também se conseguiria assegurar o interesse dos consórcios nas licitações e driblar o risco de pedágios muito altos. A injeção direta de recursos do Tesouro na concessionária parece estranha, mas está prevista na Lei 8.987 (Lei de Concessões) e já foi usada em casos pontuais, como na concessão municipal da Transolímpica, corredor expresso no Rio de Janeiro, atualmente em obras.

Daniel Rittner é repórter especial. Excepcionalmente deixamos de publicar a coluna de Cristiano Romero
E-mail: daniel.rittner@valor.com.br

Valor Econômico, 25/09/2013, Brasil, p. A2

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