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Japão investe no verde e sai na frente

FSP, Economia, p. B12
06 de Jul de 2008

Japão investe no verde e sai na frente
Obcecado pela energia limpa, país lidera corrida tecnológica do setor

José Eduardo Barella

A disparada do preço do petróleo e o aumento da inflação no mundo deverão monopolizar a reunião de cúpula do G-8 (o grupo formado pelos sete países mais ricos do mundo e a Rússia), que começa amanhã e vai até quarta-feira em Hokkaido, no Japão. Mas, se dependesse do país anfitrião, as discussões de medidas para conter o aquecimento global consumiriam os três dias de reuniões.

"Nosso objetivo é forçar os países participantes a reconhecer que o aquecimento global é uma ameaça séria, que exige medidas imediatas, mas caberá aos líderes discutir e redigir o documento final", disse ao Estado Tsuruoka Koji, especialista do Ministério das Relações Exteriores japonês envolvido na organização do encontro.

Entre as nações ricas, o Japão é, de longe, a que mais avançou na adoção de políticas públicas e no estímulo à iniciativa privada para o desenvolvimento de energia limpa. Nos próximos cinco anos, o país deverá investir US$ 30 bilhões em pesquisas voltadas para os setores de energia e meio ambiente.

A busca de soluções verdes beira à obsessão no país e se estende por todos os setores da economia. Há uma razão para tanto interesse - o Japão importa 80% da energia que consome, o que torna o uso racional uma questão de sobrevivência.

Nesse sentido, não causa surpresa que o Legislativo que abrange os 23 distritos de Tóquio tenha aprovado, no mês passado, a adoção de uma espécie de Protocolo de Kyoto municipal a partir de 2010. Até 2020, cerca de 1.300 estabelecimentos, entre fábricas e prédios comerciais da capital japonesa, terão de reduzir em 20% a quantidade de energia consumida tendo como base o consumo médio entre 2005 e 2007. A multa máxima prevista para quem não cumprir a meta é simbólica, o equivalente a US$ 5 mil. Mas, no Japão, a população costuma valorizar empresas e produtos ecologicamente corretos.

A sacola de material reciclável, novo hit do verão japonês, ajuda a ilustrar essa preocupação. Ela virou uma febre entre a população, em meio à campanha oficial para que os japoneses abandonem os sacos plásticos descartáveis, que não são biodegradáveis. Pelos cálculos complexos do governo, cada residência que adota uma sacola evita a emissão de 58 quilos de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera por ano - o método de medição dá uma idéia de como o tema é levado a sério no país.

O Japão também foi a primeira nação do G-8 a perceber o filão econômico que as expressões "reciclagem" e "desenvolvimento sustentável" representam. Elas são sinônimos de redução de custos e, por tabela, aumento de lucro. Todos os esforços são canalizados para criar soluções que, de alguma forma, economizem energia.

O milagre da transformação é visto diariamente em locais inusitados como as 23 usinas de incineração de lixo de Tóquio. Elas recebem os 4 mil caminhões da prefeitura que coletam diariamente 700 toneladas de lixo. Depois de separado e desviado para vários tipos de reciclagem, o lixo remanescente é incinerado. Da energia gerada com o calor dos fornos, 40% é usada para operar a própria usina. Os 60% restantes, equivalentes ao consumo médio mensal de 100 mil residências, são vendidos para a iniciativa privada.

A transformação da neve em fonte de energia é outro exemplo que combina redução de custos e benefícios ambientais. O método, simples, consiste em acumular grandes quantidades de neve em locais fechados. Por meio de um processo de filtragem e dutos de ar, a neve substitui a eletricidade para alimentar o sistema de ar-condicionado de prédios públicos durante o verão.

O sistema também é eficiente para manter produtos agrícolas congelados , como arroz, em galpões industriais. A utilização de 1 tonelada de neve representa a economia de 10 litros de petróleo cru e - pelo índice mágico japonês - reduz a emissão de 30 quilos de CO2 na atmosfera. "A neve é uma energia natural renovável a cada inverno e reduz em média 20% o consumo de energia elétrica", diz o engenheiro ambiental Ken Araya, da Universidade Senshu, em Sapporo.

A ironia no Japão é que os setores tidos como vilões do aquecimento global são os mais empenhados em desenvolver métodos de reciclagem para transformar toneladas de CO2 emitidas anualmente em energia limpa.

A indústria automobilística japonesa lidera a corrida pela viabilização do carro movido a hidrogênio (leia nesta página). A indústria siderúrgica estabeleceu a meta de, até 2010, reduzir em 10% o consumo de energia tendo o ano de 1990 como referência - até agora, o setor deixou de emitir na atmosfera 13,4 milhões de toneladas de CO2. O governo mantém vários projetos com indústrias para diminuir a emissão de CO2, entre eles o da produção de gases sintéticos à base de hidrogênio e de substâncias químicas a partir do carvão.

Com ajuda oficial, por meio de subsídios e parcerias com a iniciativa privada, o Japão caminha para obter a hegemonia tecnológica em energia limpa. Um exemplo é o lançamento, previsto para o segundo semestre, de um satélite que vai medir os gases responsáveis pelo efeito estufa batizado de GOSAT (sigla das iniciais em inglês). Trata-se do primeiro satélite para esse fim, projeto da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão com a Mitsubishi. Hoje, o controle da emissão de gases é feito por 256 pontos de observação fixos espalhados pelo mundo e por aviões, com imprecisões. Com o GOSAT, esse índice sobre para 56 mil pontos e será uma arma para cobrar do países poluidores as metas impostas pelo Protocolo de Kyoto.
O repórter viajou a convite do governo do Japão

Suando a camisa para salvar o planeta
Japoneses desligam ar condicionado no verão

Se você duvida do empenho japonês em salvar o planeta dos efeitos do aquecimento global, basta visitar qualquer prédio do governo e de um punhado de grandes empresas em Tóquio durante o verão. A sensação é a de entrar numa sauna. O calor é sufocante, mas o ar condicionado está desligado e não há ventilador por perto. O único consolo para o visitante é notar que os funcionários trabalham em mangas de camisa e o convidam a tirar o paletó - uma concessão e tanto para os padrões japoneses de formalidade.

Bem-vindo ao "cool biz", nome do programa lançado há três anos pelo governo japonês que tem como objetivo economizar energia e, claro, à custa de muito suor, evitar a emissão de mais algumas toneladas de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera. A idéia é simples: entre os meses de maio e setembro, o ar condicionado dos prédios públicos só é ligado se a temperatura bater nos 28oC. Em troca, os funcionários são dispensados do uso de roupas formais, como gravata e paletó.

O lançamento em 2005 foi em grande estilo, com integrantes do alto escalão do governo participando de um bem-humorado desfile onde era proibido usar gravata. Restrito inicialmente aos edifícios públicos, o sacrifício voluntário acabou sendo adotado por escritórios de ONGs e, mais recentemente, por grandes corporações - que viram na campanha uma forma de associar sua imagem a uma causa nobre e, de quebra, reduzir custos com consumo de energia. Segundo dados do governo, mais de 10 mil empresas aderiram.

Parte do sucesso deve-se à seriedade com que a campanha é encarada pelos japoneses. A maioria circula pelos edifícios enxugando o suor com uma toalha de mão, item indispensável junto com a garrafa de água na mesa.

Não há sinais de rebelião ou lamentações pelos corredores. "Esse comportamento discreto é reflexo da disciplina japonesa", explicou um funcionário do Ministério das Relações Exteriores ouvido pelo Estado. Com isso, não surpreende que a campanha seja um sucesso. De acordo com dados do governo, graças ao "cool biz", o Japão deixou de lançar 1,4 milhão de toneladas de CO2 na atmosfera em 2007 - o equivalente a um mês de emissão de CO2 de 2,5 milhões de residências. Apesar do engajamento nacional, a gerência do Hotel Windsor, um cinco-estrelas que vai abrigar os oito chefes de governo do G-8 em Toyaso, disse que o ar condicionado será acionado durante as reuniões de cúpula.

FSP, 06/07/2008, Economia, p. B12

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