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Jaguaribe defende o fim dos índios até ano 2000

FSP, Brasil, p. 1-4
30 de Ago de 1994

Jaguaribe defende o fim dos índios até ano 2000
Cientista político propõe que os índios sejam integrados à sociedade

Sônia Mossri
Da Sucursal de Brasília

O ex-ministro da Ciência e Tecnologia Hélio Jaguaribe, militante do PSDB, disse ontem que é preciso "acabar com o índio" até o ano 2000 e promover a sua integração mediante escolarização.
"Não vai haver índio no século 21. A idéia de congelar o homem no estado primário da sua evolução é, na verdade, cruel e hipócrita", disse o ex-ministro do governo Collor.
Ao criticar as ONGs (organizações não-governamentais) que desenvolvem trabalhos, dentro e fora do país, com as comunidades indígenas, o ex-ministro disse que "o mundo se preocupa com 200 mil índios e se esquece de 30 milhões de favelados".
Jaguaribe classificou como "uma gigantesca impostura" e "um embuste" a proposta de um grupo de estudo da ONU (Organização das Nações Unidas) de independência das nações indígenas.
Esta tese é motivo de preocupação constante entre os militares. As Forças Armadas atribuem às ONGs (organizações não-governamentais) o lobby mais forte para a adoção dessa proposta pela ONU.
As declarações de Jaguaribe foram muito aplaudidas pelos generais presentes ao seminário "Política Educacional para o Exército: ano 2000", realizado no Quartel General do Exército.
O chefe do Estado Maior do Exército, Benedito Onofre Bezerra Leonel, concorda com a tese de Jaguaribe.
"Isto é um fatalismo sociológico. Quando os índios têm problemas, eles vão pedir apoio aos pelotões do Exército", disse Leonel.
Segundo Jaguaribe, a manutenção do subdesenvolvimento brasileiro no século 21 pode causar problemas de manutenção da unidade nacional.
Ele afirmou que o Brasil é "mais qualificado" do que os Estados Unidos para discutir a questão indígena.
Enquanto os Estados Unidos assassinaram seus índios, lembrou o sociólogo, o governo brasileiro adotou política oposta.
Para o cientista político, é preciso criar escolas em áreas indígenas para que "os índios tenham direito de se tornar cidadãos brasileiros".
Funai
Até as 19h de ontem a Funai (Fundação Nacional do Índio) não tinha se manifestado sobre as declarações do sociólogo e ex-ministro da Ciência e Tecnologia Hélio Jaguaribe.
Às 16h30 a reportagem da Folha informou a assessoria de imprensa da Funai sobre as declarações de Jaguaribe. Às 16h45 a assessoria recebeu, por escrito, via fax, as principais afirmações do sociólogo.

'Proposta é autoritária'
Da Reportagem Local

O antropólogo Gilberto Velho qualificou de "autoritárias" as idéias expostas ontem por Hélio Jaguaribe a oficiais do Exército.
"É uma barbaridade. É inacreditável que alguém tenha dito isso. Qualquer proposta de padronização social é autoritária", afirmou.
Velho, professor titular de antropologia social no Museu Nacional do Rio de Janeiro, afirmou que as declarações de Jaguaribe partem de um equívoco.
"Não existem 'índios', mas sim grupos culturalmente diferenciados e com diversas formas de relacionamento com outros grupos sociais", diz o antropólogo.
Segundo Velho, as sociedades complexas se caracterizam pela diversidade de grupos, sejam eles ianomâmis ou de favelados do Rio de Janeiro, e o que pelo menos os antropólogos defendem não é o "congelamento" de nenhum deles, como mencionou Jaguaribe.
"Nos preocupamos é que esses grupos tenham direito de definir sua coexistência com os outros. Deve ser garantido que eles não sejam destituídos desses direitos por interesses políticos ou econômicos mais poderosos", explicou Velho.
A antropologia é a disciplina que estuda as diferenças no modo de as sociedades se organizarem e os traços universais das culturas.

FSP, 30/08/1994, Brasil, p. 1-4

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