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Já somos Escola Viva

Selvagem Ciclo - https://selvagemciclo.com.br/comunicacoes/ja-somos-escola-viva/
Autor: Francy Baniwa
25 de Mar de 2024

Já somos Escola Viva
Abertura da Escola Viva Baniwa

25 de março de 2024
Por Francy Baniwa

No dia 20 de março de 2023 começou a celebração de abertura da Escola Viva Baniwa, Wanheke Ipanana Wha Walimanai, a Casa de conhecimento da nova geração. Neste artigo, quem nos conta da festa é Francy Baniwa, coordenadora da Escola Viva, junto com seu pai Francisco Baniwa.

Foi um dia maravilhoso, um momento histórico para a comunidade.

Aqui é o lugar onde nasci e cresci. É o lugar onde estão minhas tias, avós, primos, amigas e amigos de infância. Aqui está a base de tudo, a base do ensinamento, o que me fez ser quem sou hoje.

Em nenhum momento da minha vida eu imaginei que pudesse estar acontecendo isso.

A celebração começou com a abertura da Escola Viva: os sábios ficaram em círculo, cada um pegou uma fita trançada de palha e duas crianças cortaram. As crianças eram o centro e o círculo era composto pelos conhecedores. Depois entrei com a dança, com o canto de japurutu1. Atrás vieram as crianças trazendo os livros e foram colocando em um cumatá, um grande balaio, com as folhas de bananeira.

Na celebração de abertura, muitas lideranças que estudaram comigo deram depoimentos. A roda tinha conhecedores, professores e também autoridades presentes, o ISA (Instituto Socioambiental), a FUNAI, a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). Muitas lideranças lembraram dos desafios, voltaram às memórias de infância, contaram como aprenderam com os pais, com as avós e falaram como é importante continuar mantendo essa cultura que temos e que é viva. A cultura está viva.

Aí depois veio o dabucuri2, que é da comunidade. Deixaram uma enorme canoa no centro da celebração e encheram de frutas. Teve danças tradicionais dos jovens, dos conhecedores e das crianças. O segundo dia de celebração também foi muito emocionante porque a gente criou os professores. Cada um se tornou aluno: os jovens, os pais, as crianças puderam escolher para onde ir, o que queriam aprender, tecelagem, canto e benzimento, narrativas, roça, culinária.

A comunidade não teve dificuldade de entender o que é uma Escola Viva quando apresentei o projeto. Porque já somos uma Escola Viva.

A Escola Viva acontece no momento em que você acorda às quatro da manhã para tomar banho e também quando se deita às seis da tarde, depois de um longo dia de trabalho na roça. Tudo o que somos e o que fazemos na comunidade dentro das nossas casas é escola viva.

Todas as cestarias, a arte de cortar a palha, de pescar, de limpar o peixe, de cuidar da roça, tudo isso. O meu pai é uma escola viva. Os meus tios e professores são escolas vivas. Todas as roças são escolas vivas. A nossa comunidade e todos os moradores aqui também. Pelas tranças, pelos cantos, pela bebida fermentada e compartilhada nas manhãs de caribé3, que é uma partilha cotidiana, com os risos das mulheres conversando, brincando junto com as crianças e a juventude.

Foi muito bonito poder ouvir depoimentos sobre a importância da Escola Viva aqui na comunidade, pelo que trouxe de reconhecimento, de valorização da vivência que temos aqui. Poder ver a alegria de todos os conhecedores da comunidade me emocionou. Muitas pessoas choraram, relembrando seus pais que já não estão mais, as suas infâncias.

Como é lindo ser criança em um território indígena. Como é bonito você aprender a ser criança e pescar. Como é bonito poder mergulhar nesse rio grande, sem correr nenhum perigo. De ter a roça, de ter o rio, de ter essa vasta floresta linda, cheia de encantos e mistérios. Cheia de protetores, cheia de animais e pássaros. Como é bonito compartilhar a roça com as queixadas, cutias e antas. E como é bonito compartilhar as frutas com as árvores.

A minha fala, o livro, toda a narrativa descrita também é escola viva. E é um presente que dei a essa nova geração e às pessoas que estão podendo ler o livro e entender que o nosso mundo é muito complexo, que o nosso mundo foi criado, pensado e que o nosso território é vivo.

Sinto o privilégio de ser uma mulher indígena, mãe, neta, escritora, pesquisadora e antropóloga. Como é bonito ser inspiração para outros jovens também, que estão nessa comunidade. Que eles possam ser futuros escritores, futuros cantores, dançarinos de carriçú, japurutu e donos de roças.

Foi lindo ver as crianças com os livros Umbigo do mundo, entregar para cada conhecedor um livro publicado a partir da oralidade, a partir da conversa entre pai e filha. Foi muito lindo poder entrar no sonho de japurutu e receber cada fruta oferecida em uma forma de muito obrigado por ter trazido o livro e a Escola Viva.

E a festa foi linda, foi uma troca com culturas, com vestimentas, cada um com seu cesto, trançado com palhas. A festa foi linda, mas a gente ainda está em festa, nesta celebração de gratidão a todos os deuses do universo com essa oportunidade.

NOTAS
1. Instrumentos musicais. São flautas de sopro longas, com um metro e meio de comprimento.
2. Dabucuri (em baniwa, poodali) é uma festa de oferecimento de frutas, peixes, carnes de caça, artes, comum aos costumes de diversos povos por todo o rio Negro, em que também ocorrem vários tipos de dança.
3. Tem dois tipos de caribé: um é deixar o beiju ferver ou deixá-lo de molho e depois amassar com cuia, e o outro é feito de mandioca puba, que também é conhecida como maçoca.

Por Francy Baniwa

Preparação de texto por Alice Faria

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