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IV Yawá, a arte dos índios Yawanawá encanta a todos na floresta acreana

Kaxi.com.br
Autor: Romerito Aquino
03 de Set de 2007

"Com esse festival, queremos demonstrar aos brancos a solidariedade, o amor, a paz, a harmonia, o respeito e, sobretudo, a humildade. Queremos mostrar as coisas da criação, que é a natureza. Saber respeitar a floresta, os rios e o meio ambiente e dizer que é possível o ser humano viver junto com ele, sem agredi-lo. Nós, indígenas, vivemos há milhares de anos no mundo e nunca agredimos o nosso meio ambiente".

Disse o cacique Biraci Nixiwaka para mais de uma centena de turistas, estudiosos, estudantes, viajantes, jornalistas, autoridades e índios de várias aldeias acreanas que se concentravam na grande oca construída no centro da aldeia Nova Esperança para apreciar e participar, na semana passada, de mais um festival de cultura, dança, música e cantoria do povo indígena Yawanawá, do município de Tarauacá, no Vale do Juruá, no Acre.

As palavras proferidas pelo cacique Biraci Brasil abriam, assim, o VI Yawá, um festival que vem se transformando num dos principais eventos culturais dos povos tradicionais da Amazônia brasileira, atraindo a atenção até de personalidades internacionais, como o ator Joaquim Fênix, de Hollywood, que lá esteve no ano passado para conhecer a riqueza material e espiritual de um dos povos indígenas mais numerosos e mais antigos da selva acreana. Este ano, entre outras autoridades, esteve mais uma vez no Yawá o senador Tião Viana, vice-presidente do Senado Federal, que se fez acompanhar da esposa Marluce, de sua irmã Silvia e de alguns assessores para, juntos, vivenciarem a beleza e a magia de um espetáculo que, realmente, transcende qualquer conceito de arte que se possa dar a uma manifestação cultural de um povo.

Para celebrar, entre outras conquistas, a duplicação de sua terra indígena para quase 190 mil hectares, os 620 Yawanawá do rio Gregório capricharam novamente na alegria que demonstram anualmente ao dançar, cantar e fazer muitas brincadeiras para relembrar seus antigos cultos a tudo de bom que oferece a mãe natureza.

A viagem para o festival Yawá começa à altura do Km 72 da BR-364, a meia hora de carro da cidade de Tarauacá, onde os visitantes são alojados em pequenas canoas motorizadas de propriedade da Organização de Agricultores Extrativistas Yawanawá do Rio Gregório, que coordena a vida comunitária nas aldeias espalhadadas ao longo do rio Gregório e se encarrega de comercializar o urucu que os Yawanawá exportam há muitos anos para os Estados Unidos através da empresa Aveda Corporation. O urucu é a base da economia comunitária dos Yawanawá e é usado, junto com outras plantas, para produzir as tintas que fazem as belas e exóticas pinturas que os índios fazem no rosto e por todo o corpo nos sete dias que duram o Yawá. Nos Estados Unidos, o urucu dos Yawanawá há muito tempo tem virado batom, rouge e outros tipos de maquiagens usadas pelas mulheres de todas as classes sociais norte-americanas.

Levando grupos de três a quatro pessoas, as canoas sobem durante quase oito horas o rio Gregório, que nesta época do ano apresenta o menor nível de águas, obrigando os barqueiros índios a fazerem excepcionais manobras para se desviarem dos balseiros formados de pedaços de árvores ou de árvores inteiras que caem no rio com a descida das águas. Espalhados nas duas margens, os balseiros se transformam, ao longe, em belas obras de arte que encantam quem os observa com o avançar da canoa sobre a água.

"Fiquei enlouquecida com aquelas madeiras no rio, que é ouro puro para decoração. As madeiras se transformam em visões de cobras, de serpentes, de pássaros, de borboletas e outras coisas lindas que existem na floresta", disse, emocionada, a empresária de modas Íris Tavares, integrante de um dos oito barcos que formavam a entusiasmada e ansiosa comitiva do senador Tião Viana rio acima para conhecer o mundo dos Yawanawá. Há três anos, Íris, de origem seringueira, nascida no seringal Catuaba, abrilhanta as famosas marcas de roupas nacionais que vende em suas butiques de Rio Branco e de Cruzeiro do Sul com a grife Yawanawá, um conjunto de blusas, saias e vestidos decorados com as exóticas e encantadoras pinturas e desenhos feitos pela tribo do majestoso cacique Biraci Brasil.

Entre um banho e outro para matar o calor do forte sol do verão acreano, os passageiros dos barcos seguiam firmes rio acima, acompanhados pelos belos rasantes que andorinhas, bem-te-vis, garças e outros pássaros coloridos da floresta dão constantemente à frente dos barcos ao longo da inesquecível viagem. São visões e imagens impressionantes, que sobrepujam qualquer sinal de fadiga ou cansaço que separam as oito horas sentados no barco entre a BR-364 e a sede da aldeia Nova Esperança.

Ali, cada um dos visitantes vai absorvendo, à sua maneira, a energia vital emitida pelas cores, os sons e as visões da natureza virgem da floresta, com árvores de todos os tamanhos, decoradas por folhas, frutos e flores que dão verdadeiramente magia e encanto a paisagens que mudam a cada curva do rio. Aqui e acolá, aparecem crianças, jovens, adultos e idosos moradores da região, que vão à beira dos barrancos saudar e conversar com os visitantes. Um grupo de turistas egípcios confessou não ter palavras para descrever o que viam naquele pedaço da Amazônia, considerada hoje a maior marca do mundo e detentora dos mais cuidadosos olhares do planeta pela manutenção de sua imensurável riqueza vegetal e animal.

A tarde já caia na floresta quando os barcos da comitiva do senador se reuniram numa das muitas lindas praias do rio Gregório para chegarem juntos à aldeia Nova Esperança. E seguiram numa espécie de procissão marítima rio acima para, meia hora depois, avistarem de longe as silhuetas de mais de 400 índios enfileirados num barranco muito alto, vestidos de saias e nus da cintura para cima. De longe, já dava para ouvir os sons da cantoria de boas-vindas. Uma cantoria que crescia e era entremeada por gritos de alegria à medida que os barcos avançavam em direção a uma pequena encosta situada em frente da maior aldeia dos Yawanawá.

Os barcos encostaram e duas grandes filas se formaram na beira do barranco, por onde os visitantes foram conduzidos para o centro da aldeia. Uma dezena de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos faziam o que podiam para não perder nenhum detalhe daquela cerimônia de chegada, semelhante ao rito do encontro entre dois povos muito antigos.

Percorrendo parte dos terreiros da aldeia, logo todos se reuniram na oca gigante do centro, onde o senador Tião Viana e o cacique Biraci fizeram as apresentações de praxe, que foram seguidas pela ingestão de rapé pelas lideranças e pelos pajés para saudar, com a chama da espiritualidade, a chegada dos visitantes. Dali, todos se dirigiram para o centro da aldeia, onde foi dado início ao VI Yawá. Com desenhos e traços coloridos, feitos por homens e mulheres usando pauzinhos, os Yawanawá logo se posicionaram de braços dados no grande terreiro da aldeia para começarem a bailar e a cantar, na língua nativa, as muitas belas músicas que evocam a criação do mundo e a relação harmoniosa do homem com a natureza.

Em filas ou em grandes rodas, centenas de Kaxinawá bailavam noite adentro, coroado por um terreiro iluminado por uma lua cheia que acendia a mata e tornava as pessoas sombras claras falantes e espiritualmente elevadas. Ali, a festa era de homens, mulheres, crianças e idosos, que se uniam na beleza e na magia dos cantos que ecoavam pela floresta adentro e por cima das águas prateadas do Gregório iluminado pelo grande luar.

A pajelança no grande terreiro se seguiu depois das 10 horas da noite na grande oca, onde parte dos visitantes se reuniu para tomar a bebida da Ayauasca na presença de cantos e orações entoados pelos pajés e lideranças mais antigas da aldeia. Esses rituais se seguiram pela manhã, tarde e noite nos seis dias seguintes do festival, quando a aldeia não parava de receber novos visitantes que se alojavam em redes nas casas, em pequenas ocas e em tudo em que houvesse um teto para se proteger do frio intenso que costuma tomar conta da floresta nesta época do ano. Enquanto isso, outros visitantes deixavam a aldeia rumos às suas cidades na pequena frota de barcos de metal e de madeira mantidos pela organização Yawanawá.

Financiada pelos recursos da venda de Urucu, da venda da sobra dos produtos agrícolas e de ajudas financeiras do estado e de projetos financiados nos últimos anos por entidades ambientalistas nacionais e internacionais, a organização Yawanawá mantém hoje um belo e eficiente centro de educação indígena, construído em madeira na forma de ocas que se entrelaçam e são ligados por trapiches, numa configuração arquitetônica semelhante ao dos muitos desenhos fantásticos que os índios criam quando sonham ou entram em contato com os espíritos iluminados da floresta sob o efeito da Ayuasca, da vacina do sapo Kampô, do rapé e outras essências da floresta.

Ali, as crianças menores estudam a língua e as tradições nativas e as maiores, além de jovens, adolescentes e velhos, aprendem o português para se comunicarem melhor com os brancos. Ao lado do exótico centro educacional, há um centro de saúde dispondo de medicamentos básicos e agentes de saúde indígenas que interagem com os pajés e suas ervas medicinais na cura de eventuais males que afetam as pessoas das aldeias. As presenças de um telefone público alimentado por satélite, de computador com internet e de placas solares que gerar energia elétrica, com a ajuda também de óleo diesel, que alimenta os motores dos barcos e alguns eletrodomésticos, completam o ambiente urbano necessário para manter sempre elevada a qualidade de vida das aldeias. Toda essa energia é alimentada pela solidariedade, a paz e a alegria que reina entre todos, seja no trabalho ou durante as festas de final de semana.

O índio Raruxinã, articulador político do povo Contanawá, que até hoje luta pela demarcação de seu território no distante município de Marechal Thaumaturgo, andou seis dias de barco e a pé para participar e vivenciar o festival dos Yawanawá, que tem estimulado outros grupos indígenas acreanos a também voltarem a festejar o tempo da criação. "Me sinto muito honrado de chegar e ver uma festa tão bonita dessa aqui. Essa é a maneira de expressar o carinho que a gente tem pela natureza, o respeito que a gente tem pelas nossas tradições. É muito sagrado chegar aqui, apesar das dificuldades de transporte. Quando você chega aqui você esquece todo o cansaço da viagem que teve, sente o calor desse povo receber a gente, tratar com muito respeito. Acredito que o povo daqui, para chegar no que estão hoje, teve uma grande luta, continuam lutando também e não é diferente do que eu penso para o meu povo", disse Raruxinã, pintado e coberto por um lindo cocar fabricado pelo seu povo.

Raruxanã disse ainda que a terra de seu povo é uma das poucas terras ainda não demarcadas pelo governo, que já regularizou quase 30 terras dos mais de 13 mil índios existentes no estado, excluindo-se os grupos indígenas ainda não contatados pelo branco. "Nossa terra ainda não foi demarcada e o meu anseio é pedir ao homem branco, ao governo, para reconstituir o nosso povo. Para isso, precisamos de nossa terra para que a gente possa desenvolver nossas ações lá dentro, do que a gente precisa, da nossa sustentabilidade para contribuir com a proteção e conservação do nosso meio ambiente", completou.

"Estou achando muito importante o pessoal de fora vir para cá. Essa coisa é muito feliz para nós, para as pessoas que se ajudam como nós", afirmou o pequeno Tatá, mais de 90 anos, considerado o mais antigo pajé e índio das aldeias Yawanawá. Com o sorriso de uma criança e a mansidão do vôo de uma das muitas garças brancas que cruzam diariamente o Gregório, Tatá, chamado na língua nativa de Xanu, é quem comanda os ritos espirituais e o uso das ervas sagradas da floresta que servem até, segundo ele, para reanimar os espíritos das pessoas quando eles já se encontram distantes.

Além de coordenador da organização Yawanawá, Joaquim Tashka, era outro índio que chamava muita atenção na aldeia Nova Esperança. Falante, despachado e muito simpático, Tashka exerce muito bem a liderança amadurecida com a experiência que acumulou nos últimos anos como cineasta que já andou por muitos lugares da Terra e por Hollywood, onde desfruta de amizades com astros do cinema, tais como Joaquim Fênix e Tom Cruise, que podem estar vindo para as aldeias dos Yawanawá ainda este ano.

"O intercâmbio entre os povos indígenas, como ocorre durante os nossos Yawá, fortalece a cultura porque um povo vê outro se manifestar artisticamente pela cultura, pela decoração. Isso inspira recordar os seus próprios valores culturais e espirituais. O sexto Yawá é a continuidade do renascimento cultural e espiritual do povo Yawanawá", afirmou Joaquim.

Depois de vivenciar as grandes emoções das pajelanças e emocionar-se em todas elas, o senador Tião Viana transpirava a alegria, a paz e a felicidade que contagiam a todos que vão para aquele lugar mágico da floresta. "Aqui há um povo que respeita a natureza e nos ensina como viver em harmonia e felicidade por todos os tempos", disse o senador, antes de deixar a aldeia com seus familiares, assessores, o empresário José Luiz, da Miragina, e o deputado Moisés Diniz, líder do governo acreano na Assembléia, que esteve representando o governador Binho Marques numa das mais belas, fantásticas e indescritíveis manifestações culturais e espirituais dos povos tradicionais da floresta amazônica.

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