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Isaac Pinhanta: "Está na hora de nós mesmos criarmos um proposta para o nível superior"

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Rose Farias
15 de Abr de 2003

Promover, defender, desenvolver e divulgar a educação escolar indígena de forma específica e diferenciada é um dos principais objetivos da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC). Tendo como coordenador Isaac da Silva Pinhanta, da aldeia Apiwtxa, professor indígena há dez anos, a entidade criada em 1999, e reconhecida juridicamente em 2000, se diferencia por propor uma nova forma de elaborar a política educacional, onde os atores são os próprios professores indígenas, responsáveis pela preservação das diversas manifestações culturais e histórias de cada povo, com base no crescimento sócio-ambiental. Professores, agentes agroflorestais, agentes indígenas de saúde, caciques, pajés e artesãs são os educadores responsáveis em divulgar e ampliar esses conhecimentos para assegurar uma educação diferenciada e de qualidade.

Em entrevista ao Página 20, o professor Isaac demonstra um conhecimento transparente em relação à questão. Consciente dos avanços da educação indígena no Estado, Pinhanta discorre sobre um dos sonhos da OPIAC, dentro do planejamento estratégico: a criação do curso superior indígena diferenciado, pauta de discussão do seminário "Proposta para o Curso Superior Indígena no Estado do Acre", que acontece de hoje até esta quinta-feira, dia 17, reunindo organizações sensíveis à questão. Isaac aproveita para falar sobre o papel da OPIAC como agente na busca do conhecimento.

O que moveu a criação da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)?

Entre 95 e 96, os professores passaram a se organizar, com as publicações e criação de materiais didáticos, passaram a ter sua escola, definir um currículo próprio, a língua garantida por constituição. Com isso, se pensou em criar uma política pelos próprios professores, para exporem esse trabalho para a sociedade. E daí, só quem poderia falar eram os professores.

A criação veio para preencher um vazio?

Isso. Quando nós participávamos de um congresso de educação indígena a gente percebia que existia um vazio no discurso. Só quem falava era o outro lado, nós tínhamos muito mais coisas a serem ditas, e acabávamos nos tornando uma pessoa que não sabia de nada. Então, refletimos e resolvemos criar uma organização para falar como é nossa língua, a nossa cultura e tradição. E de que maneira isso poderia ser implementado nas políticas públicas para que a sociedade entendesse essa realidade.

Qual o objetivo da organização?

Fortalecer diante dos setores públicos, tanto regional, nacional, internacional, essa educação escolar indígena, que é essa que nós queremos que chegue, não somente nas comunidades. Mas que a política, essa maneira da gente educar, chegue também na sociedade envolvente para que possamos ser respeitados.

Que avanços foram alcançados dentro dessa realidade?

Chegamos até o ensino médio, que é o magistério indígena específico. Foi através da Comissão Pró-Índio que esses professores - no total são 30 - conseguiram chegar ao magistério indígena. Hoje a maioria se encontra nas aldeias trabalhando.

Um dos sonhos da OPIAC é a criação do curso superior indígena. Essa discussão não é nova...

Não. Foi a partir desse processo que em 1999, nós, da organização, começamos a levantar essa discussão sobre o nível superior, como que iríamos fazer. Nós começamos a discutir com várias instituições e organizações, ligadas ao ensino diferenciado indígena. E agora acreditamos que está na hora de nós mesmos falarmos e criarmos um proposta para o nível superior. Não adianta as instituições criarem, nós é que temos que ser os atores, pois vamos dar seqüência numa formação dentro de um processo que estamos participando há tempos, não é de hoje.

Como se fundamenta a essência desse curso para os professores indígenas e até mesmo de outros cursos que venham a surgir?

Acreditamos que essa proposta seria voltada para a valorização cultural da maneira dos povos indígenas. Tanto a questão da língua, como a ciência, a história, a geografia, a nossa própria matemática, de que maneira a gente contava, porque existe tudo isso, faz parte de nossa cultura. Isso é uma riqueza que é contada de forma diferente, que por meio do 'contato', os próprios povos indígenas passaram a não dar valor a esse conhecimento, isso devido a pressão que sofreram. Nós professores estamos vendo essa necessidade.

De que forma se situaria essa formação superior?

Seria fazer um trabalho de pesquisa. A sala de aula vai ser a nova referência para observar, investigar aquilo que queremos dentro da cultura daquele povo. Seremos pesquisadores que vão a campo, trabalharemos criando publicações, materiais didáticos e outros.

É nesse universo que entra a riqueza dos conhecimentos orais dos povos indígenas?

Sim. É isso que estou falando. Dentro dessa investigação nós vamos identificar o espaço, o tempo, que nossos antepassados utilizaram. Por que esse povo viveu até hoje, mesmo sem ter o conhecimento da escrita? Acho que vivemos até melhor. Hoje estamos mais cautelosos, para que a gente não se atropele.

Qual será o papel do professor indígena superior?

Ele vai fazer o papel de mediador entre a sua cultura e a outra cultura, ele vai refletir tanto na sua como na da outra sociedade. Ele vai saber o que pode juntar para construir uma sociedade dos povos indígenas, sem que se interfira nas suas maneiras próprias de aprendizado, ao contrário, com o propósito de fortalecer. Mesmo que você domine o mundo da tecnologia da escrita, mas é preciso respeitar, o lado tradicional, essa maneira de aprender. Precisamos respeitar o conjunto de conhecimentos que vai da família às pessoas mais antigas.

A forma que a OPIAC pensa para a criação do curso superior difere dos moldes dos já criados no Mato Grosso e Roraima?

Sim. E acho que é o momento exato, com a criação da OPIAC, que já está num processo de reconhecimento por seu trabalho. Achamos que neste momento, o professor indígena é o articulador. Iremos conseguir por meio das investigações um currículo de formação para esses jovens. Depois poderemos pensar até na criação de cursos em outras áreas. O professor vai estar situado em suas bases e poderá ver a necessidade de cada associação e organização local.

Sobre o seminário 'Proposta para o Curso Superior Indígena no Acre', que ações serão traçadas?

Estudamos a legislação que garante a criação de qualquer curso para os povos indígenas, a LDB e outros. No seminário estaremos contando com a participação de representantes de organizações sensíveis a questão, que venham a contribuir com um discurso sobre a legislação, que tenham participado da criação de outros cursos, de outras que tenham uma carreira com a causa indígena, para ajudar na formulação dessa proposta. Acho que o encontro vai criar um conjunto de propostas, a partir dessa discussão, é que iremos afirmar a importância da participação dos professores para a criação do curso.

Uma das propostas está relacionada com o que a OPIAC vem desenvolvendo com a educação no sentido de assegurar o crescimento cultural e sócio-ambiental, com respeito ao conhecimento de cada povo?

Acho que é uma reflexão de acordo com que já vem sendo feito por nós, como a defesa do território. Hoje ensinamos como utilizar o recursos do território, que esse é o ponto forte dentro das escolas. Aí se situam o agente agroflorestal, o de saúde, o professor e as pessoas mais velhas, os conhecedores do conhecimento. Por isso falamos dessa forte relação com nosso trabalho em sala de aula. Tudo se situa no nosso projeto político -pedágogico.

A OPIAC possui um projeto para juntar esses atores?

Sim. Esses atores irão discutir com a comunidade para saber o que pode ser complementado dentro da escola. Eles ao invés de estarem trabalhando somente na teoria, irão a campo como é a maneira tradicional. O artesanato, antes era somente indumentária, hoje é comercial. Mas como iremos utilizar esse material sem que prejudique o meio ambiente e esses recursos. As sementes, será que vamos derrubar as árvores ou vamos coletar? A escola discute isso. O professor neste momento não tem que ser professor somente na sala de aula, mas nas discussões comunitárias para ajudar a refletir.

Então o senhor espera resultados positivos com o seminário?

Sim. Vamos criar uma proposta para um projeto que já existe na Ufac. Até o prédio já foi criado. E nós estamos criando uma proposta, para que não se crie uma outra, que venha a fugir a toda a política proposta pela OPIAC. Temos que formular a nossa para apresentar para a instituição, nós os professores indígenas, pois somos nós que estaremos lá.

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