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Irma Dorothy nao foi enterrada. Foi plantada

JB, Outras Opinioes, p.A13
Autor: SUPLICY, Eduardo
20 de Fev de 2005

Irmã Dorothy não foi enterrada. Foi plantada
A árvore da Irmã Dorothy cresce e frutifica. Assim, com justiça, poderá haver paz no Pará e no Brasil
Eduardo Suplicy Senador (PT-RJ)

A missa de corpo presente de irmã Dorothy Stang, assassinada dia 12 em Anapu, foi das mais comoventes que assisti em minha vida. Lá estavam as pessoas que conciveram com ela desde os tempos em que foi viver no Maranhão e, depois, a partir de 1982, ali no Pará. Dom Erwin Krauter, bispo da prelazia de Xingu, afirmou com firmeza que irmã Dorothy ''foi assassinada por aqueles que querem a Amazônia para si, que querem explorá-la sem trégua''. Os sacerdotes e irmãs da sua Congregação de Notre Dame, mas sobretudo dezenas de trabalhadores rurais da floresta e dos rios aos quais ela resolveu dedicar inteiramente a sua vida, um a um, deram o seu testemunho sobre a coragem, a firmeza e alegria de viver daquela americana tão brasileira.

A missionária Julia Depweg, que escolheu o mesmo caminho, disse que ''Dorothy não vai ser sepultada, ela vai ser plantada. Ela era uma semente''. Irmã Dorothy, depois de ter recebido inúmeras ameaças de morte, dizia que, caso morresse, queria ser enterrada ali, e que sobre seu túmulo fosse plantada a árvore de mogno que ela mesmo vinha cuidando, para que pudesse crescer como uma linda árvore da floresta que ela queria tanto preservar junto com seus rios. Suas companheiras levaram ao altar as seus simples instrumentos, dentre os quais a Bíblia, e uma das camisetas que ela gostava de usar com o lema: ''o Xingu não fala, mas se falasse pediria para não ser destruído''.

Quando dez parlamentares e o governador Jorge Viana chegamos ao aeroporto de Anapu, encontramos Francisco de Assis de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Anapu à nossa espera. No caminho, contou que, na véspera, enquanto havia saído de casa para buscar o corpo da irmã Dorothy no aeroporto, dois homens foram à sua casa onde estava sua sobrinha. Os dois a ameaçaram para que dissesse onde ele estava, fizeram-na se deitar de bruços e escrever num papel que ele seria o próximo.

Na companhia do ouvidor do Incra, Gercino José da Silva, e do relator da CPMI da Terra, deputado João Alfredo (PT-CE), ouvi o depoimento de um outro agricultor, cuja identidade preservo, para sua proteção, que testemunhou o momento em que Dorothy foi alvejada. Nascido em Araguatins, Tocantins, veio há quatro meses para Anapu, contemplado com o lote de 21 alqueires no Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança. Foi quando conheceu a irmã Dorothy. Tem mulher e um filho de três anos, da companheira, que assumiu. Explicou que, diante das ameaças à irmã Dorothy, passaram na delegacia de polícia de Anapu para avisar que, no final de semana, fariam reuniões no PDS Esperança. A polícia prometeu acompanhá-los. Na sexta-feira, ao ir para lá, passaram na polícia outra vez, mas ouviram que não teriam como fazer o acompanhamento.

Ao chegarem, à noite, Irmã Dorothy dormiu na casinha do Sr. Vicente, enquanto o trabalhador foi dormir no seu barraco de lona preta. Às 7:30 hs, Irmã Dorothy entrou no barraco, ''muito alegre, como sempre''. Ele lhe pediu se poderia conseguir um pouco de arroz e óleo, o que ela providenciou e disse que logo a encontraria, após tomar o seu café. Passados alguns minutos, seguiu no caminho combinado e a avistou a uns 30 metros, acompanhada de dois homens. Aproximou-se mais. Quando estava próximo, ouviu ela dizer aos dois: ''Por que vocês jogam capim no meio da plantação? O arroz e o milho não saem se houver capim. Precisa tirar o capim para o legume poder crescer''. Foi então que eles responderam: ''Vai arriscar a vida de muita gente. Há muita gente no perigo''. Ela abriu a bolsa, tirou a bíblia, e lhes disse: ''A minha arma é essa''. Leu para eles dois trechos. Um deles atirou. O trabalhador correu para a floresta e ouviu dois tiros. Depois soube que foram seis. Quem quiser conhecer irmã Dorothy um pouco melhor, recomendo ir ao site do senador Sibá Machado. Sobre ameaças de morte, respondeu: ''Hoje sou ameaçada de morte, publicamente, por fazendeiros e grileiros de terras públicas, como foi visto por todos que presenciaram a Conferência Popular realizada em Altamira, onde estavam tantas autoridades. Mesmo assim, tiveram a ousadia de ameaçar-me e pedir a minha expulsão de Anapu. Agradeço a Deus estes anos riquíssimos de aprendizagem e amizade com o povo''.

A ministra Marina Silva me disse que as medidas anunciadas pelo presidente Lula asseguram a implementação das proposições da Irmã Dorothy. Elas já estavam prontas, porque foram bem preparadas nos últimos dois anos. A árvore da Irmã Dorothy cresce e frutifica. Assim, com justiça, poderá haver paz no Pará e no Brasil.

JB, 20/02/2005, Outras Opiniões, p.A13

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