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Invasores abriram fazendas no coração de terra indígena no Pará, equipadas com caminhonetes e internet

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/11/
12 de Nov de 2023

Invasores abriram fazendas no coração de terra indígena no Pará, equipadas com caminhonetes e internet
Propriedades passam de 1.000 hectares, com pastos bem cuidados, mas que foram queimados

João Gabriel
Brasília
12.nov.2023 às 12h00

Relatos, fotos e documentos mostram que a invasão nas terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá (ambas no Pará) incluem propriedades de mais de 1.000 hectares, fazendas no coração do território, casas com acesso à internet, caminhonetes e tratores caros.
Também foram registradas queimadas causadas pelos invasores para inutilizar a terra do local. A situação foi confirmada pelos responsáveis pela atual operação de desintrusão (retirada de não originários do local).

O próprio MPF (Ministério Público Federal) no Pará já alertou para a presença inclusive de políticos entre os suspeitos de crimes ambientais cometidos na Apyterewa, lar de indígenas do Povo Parakanã -a Trincheira Bacajá abriga os Mebengôkre Kayapó e os Xikrin Mebengôkre

Um desses políticos é a ex-vice-prefeita da cidade de São Felix do Xingu, Cleidimar Gama Rabelo, a Cleidi Capanema. Segundo o órgão, que a denunciou à Justiça, ela é proprietária de uma fazenda dentro da terra indígena e movimentou mais de 1.500 cabeças de gado ilegalmente no território.

Ela não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Também há, segundo a denúncia do MPF, fornecedores de grandes frigoríficos e até ex-técnicos do governo do Pará entre os invasores da área.

No início de outubro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou uma operação de desintrusão no território, à exemplo do que acontece na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, desde janeiro.

A Apyterewa foi a TI mais desmatada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sofre com incidência de garimpeiros, madeireiros e criadores de gado, todos atuando de forma ilegal.

Ao mesmo tempo, o território no Pará sofre forte pressão política. O início da operação, inclusive, foi adiado por essa razão e atualmente as ações de campo estão suspensas.

Pessoas envolvidas na operação e ouvidas pela Folha citam como exemplo dessa pressão o encontro do governador do estado, Helder Barbalho (MDB), com o ministro Rui Costa (Casa Civil) no dia em que a ação estava inicialmente prevista para começar. A agenda foi revelada pela Agência Pública.

Barbalho é um importante aliado de Lula e a capital do estado, Belém, foi escolhida pelo governo federal para sediar a COP 30, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

Por outro lado, o atual prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber de Souza Torres (MDB), forte crítico da operação, é do mesmo partido do governador paraense.

No último dia 31, esgotou-se o prazo para a saída voluntária dos invasores das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá. No entanto, em razão da paralisação da operação, não houve ações de desintrusão desde então.

Mesmo assim, durante o mês de outubro, agentes federais realizaram incursões de reconhecimento da área e constataram que a presença de não indígenas vai muito além de uma vila construída por invasores e que abriga centenas de pessoas, com direito a postos de gasolina, mercados e hotéis, tudo dentro do território.

Fotos obtidas pela Folha ilustram, por exemplo, fazendas com construções grandes, pastos bem trabalhados, rebanhos de mais de 1.500 cabeças de gado, propriedades de até 2.000 hectares e antenas de internet da Starlink, empresa de telecominicações de Elon Musk.

Foram encontrados, por exemplos, caminhonetes de modelos como Toyota Hilux, Mitsubishi L200 e Nissan Frontier, veículos que custam acima dos R$ 200 mil.

No total, foram contabilizadas quase duzentas construções dentro da área de proteção, algumas inclusive com CAR (Cadastro Ambiental Rural) registrado, localizadas no interior do território, bem distante de suas fronteiras com as áreas de exploração legal dos recursos naturais.

Em um relatório interno obtido pela reportagem, as equipes registraram, em apenas dois dias, a movimentação de cerca de 4.000 cabeças de gado.

"Foi possível identificar um caminhão contendo alguns móveis e utensílios domésticos", diz o documento, e também uma casa "já sem portas e boa parte das paredes retiradas", o que indica que ela estava sendo desmontada.

Em outro sobrevoo, de algumas horas, foram avistadas 17 fazendas. Em uma delas, atesta a equipe, "as estruturas das residências permanecem intactas, havendo assim alguma expectativa de retorno por parte dos ocupantes irregulares".

Em outro momento, a equipe passou por uma casa no momento em que pessoas retiravam utensílios do seu interior e colocando em caminhonetes, para transporte.

Um agente descreve "espanto" ao serem "identificados diversos focos de queimadas, com fortes indícios de serem fruto de ação humana, sendo estas localizadas nas várias áreas de pastagem clandestina" e o "céu completamente coberto por fumaça".

O relatório afirma que as queimadas indicam o preparo do pasto para uma nova época de engorda de animais.

"Ao executar tais queimadas, fica evidente que existe entre os invasores a expectativa e o propósito de retorno para o território do povo Parakanã, o que deve ser combatido com todos os esforços governamentais", diz o documento.

O documento lembra ainda que a vegetação da floresta precisa de pelo menos cinco anos para se recuperar dos crimes ambientais e reforça a necessidade de uma ação constante para garantir que os invasores não retornem ao território.

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