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Instabilidade cresce com novas usinas

OESP, Especial, p. H2
05 de Nov de 2012

Instabilidade cresce com novas usinas
Fontes renováveis de energia reduzem a emissão de carbono, mas também comprometem a segurança do sistema pela sua complexidade

RENÉE PEREIRA
ESTADO

A manutenção do título de melhor matriz energética do mundo não sairá de graça para o Brasil. Se por um lado a forte participação das fontes renováveis na produção de eletricidade significará redução das emissões de carbono, por outro tornará o sistema nacional mais instável e sua operação bem mais complexa. Se não houver um bom planejamento, o País ficará mais exposto aos "apaguinhos", que se tornaram frequentes nas últimas semanas.
A explicação é a construção de grandes usinas, sem reservatório, distantes milhares de quilômetros dos centros urbanos e uma série de pequenas centrais elétricas, como as eólicas e as usinas a biomassa. A expectativa é que até 2021 o Brasil mantenha os atuais 84% da matriz elétrica com fontes renováveis. Mas o mix de usinas será diferente.
A participação das hidrelétricas vai cair de 72% para 64%. As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e a biomassa continuarão com 4% e 7% respectivamente. Quem vai fazer a diferença serão as eólicas, que ganharão oito posições até 2021 , subindo de 1% para 9%, prevê o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. "Com esse novo desenho, a operação do sistema muda. Era mais simples. Ficará mais complexa."
Um dos principais motivos para a mudança está nas restrições para construir hidrelétricas com reservatório, as chamadas usinas a fio d'água. Por questões ambientais, a maioria das grandes usinas não tem represa para guardar água, a exemplo das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Isso significa que o Brasil está perdendo capacidade de poupança para suportar períodos com hidrologia desfavorável.
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que em 2001, a capacidade dos reservatórios era suficiente para atender seis meses de carga de energia de todo o sistema interligado nacional. Em 2009, o volume já tinha caído para cinco meses. E, em 2019, será suficiente para apenas três meses.
"Ninguém quer construir um reservatório de qualquer jeito. Mas não podemos simplesmente eliminar a possibilidade de construir uma hidrelétrica com reservatório. Ao menos precisamos calcular qual o custo ambiental. Hoje nem isso é permitido fazer", afirma o presidente da consultoria PSR, Mario Veiga, um dos maiores especialistas no setor. Ele reconhece, no entanto, que o mix de energia renovável, com hidrelétricas, eólicas e biomassa, é muito bom.
Compensação. É no período mais seco que as eólicas e as usinas a biomassa têm o maior potencial de produção, explica Tolmasquim. A safra de cana ocorre entre maio e novembro e os ventos são mais fortes também nessa mesma época. "Enquanto essas unidades produzem mais energia, estocamos água nos reservatórios. Elas têm um papel sustentável incrível." Por outro lado, as três fontes de energia são altamente dependentes das condições climáticas. Ou seja, pode falta água, vento e a safra ser menor.
"Seria muito arriscado depender apenas das condições climáticas. Precisamos ter backup", argumenta o presidente da EPE. Com menos reservatórios, o País terá de acionar mais térmicas para complementar a produção de energia elétrica. É o que está ocorrendo neste momento. O ONS decidiu no fim do mês passado colocar todas as usinas térmicas disponíveis no Brasil para funcionar por causa do período seco.
Sem chuvas suficientes, os reservatórios de algumas regiões, como o Sudeste e o Centro-Oeste, estão no menor nível desde 2000, no pré-racionamento. Para evitar que o problema piore, o operador não teve escolha e acionou até mesmo as térmicas movidas a óleo combustível, óleo diesel e carvão, bem mais caras e poluentes.
Hoje cerca de 11 mil megawatt (MW) de energia térmica estão em operação do sistema. O preço do megawatt hora (MWh) gerado pelas térmicas a óleo varia entre R$ 310,41 e R$ 1.047,38, segundo relatório do ONS. As térmicas a gás, que já estão em operação, tem custo entre R$ 6,27 e R$ 401,67; e as movidas a carvão, entre R$ 56,34 e R$ 341,89.
"Não temos outra alternativa. Sem reserva suficiente, temos de usar as térmicas. O problema é que elas são caras", avalia Erico Evaristo, membro do Conselho da Bolt Energias. Ele observa que uma saída seria incrementar a matriz elétrica com termoelétricas movidas a gás natural. Mas, no momento, a Petrobrás, principal produtora do combustível, não tem oferta suficiente para atender a demanda. Uma parte das usinas movidas a gás em operação no País estão funcionando com Gás Natural Liquefeito (GNL) importado, bem mais caro.
Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, a matriz energética brasileira é invejável. "Por isso, não podemos usá-la pela metade. Os reservatórios são um mal necessário. Não tem outra forma de regularizar o sistema, deixá-lo mais estável."
Energia do futuro. A nova promessa é a energia solar, destaca Tolmasquim. Ele conta que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acaba de aprovar uma série de regras destinadas à redução de barreiras para a instalação de geração distribuída de pequeno porte, que incluem a microgeração, com até 100 KW de potência, e a minigeração, de 100 KW a 1 MW.
Pelo sistema, as placas solares instalada em uma residência, por exemplo, produzirá energia elétrica e o que não for consumido será injetado no sistema da distribuidora, que usará o crédito para abater o consumo dos meses subsequentes.
Segundo a Aneel, os créditos poderão ser usados dentro de um prazo de 36 meses e as informações estarão na fatura do consumidor. A esperança é que a fonte de energia siga os passos da eólica, atraiam novos fabricantes e seu preço caia de forma significativa. Mas isso não será imediato. Até 2020, sua participação será modesta, destaca Tolmasquim.

Distância das grandes usinas deixa sistema vulnerável a apagões
Qualquer falha nas linhas de transmissão pode derrubar todo o sistema interligado, ou boa parte dele

A fragilidade verificada no sistema brasileiro de transmissão nos últimos meses poderá piorar se o governo não planejar adequadamente a entrada em operação do novo mix de energia previsto para os próximos anos. A construção de mega hidrelétricas, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio pode deixar o sistema mais vulnerável, alertam especialistas.
Um dos motivos é que essas usinas estão distantes dos principais centros de consumo e exigirão grandes linhas de transmissão para trazer a energia do Norte para o Sudeste. Se os mecanismos de proteção não funcionarem de forma eficiente, qualquer falha na linha poderá derrubar todo - ou boa parte - do sistema interligado. O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, destaca que, quando essas linhas começarem a funcionar, será necessário fazer "esquemas especiais e dimensionar medidas de proteção, de forma que a perda não se propague".
Outro fator de instabilidade é que no período chuvoso essas hidrelétricas vão gerar muito mais energia do que durante a seca. Para ter uma ideia, a quantidade de água no mês mais úmido do Rio Xingu, onde está sendo construída Belo Monte, é 25 vezes maior do que no mês mais seco; e em Santo Antônio e Jirau, 11 vezes. Ou seja, a entrada e saída de energia do sistema será maior do que ocorre hoje.
Junta-se a isso uma série de pequenas e médias usinas em construção no País, como é o caso das usinas a biomassa, painéis solares e parques eólicos. Um estudo feito pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP) mostra que essas unidades entram e saem do sistema nacional com maior frequência. Isso exige manobras mais complexas e deixam o sistema exposto a falhas.
Mas especialistas alertam: além de melhor planejamento da operação, a rede de transmissão exige maior concentração de investimentos em manutenção e modernização das atuais instalações. Na avaliação do professor da Universidade de São Paulo (USP), Sidnei Martini, ex-presidente da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), o sistema brasileiro precisa passar por um check-up geral, fazer um diagnóstico aprofundado para detectar falhas e permitir a adoção de medidas preventivas. "É preciso ir além da manutenção rotineira."
Ele destaca que, com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, o consumo de energia vai crescer de forma excepcional. Se a rede não estiver preparada, poderemos ter problemas de apagões durante os eventos. O governo federal nega que os últimos desligamentos sejam resultado de falta de investimentos na rede. /R.P.

OESP, 05/11/2012, Especial, p. H2

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