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Inspiração na grandiosidade de Geisel

O Globo, Especial, Era Lula, p. 8
19 de Dez de 2010

Inspiração na grandiosidade de Geisel
Governo Lula opta pelo marketing das obras ambiciosas, mas, no caminho dos projetos, surgem polêmicas, protestos e contestações

Por Gustavo Paul
Brasília

No último dia 9, quando participava do derradeiro balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de sua gestão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva citou mais uma vez o governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) como parâmetro histórico de planejamento e impulso de grandes obras no país. Essa inspiração "geiseliana" é recorrente há mais de dois anos nos discursos de Lula como justificativa para seus ambiciosos planos de obras. Tão vastas como o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) de Geisel, as duas versões do PAC preveem mais de R$ 2 trilhões de investimentos com obras grandes e, muitas vezes, polêmicas.
- Para mostrar que a gente não estava falando nenhuma bobagem e para mostrar que a gente estava fazendo uma coisa que a sociedade brasileira não via desde 1975, é importante lembrar por que a gente tem memória curta: este país, depois do governo Geisel, não teve mais investimento em infraestrutura - disse Lula, referindo-se ao PAC.
A primeira versão do programa somará investimentos de R$ 657 bilhões e a segunda estima mais R$ 1,59 trilhão em obras a serem feitas pela futura presidente, Dilma Rousseff e seu sucessor. A prateleira de projetos do governo oferece refinarias, ferrovias, hidrelétricas e plataformas de exploração de petróleo, bem como a transposição das águas do Rio São Francisco. O objetivo estratégico proclamado é promover o crescimento sustentável do país.
Ao lançar, em 1974, o II PND, o presidente Ernesto Geisel tinha objetivo semelhante. Segundo um estudo elaborado em 1997 pelo hoje ministro da Fazenda, Guido Mantega, para a Fundação Getulio Vargas, eram evidentes os sinais de esgotamento do modelo econômico que marcou o milagre econômico do governo Emílio Médici. As semelhanças das estratégias com o governo Lula são evidentes:
"O novo governo que assumia em 1974 tinha diante de si um sério dilema. Fazer um ajuste conservador, nos moldes sempre sugeridos pelo FMI, e promover aquela recessão geral, de eficácia duvidosa, porém infalível para desgastar qualquer governo. Ou promover outro tipo de ajuste que viabilizasse a continuação do crescimento.
Este último foi o caminho trilhado pelo Governo Geisel com o II PND", explica Mantega em "O Governo Geisel, o II PND e os economistas".
O PND tinha como meta a expansão das indústrias de bens de produção (máquinas,equipamentos pesados,aço, cobre, energia elétrica, entre outros).
Por isso, o governo estimulou grandes obras nos setores de mineração - exploração do minério de ferro na Serra dos Carajás, extração da bauxita, por exemplo - e de energia - construção de poderosas usinas hidrelétricas como Itaipu, Tucuruí e Sobradinho.
Além disso, surgiram as chamadas "obras faraônicas", como a Ferrovia do Aço, as usinas nucleares em Angra dos Reis e a Açominas. Essas também eram custeadas com empréstimos estrangeiros baratos, os petrodólares, e crédito do então BNDE.
A exemplo do que ocorre atualmente, muitos dos projetos definidos pelo II PND nas áreas da indústria pesada, ou seja, petroquímica, hidroelétrica e siderúrgica, e dos transportes tiveram que ser executados pelos cofres públicos, o que ampliou a presença das estatais no cenário econômico brasileiro: Petrobras, Furnas, Eletrobras e Telebras foram fortalecidas. A mesma preocupação de fortalecer o Estado marcou os oito anos de governo Lula.
- Obras como a do trem de alta velocidade, a transposição do Rio São Francisco e a usina hidrelétrica de Belo Monte são o retorno do modelo de desenvolvimento estatizante dos anos 70, no qual o governo planeja e impõe seu planejamento - diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
No governo Lula, a decisão de tocar obras sobrepôs-se às análises econômicas, que desconfiavam dos projetos. A maior polêmica gira em torno do Trem de Alta Velocidade (TAV), que ligará o Rio a São Paulo e Campinas. Polêmico do primeiro ao último quilômetro, o projeto foi orçado em R$ 33,1 bilhões, mas nenhum dos concorrentes acredita que ele sairá tão barato. A licitação, remarcada várias vezes, foi adiada para abril do ano que vem, dessa vez para garantir que pelo menos dois competidores entrem na disputa.
O professor Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Estudos Logísticos da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, afirma que o projeto não faz sentido econômico.
- Para dar retorno ao investimento, o trem teria que atender em 15 anos a uma demanda cinco vezes maior do que a ponte aérea atual - afirma.
Já o diretor do Centro de Estudos em Logística do Coppead, o instituto de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Peter Wanke, argumenta que o trem representa uma "prioridade totalmente equivocada".
- Cada quilômetro do trem de alta velocidade poderia construir 30 quilômetros de ferrovias tradicionais.
Com o recurso para construir os 500 quilômetros do trecho poderiam ser feitos 15 mil quilômetros da malha ferroviária - diz Wanke.
A usina de Belo Monte, no Rio Xingu, também é um projeto faraônico, orçado oficialmente em R$ 19 bilhões, mas que deve sair por cerca de R$ 25 bilhões, segundo seus próprios construtores. Para viabilizar o projeto, que corria o risco de não ter interessados, o governo montou um financiamento camarada e acionou estatais e fundos de pensão para ajudar na obra.
A imposição governamental sobre investimentos da Petrobras é um caso exemplar. O presidente Lula admitiu este ano que as refinarias de petróleo em construção não seriam feitas se a decisão dependesse da Petrobras. O parecer técnico sustentava que as refinarias existentes já davam conta da demanda.
Mas as obras foram tocadas por uma "decisão de governo".
A transposição das águas do rio São Francisco, orçada em R$ 4,5 bilhões, também contornaram a falta de unanimidade. Ela prevê a construção de dois canais que totalizam 700 quilômetros de extensão para irrigar a Região Nordeste e semi-árida do Brasil. Entre muitas críticas, sustenta-se que ela afetará o ecossistema e que só vai ajudar os grandes latifundiários, pois grande parte do projeto passa por grandes fazendas.

O Globo, 19/12/2010, Especial, Era Lula, p. 20

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