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Inovações transformam práticas ancestrais em aldeias

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
05 de Set de 2024

Inovações transformam práticas ancestrais em aldeias
Novos equipamentos, tecnologias e processos trazem reflexos econômicos, ambientais e culturais para terras indígenas

Martha Funke

05/09/2024

Novos equipamentos, tecnologias e processos estão levando inovação a povos indígenas da Amazônia, com reflexos econômicos, ambientais e culturais. Uma das iniciativas é o uso de uma vulcanizadora de alumínio e plástico termoplástico pela aldeia Tukaya, localizada na Terra Indígena Xipaya, no Xingu, que realiza a aplicação de látex em tecidos emborrachados.

Tradicionalmente, a economia da aldeia é baseada na extração sustentável de recursos naturais, como o látex, vendido em blocos. Até que a fabricante de mochilas e bolsas BossaPack sugeriu encauchar os tecidos na própria aldeia. Primeiro, com secagem em protótipo de forno confeccionado com lâminas de aluzinco, com temperatura de até 50oC e até sete dias de secagem.

O processo avançou com o novo equipamento, que alcança 90oC e reduziu o processo a um dia. A tecnologia foi elaborada em parceria entre a BossaNova, a Mercur, empresa de inovação e responsabilidade social, e a PlenaSol, especializada em fornos solares. Hoje, o tecido é feito com algodão orgânico fornecido pela BossaNova, cujos produtos levam QR code com informações sobre origem e processo de produção. Com o encauchamento, o valor recebido por litro de látex passou de R$ 7 para R$ 57. Os tecidos ainda são pintados pelas mulheres com grafismos tradicionais do povo xipaya.

"Mesmo com chuva vai sair um pano de mais qualidade", diz Ziapa Xipaya, um dos responsáveis pelo projeto na aldeia. "A nova estufa trouxe mais renda", acrescenta sua irmã Piware Xipaya - o artesanato incluiu as mulheres na cadeia do látex, antes exclusivamente masculina. O projeto envolve 30 moradores da aldeia e foi financiado pelo instituto Lira/Ypê, conta a coordenadora executiva do instituto, Neluce Soares.

Outras ferramentas tecnológicas estão sendo usadas em favor de aldeias, como processos de monitoramento do território, para vigilância ou levantamento demográfico e de biodiversidade. A CI-Brasil, empresa voltada à proteção da biodiversidade e apoio a indígenas, desenvolveu um aplicativo de celular para reunir registros como fotos (por celular ou drone) e gravação de voz de ocorrências captadas em incursões, identificadas por ícones derivados de pictogramas desenhados pelos povos.

Os dados são carregados em nuvem, com acesso definido pelos indígenas e dados secundários como os do INPE e do Mapbiomas. A solução começou a ser usada em 2023 e gerou 27 painéis de informações, como localização de caça (150 registros), elementos de infraestrutura, a exemplo de cemitérios e desembarcadores (829 registros), plantas de relevância (180 registros), além de 210 registros demográficos.

Hoje, 17 aldeias dos povos yawanawá e ashaninka, com cerca de 2.400 moradores, usam a tecnologia para ajudar a monitorar mais de 270 mil hectares nas Terras Indígenas de Rio Gregório e Kampa, no rio Amônia (AC). Outra novidade apoiada pela CI-Brasil é a união de pesquisadores acadêmicos e agentes indígenas do povo panará, do Xingu, para monitoramento da biodiversidade. "Pode abrir potencial para geração de renda com mecanismos que paguem por serviços ambientais", diz o vice-presidente da CI-Brasil, Maurício Bianco.

Outras inovações surgem com processos inéditos em práticas ancestrais. Um exemplo é o manejo pesqueiro sustentável do povo paumari, no rio Tapauá (AM), recém-premiado pela Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. O modelo foi desenvolvido depois da pesca predatória do pirarucu ameaçar a espécie de extinção na década de 1990.

Os paumari se distribuem em cinco terras indígenas. Três delas têm apoio da Operação Amazônia Nativa (Opan) para o manejo sustentável. Depois do monitoramento, iniciado em 2009, a primeira autorização de pesca de 30% dos peixes contabilizados, concedida pelo Ibama, rendeu 50 pescados. No ano passado, foram 650.

O processo é apoiado por bases flutuantes em pontos estratégicos do território, para conter invasões. Os peixes são eviscerados nas bases e levados por quatro dias de barco até Manacaparu (AM), para processamento e embalagem. Da renda gerada, 30% se destinam ao caixa da Associação Indígena Povo das Águas (Aipa). O restante é distribuído entre os participantes.

A Aipa se encarrega da venda para a Associação dos Produtores Rurais de Carauri (Asproc), que coordena o arranjo comercial articulado pelo Coletivo de Pirarucu. O coletivo, por sua vez, vende o peixe em sete capitais do país, com a marca Gosto da Amazônia. "Éramos um povo desconhecido e isolado, agora somos reconhecidos no Brasil e mundo afora", diz Francisco Paumari, um dos coordenadores do manejo do pirarucu.

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/amazonia/noticia/2024/09/…

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