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Infra-estrutura - Estrategia para 2025 preve captacao em bacias distantes: os bilionarios planos para levar agua a Grande SP

Valor Economico
Autor: FALEIROS, Gustavo
03 de Fev de 2004

Infra-estrutura -  Estratégia para 2025 prevê captação em bacias distantes
Os bilionários planos para levar água à Grande SP
Gustavo Faleiros, De São Paulo
"Por que os padres José de Anchieta e Manoel da Nóbrega não andaram um pouco mais?". Pode parecer surpreendente, mas a escolha geográfica dos fundadores da Vila de Piratininga, cidadela que se tornaria, alguns séculos depois, uma das maiores metrópoles do mundo, angustia ainda hoje um pequeno grupo de pessoas. São engenheiros, políticos e gestores ligados ao sistema de recursos hídricos de São Paulo.
O governo do Estado, que está prestes a lançar sua estratégia de fornecimento de água até 2025, o Plano Diretor de Abastecimento de Água da Região Metropolitana de São Paulo, tem se deparado com um considerável problema. Com a possibilidade de se enfrentar um racionamento, trazer mais água à megalópole paulista, para servir a uma população que deve chegar a 22 milhões de pessoas em 20 anos, será trabalhoso e, acima de tudo, muito caro. Num primeiro momento a idéia é realizar obras de menor envergadura para garantir o fornecimento até 2015. Mas já se contemplam projetos para buscar água a grandes distâncias da capital. Neste caso, os planos são bilionários.
Uma das alternativas de fornecimento talvez vença exatamente a distância que os engenheiros gostariam que Anchieta e Nóbrega tivessem percorrido. Trata-se de uma adutora de 280 km, a um custo de R$ 1,8 bilhão para trazer 10 metros cúbicos (m3 ) por segundo de água do médio Tietê. O rio, na altura de Barra Bonita, tem uma vazão duas vezes maior do que quando cruza a região metropolitana, e o esgoto jogado a montante já está diluído.
Mas não é apenas a pouca quantidade de água disponível em São Paulo que tem tirado o sono dos 'críticos' da opção jesuíta. A cidade está a cerca de 800 m do nível do mar e os custos com energia para levar água a sua população não são pequenos. O Sistema Cantareira, um conjunto de represas que atente 9 milhões de pessoas, demanda R$ 15 milhões por ano para a energia que bombeia água da bacia do Piracicaba, do outro lado da Serra da Cantareira. A alternativa de se trazer água do médio Tietê geraria um gasto com energia de R$ 35,1 milhões por ano.
Outra alternativa que há alguns anos circula nos gabinetes é trazer 30 m3/s do baixo Juquiá, no sul do Estado, para a capital. O plano é "bonito", definiu um especialista, mas seus custos o tornam praticamente inviável pois seria preciso bombear água desde quase o nível do mar e se estima um custo de R$ 131,7 milhões por ano com energia. Já os valores da obra são controvertidos. A empresa que desenvolve o projeto calcula em cerca de R$ 1,5 bilhão, mas fontes do governo não crêem que saia por menos de US$ 1 bilhão.
As questões ambientais também gerariam polêmica no caso do Juquiá. O rio está na bacia do Ribeira do Iguapé, região com Mata Atlântica e biodiversidade das mais preservadas do país. Captar água nos rios dali fragilizaria o que os ambientalistas chamam de "berço de peixes", afetando o ecossistema de estuário.
Os planos estaduais consideram ainda um outro rio da bacia do Ribeira do Iguape, o São Lourencinho. A idéia é bombear 30 m3 / s para o rio Santa Rita e daí para a Guarapiranga. O custo não é modesto: R$ 1,3 bilhão para a obra e R$ 116 milhões anuais para a energia. Há limitações ambientais, uma vez que a a captação necessitaria de um reservatório dentro da Serra do Mar, área protegida.
A vantagem de se trazer água de rios da bacia do Ribeira é a sua qualidade. Hoje, através do Sistema Cantareira, a Sabesp (companhia de saneamento do Estado) consegue fornecer água de boa qualidade com baixo custo. Neste sentido seria um desafio para o Estado tornar potável a água do próprio Tietê. Mesmo assim, o secretário de Recursos Hídricos de São Paulo, Mauro Arce, vê vantagens em trazer água do rio que na capital não passa de um esgoto a céu aberto. Seria como dizer "podemos usar o rio à vontade contanto que bebamos a água na saída", define Arce. Ou seja, seria necessário prevenir a poluição na cidade para melhorar a água mais à frente. Um círculo virtuoso na visão do secretário.
A opção não tão cara, mas que talvez gere maior polêmica é o aproveitamento das águas do Paraíba do Sul. A utilização deste rio, cuja bacia abrange os estados de São Paulo, Rio e Minas Gerais, demandaria uma negociação política delicada. Hoje boa parte da vazão do Paraíba é utilizada para abastecer a Região Metropolitana do Rio, o restante da água serve para diluir o esgoto da cidade. O problema seria obter do governo do Rio e dos usuário à jusante o aval para tirar água do rio, que já tem uso intenso por conta das cidades e fábricas localizadas ao longo da bacia.
Os planos prevêem a interligação entre a bacia do Paraíba do Sul com a bacia do Alto Tietê e com o Sistema Cantareira. No primeiro caso se bombearia 5m3/s de água para o reservatório Ponte Nova a um custo de R$ 187,3 milhões. No segundo, se diminuiria em 10 m3/s a vazão do reservatório Jaguari, hoje utilizado para regularizar o Paraíba. Seriam gastos R$ 201 milhões. Nestas duas opções, o custo com energia é baixo.
A história do fornecimento à capital paulista mostra que trazer águas de outras bacias nunca foi uma alternativa pacífica. Neste ano em que se tem o desafio de planejar o abastecimento, vence a outorga do Sistema Cantareira. Assinada em 1974, a autorização permite que o governo estadual transfira água do Piracicaba para abastecer São Paulo. Uma séria de doze reuniões (duas já ocorreram) entre o governo do Estado e o Comitê de Bacia do Piracicaba vai definir se a Sabesp poderá continuar retirando 31 m3/s .
"Além de precisarmos de mais água, necessitamos repor uma parte que poderá ser suprimida", pondera Arce com preocupação. O secretário conta que o governo estadual analisa a possibilidade de construir mais um reservatório para melhorar a vazão da bacia do Piracicaba. Segundo ele, a região, composta por cidades com rápido crescimento econômico, como Campinas, Piracicaba e Americana, não sofre com falta de água, mas está necessitando cada vez mais de uma vazão maior para diluir esgoto não tratado.
O presidente do Comitê de Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, o prefeito de Rio Claro Cláudio de Mauro (PV), reclama que o argumento sobre a necessidade de água para diluir esgoto não pode ser usado pelo governo do Estado. "O mau exemplo é da cidade de São Paulo que precisa tirar água de outra bacia porque não cuidou do Tietê". Mauro afirma que o comitê buscará um acordo nas reuniões, contanto que a Sabesp crie meta de redução de consumo, ampliando o uso de fontes alternativas, como o reuso de água
O professor da USP Aldo Rebouças, um dos maiores especialistas em recursos hídricos do país, critica as soluções "típicas da engenharia" para aumentar o fornecimento. "Esse já era o modelo usado pelos romanos antes de Cristo: trazer água de outros lugares e transformar os rios próximos em depósito de esgoto". Para Rebouças, o estímulo a economia de água tem que ser maior. Suas sugestões são a criação de uma rede secundária para a água de reuso além do aumento da captação de água de chuva na cidade.
A estratégia de conter o consumo não é desconsiderada. Segundo Arce, nos últimos 5 anos o uso de água caiu de 280 para 170 litros por pessoa/dia, e a meta é uma redução a 110 litros. A dúvida, observa o engenheiro Orlando Cassetari, um especialista com 25 anos na Sabesp, é como acompanhar a tendência da população. "São Paulo está precisando de água para já", diz. As projeções do plano estadual mostram que a margem entre demanda e capacidade é realmente reduzida. No ano que vem, projeta-se um consumo médio de 70 m3/s enquanto a capacidade máxima do sistema é de 73 m3/s.
Por isso, Arce afirma que haverá uma primeira etapa, com obras de menor envergadura, que deverá garantir o fornecimento de mais 15 m3/s até 2015, elevando a capacidade a cerca de 80 m3/s.. As primeiras ações estão sendo tomadas com a construção de duas represas, Biritiba e Paraitinga, e ampliação da represa de Taiçupeba no sistema Alto Tietê. Isso aumentaria a capacidade em 5,9 m3/s. "Esses investimentos nos darão flexibilidade para enfrentar a diversidade hidrológica que temos nesta região", afirma Arce ao informar que 2003 ainda tem poucas chuvas para recuperar o nível dos reservatórios do Cantareira.
Também devem entrar no sistema num prazo de dez anos as captações em um braço da represa Billings, nos rios Itapanhaú, Itatinga e Juquiá. O fornecimento através do Juquiá acrescentaria 4,7 m3/s ao sistema. É o limite para que não se afete a geração de energia à jusante, onde estão as usinas que alimentam as plantas da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA).
Se soubesse que sua escolha poderia um dia causar tanta dor de cabeça, para não dizer gastos bilionários, pode se imaginar que a Companhia de Jesus de Anchieta e Nóbrega não hesitaria em estender em 280 km a sua caminhada.

Valor Econômico, 03/02/2004

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