VOLTAR

Informe n 968: Bancada indígena da CNPI suspende diálogo com Governo Federal

Cimi - www.cimi.org.br
Autor: Renato Santana
16 de Jun de 2011

A posição foi tomada depois que o presidente da CNPI decidiu sair em férias logo no primeiro dia do 17 encontro da Comissão

Em protesto, a bancada indígena esvaziou a reunião desta quinta-feira, dia 16, da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Com isso, suspende o diálogo com o Governo Federal até que a presidente Dilma Roussef e seus ministros envolvidos com a questão indígena recebam as lideranças para tratar das reivindicações dos mais de 230 povos indígenas de todo o país. A posição foi tomada depois que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da CNPI decidiu sair em férias logo no primeiro dia do 17 encontro desta Comissão.

No entanto, essa é apenas mais uma postura desrespeitosa e de omissão do Governo Federal. Para a bancada, a morosidade em resolver problemas apresentados, criminalização das lideranças, paralisia nas demarcações de terras e as manifestações da Funai a favor de empreendimentos que impactam os territórios tradicionais são sinais de que o governo ignora os esforços indígenas pelo diálogo.

"Estamos insatisfeitos com o que está acontecendo aqui e por isso nós vamos nos retirar à espera de um melhor momento, o momento em que a presidente (Dilma Roussef) e seus ministros nos receba", disse Sandro Tuxá. As reivindicações do Acampamento Terra Livre, principal mobilização indígena que, anualmente, ocupa a Esplanada dos Ministérios (DF), e este ano aconteceu entre os dias 2 e 5 de maio, até o momento não foram sequer debatidas com as lideranças indígenas.

A história de descaso é antiga. Em dezembro de 2009, entre o Natal e o Ano Novo, a reestruturação da Funai foi anunciada sem consulta prévia aos indígenas da CNPI. Porém, a bancada foi acusada de ser co-responsável pela aprovação e encaminhamento. Os desrespeitos se acumulam: conforme as lideranças constataram, a cada reunião da comissão novas demandas surgem sem que as anteriores tenham sido encaminhadas e resolvidas pelo órgão indigenista do governo.

Junto com Sandro Tuxá, cerca de 10 lideranças indígenas pronunciaram a revolta com a postura omissa do governo. Anastásio Guarani (Kaiowá) frisou que ao esvaziar a reunião e suspender o diálogo, a bancada visa fortalecer a CNPI: "Porque não adianta continuar alimentando algo que não nos tem adiantado de nada. Queremos que essa comissão garanta os nossos direitos".

Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e membro da CNPI, destacou a importância histórica da criação da CNPI frente aos mais de 500 anos de espoliação dos povos originários. Segundo Saulo, justamente por esta razão, a decisão dos indígenas é importante para que o governo respeite seus direitos e espaços de poder político conquistados.

O diretor da Funai Aloysio Guapindaia, representando o governo, não emitiu qualquer opinião sobre a decisão da bancada indígena assim como nenhum outro membro da bancada governamental. Ao final, uma jovem indígena Avá Canoeiro fez um depoimento emocionado revelando a situação de abandono de seu povo, 26 pessoas que vivem divididas em territórios de outros povos: "A Funai nos trata feito bichos. Nós somos gente, mas nos tratam como porcos. Dizem até que estamos em extinção. Por isso vim aqui para mostrar que somos humanos e queremos ver nossos direitos atendidos".

Leia o manifesto elaborado pelos povos organizados na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

MANIFESTO DA BANCADA INDÍGENA DA COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA - CNPI

SUSPENDEMOS A NOSSA PARTICIPAÇÃO ATÉ O GOVERNO DILMA ATENDER AS NOSSAS DEMANDAS

Nós, representantes indígenas na Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI, em protesto contra a omissão, o descaso e a morosidade do Governo da Presidente Dilma Roussef em garantir a proteção dos direitos dos nossos povos, suspendemos nesta data de início da 17ª. Reunião Ordinária a nossa participação na Comissão em razão dos seguintes acontecimentos:

1. - Resoluções das quais participamos raramente foram encaminhadas, tornando-se sem efeito e resultado concreto.

2. Outras decisões de governo, como a reestruturação da Funai, foram encaminhadas sem o nosso consentimento, no entanto fomos acusados de ter sido co-responsáveis na sua aprovação e encaminhamento.

3. Contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que em seu artigo 6 estabelece que os governos deverão "consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e particularmente, por meio de suas instituições representativas, sempre que se tenha em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente", e contrariando o próprio Decreto de criação da CNPI, o governo tem adotado medidas de flagrante violação aos nossos direitos.

O governo está determinado a construir empreendimentos que impactam ou impactarão direta ou indiretamente as nossas terras, o meio ambiente, a vida e cultura dos nossos povos, como a hidrelétrica de Belo Monte.

Nos últimos dias fomos surpreendidos por mais um ato antiindígena do Poder Executivo que publicou sem ter ouvido os nossos povos e organizações a Portaria Conjunta no 951 de 19 de maio de 2011 que cria um grupo de estudo interministerial para elaborar ato que discipline a participação dos entes federados nos procedimentos de identificação e delimitação das terras indígenas.

Questionamos a finalidade proposta pela referida portaria cuja justificativa é atribuída à aplicação da "Condicionante n 17 da decisão do Supremo Tribunal Federal na PET 3388", referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Não podemos entender a pressa do Governo brasileiro em se antecipar à conclusão do julgamento, sendo que o Supremo Tribunal Federal não concluiu este processo, a não ser para atender aos interesses de alguns governos estaduais, grupos econômicos e oligarquias políticas regionais declaradamente contrárias aos direitos dos povos indígenas.

Como representantes dos nossos povos na Comissão Nacional de Política Indigenista queremos tornar pública a nossa posição contrária a esta Portaria, razão pela qual exigimos a sua imediata revogação

4. Enquanto espaço privilegiado de diálogo e interlocução com o governo para definir as políticas de interesse dos nossos povos a CNPI teve feitos importantes como as consultas regionais sobre as propostas para o novo Estatuto dos Povos Indígenas, a elaboração do Projeto de Lei do Conselho Nacional de Política Indigenista e a construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI). Porém, essas ações se tornaram até o momento sem efeito, uma vez que o governo não cumpre o compromisso de viabilizar a tramitação, aprovação e implementação desses instrumentos.

5. A implementação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a autonomia política, financeira e administrativa dos Distritos Sanitários Especiais Indíegnas (DSEIs) não está acontecendo.

6. A reestruturação da FUNAI não sai do papel e os problemas nas comunidades continuam se agravando. As coordenações regionais e coordenações técnicas locais não estão funcionando, e o órgão indigenista paralizou as suas ações, notadamente a demarcação das terras indígenas, os processos de desintrusão e se comporta conivente do processo de criminalização de lideranças e comunidades indígenas.

7. A educação escolar indígena diferenciada, direito conquistado na Constituição Federal e em Legislação específica, está sendo desrespeitada. O Ministério de Educação até o momento não implementou as decisões tomadas na Conferência Nacional de Educação Indígena e nem estruturou o setor correspondente para o cumprimento destas ações.

8. A nossa participação na CNPI tornou-se sem sentido. Só voltaremos a esta Comissão quando a Presidente Dilma Roussef e seus ministros envolvidos com a questão indígena compareçam a esta instância dispostos a estabelecer um agenda de trabalho e metas concretas, explicitando qual é a política indigenista que irá adotar para o atendimento das demandas e reivindicações que reiteradamente temos apresentado ao governo neste âmbito ou por intermédio dos nossos povos e organizações representativas como aconteceu no último Acampamento Terra Livre realizado em Brasília no período de 02 a 05 de maio de 2011.

9. Reiteramos o nosso repúdio à forma autoritária e a morosidade com que o governo Dilma está tratando os nossos direitos e reivindicamos respeito a nossa condição de cidadãos brasileiros e representantes de povos étnica e culturalmente diferenciados, com direitos assegurados pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Como o fizemos até agora, manifestamos a nossa disposição de continuar lutando e contribuindo na construção das políticas voltadas nós, desde que estas atendam os reais interesses e aspirações dos nossos povos e comunidades.

http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=5633&eid=274

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.