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Informalidade prevalece nos pequenos empreendimentos

Valor Econômico, Especial, p. F3
17 de Nov de 2014

Informalidade prevalece nos pequenos empreendimentos
7 mil mineradores atuam em áreas de até 100 km quadrados

Timóteo Camargo
Para o Valor, de Boa Vista

As condições geológicas são favoráveis para o ouro na Amazônia. Nos anos 1980 a facilidade de extração do metal na superfície foi o grande atrativo para o garimpo, como no século XVIII em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Hoje há locais como a província aurífera Gurupi, entre os Estados do Pará e do Maranhão, com milhares de ocorrências de ouro que ainda não foram pesquisadas com técnicas modernas.
Dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) revelam que somente na área de pesquisa do solo em busca de minerais metálicos existem hoje no Brasil cerca de 7 mil empreendedores individuais atuando em áreas pequenas, de até cem quilômetros quadrados. Outras 1300 empresas de pequeno e médio porte atuam em áreas entre 100 e 1000 quilômetros quadrados.
Pequenos e médios respondem por dois terços da área pesquisada para bens minerais metálicos. A etapa de lavra é difícil de mensurar porque a informalidade domina a pequena e média mineração nacional. Na Amazônia, além do ouro, procuram principalmente cassiterita e pedras semipreciosas de alto valor.
A extensão dos empreendimentos e o potencial contrasta com a atenção dada pelo Estado aos empreendedores, na opinião de Paulo Valle Pereira, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM): "Existe uma série de incentivos à agricultura e à pecuária; para a pequena mineração, não há. A falta de capital de um lado e a falta de tecnologia e gestão por outro mantém a pequena mineração como era no Brasil colônia", afirma.
Para Pereira, o país não conseguiu superar traumas históricos da atividade: "Nos Estados Unidos, Canadá e Austrália a mineração foi incentivada, foi um motor do desenvolvimento. No Brasil, quando se descobriu diamante, por exemplo, os indivíduos foram impedidos de explorar e todo mundo foi jogado na ilegalidade, no garimpo."
Tecnicamente, garimpar é minerar por meio de instrumentos rudimentares, o que praticamente não existe mais. Hoje máquinas permitem que o trabalho artesanal de 30 dias seja feito em três horas, mesmo por pequenos mineradores. Porém, o avanço tecnológico não foi suficiente para reverter a informalidade.
A Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot) reúne cerca de 2 mil garimpeiros associados. A organização foi criada em 1993 para defender os direitos dos pequenos mineradores, sobretudo nos entraves com o licenciamento ambiental.
"A partir de 1981 a legislação ambiental avançou como cavalo de corrida e a legislação mineral a passos de tartaruga", afirma o geólogo Jubal Cabral Filho, porta-voz da Amot. "As três esferas do governo não têm condições de outorgar licenças e fiscalizar", comenta o geólogo.
De acordo com Jubal, a cidade de Itaituba, onde fica a sede da associação, por exemplo, conta com apenas um servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). "Se o governo federal não tem gente, só com o satélite não tem como outorgar e fiscalizar. A licença estadual está centralizada em Belém (a 1350 quilômetros por terra de Itaituba) e os municípios não têm como arcar com os custos," afirma Jubal.
O geólogo da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós reclama da falta de "respeito federativo" pela atividade e de um descompasso da política nacional para os garimpos, que já foram tratados como fonte de lastro para a moeda nacional.
"Os garimpeiros veem (a formalização da sua atividade) como se o governo os quisesse prender, e preferem ficar de fora", diz.
A exigência de documento de procedência para a comercialização do ouro tem levado alguns mineradores individuais a buscar a regularização - na maioria vezes sem sucesso. "Se houvesse ações de governo que mostrassem as vantagens para os garimpeiros, eles correriam atrás.
Para Ambrózio Ichihara, diretor de geologia, mineração e transformação mineral da Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração do Pará (Seicompa), a dinamização do licenciamento ambiental é o primeiro passo para certificação da origem do ouro do Pará: "Hoje quase tudo é ilícito".
Nos últimos dois anos, a secretaria construiu o primeiro 'Plano Estadual de Mineração' do Brasil, envolvendo 200 instituições do setor e cerca de 1300 pessoas.
O documento indica a articulação com os municípios como estratégia para levar a cabo as ações em um Estado que tem duas vezes o tamanho da França. Um projeto em andamento é a reunião em um grupo de trabalho da Seicompa com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), secretarias municipais de meio ambiente, Departamento Nacional de Produção Mineral, Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós, Instituto Brasileiro de Mineração e sindicatos e outros agentes interessados no processo.
O Governo do Pará quer fortalecer a atuação dos municípios no licenciamento e fiscalização. A mineração é uma atividade mais interior que a florestal e a agropecuária. Só na região do Tapajós existem cerca de 600 pistas de pouso, que atendem em média a três garimpos cada.
"O município pode não ter perna hoje para cobrir essa tarefa, mas está mais próximo das demandas e pressões, e sofre com os impactos econômicos", afirma Ambrózio. A secretaria estima que a regularização da atividade geraria uma aumento de mais de R$ 20 milhões na arrecadação do Pará só com o Imposto sobre Operações Financeiras do ouro do Tapajós.

Imagem negativa restringe acesso a financiamentos

Para o geólogo Paulo Valle Pereira, pequenos e médios empreendimentos sofrem com um ciclo negativo que não conseguem romper sem ajuda externa. A imagem negativa das empresas restringe o acesso a financiamentos, o que limita a pesquisa geológica e o acesso restrito à tecnologia, o que resulta na imposição de condições precárias de trabalho, provocando danos ambientais, o que acaba por reforçar essa imagem negativa.
Uma forma interferir neste ciclo é buscar fora do Brasil capital de risco para financiar as pesquisas. As 'junior companies' funcionam de maneira análoga às startups tecnológicas. Uma júnior se capitaliza por meio da venda de ações no mercado e pesquisa jazidas para vendê-las a médias e grandes mineradoras.
"A mineração precisa ver que o produto está lá", explica Paulo Pereira, que criou a Brazil Resources Inc.. A companhia é financiada por recursos captados na Bolsa de Valores de Toronto, no Canadá, onde possui ações pulverizadas entre cerca de dois mil investidores, além de um grande parceiro, o banco de investimentos Brasilinvest. Em quatro anos, a companhia investiu cerca de US$ 20 milhões em quatro projetos no Brasil, onde as pesquisas identificaram cerca 110 mil quilos de ouro no solo.
Em média, de cada 100 projetos para pesquisa mineral apenas uma se torna mina. A venda dessa mina financia a pesquisa em outras áreas. Uma boa venda de uma dessas minas pode levar os investidores a lucrarem. Antes, porém, ficam sujeitos aos resultados das pesquisas - o ouro debaixo da terra já é um ativo precioso - e às intempéries do mercado. Entre janeiro e março deste ano, por exemplo, as ações da Brazil Resources tiveram uma valorização de 180% com a aquisição áreas com grande potencial aurífero. Em outubro tiveram queda de 11,43% em uma tarde. "É uma startup com risco mais elevado", avalia Paulo.
O ouro amazônico reluz para o capital de risco e para os pequenos e médios mineradores. As dificuldades que os pequenos mineradores enfrentam também derrubam ações na bolsa.

Valor Econômico, 15-17/11/2014, Especial, p. F3

http://www.valor.com.br/empresas/3780946/informalidade-prevalece-nos-pe…

http://www.valor.com.br/empresas/3780948/imagem-negativa-restringe-aces…

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